ALFABETIZAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS: REPENSANDO A BNCC, A EDUCAÇÃO INFANTIL E A FORMAÇÃO DOCENTE
Por alessandra aparecida avelino dos santos custodio | 24/09/2025 | Educação
ALFABETIZAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS: REPENSANDO A BNCC, A EDUCAÇÃO INFANTIL E A FORMAÇÃO DOCENTE
Bianca Cecília Albertino de Araújo
RESUMO
Este artigo propõe uma análise crítica da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), da Educação Infantil e da formação docente, à luz das evidências científicas mais recentes sobre alfabetização. A partir de estudos nacionais e internacionais, argumenta-se que a atual versão da BNCC demanda uma revisão urgente para incorporar práticas pedagógicas fundamentadas na ciência cognitiva, especialmente o ensino explícito e a instrução fônica estruturada. Defende-se a necessidade de desenvolver, desde a Educação Infantil, habilidades preditoras da leitura, como consciência fonológica e conhecimento alfabético, bem como a reformulação da formação inicial dos professores, com vistas a assegurar o direito de todas as crianças à alfabetização plena. Neste contexto, destaca-se a relevância do programa “Compromisso Nacional Criança Alfabetizada” como política pública estratégica e propõe-se a inclusão de disciplinas específicas nos cursos de Pedagogia, promovendo a integração entre teoria e prática, com base em evidências científicas consolidadas.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização baseada em evidências; BNCC; Educação Infantil; Formação Docente; Instrução Fônica; Habilidades Preditoras.
ABSTRACT
This article proposes a critical analysis of the National Common Curricular Base (BNCC), Early Childhood Education, and teacher training, in light of the most recent scientific evidence on literacy. Based on national and international studies, it is argued that the current version of the BNCC requires urgent revision to incorporate pedagogical practices grounded in cognitive science, especially explicit instruction and structured phonics. The article advocates for the development, from Early Childhood Education onward, of foundational reading skills such as phonological awareness and alphabet knowledge, as well as the reform of initial teacher education programs to ensure every child’s right to full literacy. In this context, the importance of the "National Commitment to Literacy for All Children" program is highlighted as a strategic public policy. The article also proposes the inclusion of specific subjects in Pedagogy courses to promote the integration of theory and practice based on well-established scientific evidence.
KEYWORDS: Evidence-based literacy; BNCC; Early Childhood Education; Teacher Training; Phonics Instruction; Foundational Reading Skills.
1. INTRODUÇÃO
A alfabetização é uma fase crucial no desenvolvimento educacional das crianças, influenciando diretamente suas trajetórias acadêmicas e sociais. No contexto brasileiro, entretanto, persistem desafios estruturais que comprometem esse processo, sobretudo devido à
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escassez de práticas pedagógicas sustentadas por evidências científicas. Os resultados do PISA (2018) revelam que mais da metade dos estudantes de 15 anos não alcança o nível mínimo de proficiência em leitura, o que evidencia a fragilidade dos métodos de alfabetização atualmente utilizados no país. (OECD, 2019).
Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) represente um marco normativo importante, ela ainda carece de alinhamento com as descobertas da ciência cognitiva, sobretudo no que se refere ao ensino explícito e à instrução fônica estruturada, reconhecidos como eficazes pela literatura internacional. Nesse cenário, torna-se fundamental reformular políticas públicas e práticas educacionais, assim como investir na formação docente, garantindo que os professores estejam preparados para oferecer uma alfabetização baseada em evidências, capaz de atender às reais necessidades dos estudantes.
Diante do contexto apresentado, o objetivo do trabalho é analisar criticamente as lacunas existentes nas políticas e práticas de alfabetização no Brasil, com ênfase na necessidade de incorporação de métodos baseados em evidências científicas, como o ensino explícito e a instrução fônica estruturada, visando contribuir para o aprimoramento da formação docente e para a garantia de uma alfabetização eficaz e equitativa.
2. ALFABETIZAÇÃO INCLUSIVA BASEADA EM EVIDÊNCIAS: CONVERGÊNCIAS ENTRE NEUROCIÊNCIA, PRÁTICA PEDAGÓGICA E FORMAÇÃO DOCENTE
A alfabetização é um processo complexo que envolve múltiplas dimensões do desenvolvimento humano, exigindo práticas pedagógicas fundamentadas em evidências científicas e adaptadas às necessidades dos estudantes. No contexto da educação inclusiva, esse desafio se intensifica, pois, é necessário considerar as especificidades de cada aluno, especialmente daqueles com deficiência, de modo a garantir o direito à aprendizagem (Arantes, 2023; Mantoan, 2006). As práticas pedagógicas, para serem efetivas, devem respeitar o funcionamento neurocognitivo dos aprendizes e adotar metodologias estruturadas que promovam a aquisição da leitura e da escrita (Lacerda, 2020).
Segundo Mantoan (2006),
A inclusão escolar exige que a escola se transforme para acolher todos os alunos, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. [...] A pedagogia da inclusão parte do
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princípio de que todos podem aprender, desde que sejam asseguradas as condições adequadas para isso. É necessário, portanto, abandonar o modelo tradicional de ensino, que parte da homogeneização dos alunos, e adotar práticas pedagógicas que valorizem as diferenças e promovam o desenvolvimento de todo. (Mantoan, 2006, p. 47).
Diante dessa afirmação reforça-se os conceitos dos princípios da educação inclusiva como uma abordagem que reconhece e também valoriza as diferenças dos estudantes, ao invés de trata-las como obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem. Logo, é fortalecido o papel da escola na garantia ao direito à aprendizagem de todos, de forma equitativa.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece o papel fundamental da Educação Infantil no desenvolvimento integral das crianças, considerando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, entre os quais se destacam a escuta, a fala, o pensamento e a imaginação. A BNCC estabelece que a alfabetização deve ser consolidada nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, mas reconhece que as experiências da Educação Infantil são determinantes para a formação das bases cognitivas e linguísticas das crianças. Esse alinhamento entre currículo, ciência e prática pedagógica é essencial para garantir que a alfabetização ocorra de forma equitativa e eficaz desde os primeiros anos. (Brasil, 2017).
A neurociência tem contribuído significativamente para a compreensão do processo de leitura. Dehaene (2012) demonstra, por meio de estudos empíricos, como o cérebro se reorganiza funcionalmente durante o processo de alfabetização, indicando a importância de métodos que priorizem o ensino explícito dos componentes da linguagem escrita. A leitura não é uma habilidade natural: ela precisa ser ensinada de forma sistemática, com base em evidências sobre o funcionamento cerebral. Essa perspectiva dialoga com os achados do National Reading Panel (2000), que aponta cinco pilares essenciais no ensino da leitura: consciência fonológica, decodificação, fluência, vocabulário e compreensão.
Dentre esses pilares, a consciência fonológica ocupa posição central. Adams et al. (1998) desenvolveram atividades específicas para o trabalho com essa habilidade em crianças pequenas, contribuindo para que educadores possam intervir de maneira efetiva ainda nos anos iniciais da Educação Infantil. A importância de tais intervenções precoces também é ressaltada por Morais (2021), que defende uma alfabetização baseada na ciência como instrumento de transformação social e combate ao obscurantismo.
No cenário educacional brasileiro, persistem desafios relacionados à desconexão entre a pesquisa científica e as práticas de sala de aula. Benedeti (2019) faz uma crítica contundente
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à aplicação acrítica de abordagens socioconstrutivistas, frequentemente adotadas sem respaldo empírico, o que pode comprometer os resultados do processo de alfabetização. Essa crítica ganha ainda mais relevância diante dos resultados do PISA 2018, os quais revelam níveis preocupantes de proficiência leitora entre os estudantes brasileiros, sugerindo a necessidade urgente de revisão das práticas pedagógicas vigentes. (OCDE, 2019).
A superação desses obstáculos passa, necessariamente, pela formação docente. Arantes (2023) destaca que a preparação de professores para a alfabetização de estudantes com deficiência deve ser orientada por princípios inclusivos e respaldada por práticas baseadas em evidências. Isso implica não apenas o domínio de conteúdos específicos, mas também a capacidade de adaptar o ensino às necessidades dos alunos, com o uso de recursos acessíveis e estratégias diferenciadas.
Assim,
A formação de professores para a inclusão deve proporcionar o desenvolvimento de competências que lhes permitam atuar em contextos educacionais diversos, com flexibilidade, criatividade e compromisso ético. É fundamental que compreendam os princípios da educação inclusiva, dominem estratégias pedagógicas diversificadas e estejam preparados para acolher e ensinar todos os alunos, independentemente de suas características e necessidades. A prática docente inclusiva exige reflexão constante, disposição para o trabalho colaborativo e abertura para transformar suas ações em função da aprendizagem dos estudantes (Mantoan, 2006, p. 72).
Nesse sentido, o modelo de ensino estruturado, defendido por Lacerda (2020), oferece uma alternativa concreta para a implementação de uma alfabetização inclusiva e eficaz. Com foco na instrução direta e no acompanhamento sistemático da aprendizagem, esse modelo tem demonstrado eficácia em diversos contextos escolares. Oliveira (2020), ao abordar caminhos para a alfabetização por meio da instrução baseada em evidências, reforça a importância de políticas educacionais que promovam o uso de dados para orientar o trabalho docente.
Diante do exposto, torna-se evidente que a promoção de uma alfabetização de qualidade exige o alinhamento entre ciência, prática pedagógica, currículo e políticas públicas. Ao considerar os avanços das pesquisas sobre leitura, as diretrizes da BNCC e as demandas específicas da educação inclusiva, é possível construir caminhos mais efetivos e justos para garantir que todos os estudantes, sem exceção, tenham acesso ao conhecimento e ao exercício pleno da cidadania.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A alfabetização, sobretudo em contextos inclusivos, demanda uma abordagem pedagógica que integre os avanços da neurociência, as diretrizes curriculares da BNCC e as necessidades específicas dos estudantes com deficiência. O presente estudo evidenciou que práticas fundamentadas em evidências científicas, como o ensino estruturado e a ênfase na consciência fonológica, são mais eficazes para promover a aquisição da leitura e da escrita de forma equitativa. No entanto, tais práticas só se concretizam plenamente quando sustentadas por políticas públicas consistentes e por uma formação docente que transcenda teorias generalistas e se aproxime da realidade da sala de aula.
Além disso, a Educação Infantil se apresenta como etapa crucial na construção de habilidades prévias à alfabetização, sendo fundamental que os professores atuantes nesse segmento compreendam o papel das experiências linguísticas precoces no desenvolvimento das funções cognitivas relacionadas à leitura. A BNCC, ao reconhecer esses direitos de aprendizagem, oferece uma base normativa que deve ser ressignificada à luz da ciência e da prática, especialmente em contextos onde a exclusão educacional ainda é uma realidade.
Portanto, garantir o direito à alfabetização para todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiência, implica reconhecer a leitura como uma ferramenta de emancipação social e cidadania, exigindo ações intencionais, formação qualificada e compromisso ético dos profissionais da educação. Apenas com a convergência entre ciência, currículo, prática e inclusão será possível construir uma escola verdadeiramente democrática e promotora de justiça social.
REFERÊNCIAS
ADAMS, M. J. et al. Consciência fonológica em crianças pequenas: um manual de atividades. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
ARANTES, S. L. F. Educação inclusiva e formação docente: perspectivas para a alfabetização de estudantes com deficiência – Polo Ibirité. Ibirité: Universidade do Estado de Minas Gerais, 2023.
BENEDETI, K. S. A falácia do socioconstrutivismo: um olhar crítico para as práticas pedagógicas no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2019.
DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012.
LACERDA, L. Ensino estruturado na educação inclusiva: práticas pedagógicas baseadas
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em evidências. São Paulo: Cortez, 2020.
MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
MORAIS, J. Alfabetizar para a democracia: a luta contra o obscurantismo. São Paulo: Contexto, 2021.
National Reading Panel. Teaching children to read: an evidence-based assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction. Washington, DC: National Institute of Child Health and Human Development, 2000.
OCDE. PISA 2018 Results: What Students Know and Can Do – Volume I. Paris: OECD Publishing, 2019. Disponível em: https://www.oecd.org/pisa/publications/pisa-2018-results.htm. Acesso em: 6 maio de 2025.
Oliveira, J. B. A. et al. Instrução baseada em evidências: caminhos para a alfabetização. Brasília: Instituto Alfa e Beto, 2020.