Foi divulgado, 2ª feira (29/01), que Temer cancelou sua viagem a Portugal para se dedicar exclusivamente à reforma da previdência. Informou, ainda, que a reforma poderá sofrer novas alterações. Mesmo assim, segundo suas declarações, a reforma trará uma economia de recursos em torno de R$ 550 a R$ 600 bilhões ao longo de 10 anos.

Pela manhã, ouvi na MEC FM, que ainda faltam 35 deputados para serem “convencido$$”. Se considerarmos o nível político, demonstrado na votação do “impeachment”, a tarefa não será das mais difíceis.

Lidar com grandes números geralmente é assustador. Em alguns momentos, perdemos a dimensão. Um bom exemplo é quando algum astrônomo começa a explicar as dimensões do Universo e das galáxias e começa a falar em anos-luz. Quem não perde a noção?

Com os números da previdência social, que também são gigantescos, se não tomarmos alguns cuidados, corremos o risco de perder a noção e cometer grandes equívocos. Se os cálculos do governo, sobre a redução dos gastos com a reforma da previdência, estiverem corretos, parece-me que é o caso de “perda de noção” ou de pura tolice.

Um cálculo bem rápido nos revela algo assustador e capcioso!

Economia com a Reforma:

Em 10 anos ..................................... R$      570 bi

Anual ..............................................  R$        57 bi

Mensal (c/13º salário) ..................... R$   4,385 bi

Total de aposentados ......................    30 milhões

Economia mensal por aposentado .. R$     146,15

Como a economia esperada, pelo governo, é em torno de R$ 570 bilhões em dez anos, então a economia anual seria de R$ 57 bilhões. Isto implica em uma economia mensal de R$ 4,38 bilhões. Como a previdência tem cerca de 30 milhões de aposentados, isto daria uma economia mensal, média, por aposentado de apenas R$ 146,15.

Em minha opinião, trata-se de um total contra-senso, um grande paradoxo. O governo está “emperrado” em torno dessa reforma há mais de dois anos, para no fim das contas fazer uma economia de R$ 57 bilhões por ano, ou uma economia mensal de apenas R$ 146,15 por aposentado. É óbvio que R$ 57 bilhões por ano não é um montante de recursos para se gastar ou investir de qualquer maneira. Mas, quando analisamos os valores em termos individuais, o valor economizado por mês é muito baixo. A discussão que deve ser feita é o quanto esse valor representa para uma família, de baixo poder aquisitivo, como é o caso da maioria das famílias brasileiras. O que deve prevalecer é o aspecto social, é o quanto tem de capacidade para contribuir no crescimento e desenvolvimento do país para reduzir a grande desigualdade social. Para os que defendem a reforma, apenas pelo aspecto financeiro dos fluxos de caixa do governo, isto é paternalismo. Mas, quando defendem subsídios e isenções fiscais, para grandes empresas, argumentam que são medidas para o país crescer e se desenvolver. Não conseguem enxergar o Estado como gestor de políticas públicas. Para os reformistas, o Estado deve ser mínimo; desde que suficiente para atender seus interesses de lucratividade e acumulação de capitais.

Não é difícil demonstrar o absurdo dos resultados esperados pelo governo. Só em impostos, para o governo federal, a “economia” de R$ 60 bilhões, com a reforma da previdência, deixará de arrecadar cerca de R$ 20 bilhões por ano apenas com imposto de renda! Se considerarmos o efeito multiplicador dessa renda sobre a economia, o governo teria capacidade de arrecadar pelo menos mais R$ 10 bilhões por ano. Só com esses dois fatores, o governo já reduziria o impacto, de não fazer a reforma, em R$ 30 bilhões.

Tem ainda, a dívida pública federal, cuja despesa com juros e encargos, tem sido uma das principais motivações dessa reforma. Só com a dívida pública, o governo gasta R$ 350 bilhões por ano com pagamento de juros. Segundo estimativas do próprio governo, a redução na taxa Selic, de 13,5% em 2016, para 7,5% em 2017, em seis pontos percentuais (6%), geraria uma economia de cerca de R$ 20 bilhões com pagamento de juros.

É praticamente um “jogo” de soma zero. Muito esforço e muito desgaste político para uma relação custo-benefício quase nula para o governo e a sociedade. Faz lembrar a comédia, “Muito Barulho por Nada”, de Shakespeare.

Nos países desenvolvidos, a aposentadoria não é vista como um fardo para os governos; é vista como um direito e uma conquista da sociedade. Ela representa o prêmio para alguém que trabalhou e consumiu décadas de sua vida para servir a sociedade. É o retorno para o contribuinte e, acima de tudo, para o cidadão que dedicou a maior parte de sua vida trabalhando e contribuindo, na construção do país, para as gerações futuras. A aposentadoria simboliza a conquista da medalha de ouro na olimpíada da vida. Representa o “podium” para os vencedores; que após o esforço de muitos anos caindo, levantando, driblando dificuldades, saltando barreiras e superando obstáculos, conseguiram alcançar a linha de chegada. A aposentadoria, dos mais velhos, deve ser vista como a oportunidade dos mais jovens conquistarem seu primeiro emprego. O trabalhador não pode ser equiparado a uma máquina que deve ser depreciada até o último momento de “vida útil”. Tive a triste experiência de ver um colega de trabalho - meu primeiro chefe no Banco do Brasil -, que depois de 35 anos de trabalho, morreu uma semana depois de se aposentar. Percebi o quanto a vida é efêmera. O quanto ela pode ser “injusta” com algumas pessoas. Percebi que não podia fazer do Banco, meio de vida; percebi que deveria ser apenas meio de trabalho, meio de sobrevivência.

Para os que defendem a reforma e, dessa maneira, a extensão do tempo de trabalho e a redução do tempo de vida, de milhões de pessoas, só veem “Capital” onde existe vida, só enxergam relações mercantis onde existem relações sociais. [Marx citou essa ideia em um de seus livros. Acho que foi “O Capital”; não tenho certeza agora].

Pobre do país e do povo, cujo presidente-tampão e golpista se submete às exigências de grupos econômicos para participar de programas de televisão, do nível de “Ratinho”, “Amaury JR” e “Silvio Santos”, para vender seu produto; o aumento da miséria, maquiado de necessidade e embrulhado em chantagem. Que mediocridade! É tão inexpressivo que não alterou a audiência em nenhum dos programas.

Ser gestor da coisa pública não é apenas economizar recursos para garantir superávit primário para pagar juros da dívida; é saber gastar e investir. A lógica de garantir, a qualquer custo para a sociedade, mais de R$ 350 bilhões por ano para pagamento de juros para favorecer cinquenta banqueiros e quatrocentos e cinquenta grandes investidores (Fonte: Tesouro Nacional), e não poder garantir R$ 30 bilhões por ano que irá beneficiar trinta milhões de aposentados, que contribuíram por mais de trinta anos, é por demais cruel, insano e desprezível. A sociedade não pode aceitar essa barbaridade. Se esta reforma for aprovada, a resposta deve ser dada nas urnas.

O custo administrativo disso tudo representa R$ milhões de reais aos cofres públicos. Se considerarmos nos cálculos o que se está gastando e o que ainda vai se gastar para convencer os demais deputados, esse valor é de R$ bilhões de reais.

Mas, por que o governo insiste nesta reforma, se o resultado, para o Estado, é tão insignificante em termos de política macroeconômica? A lógica por trás da reforma é a mesma da privatização. Liberar recursos do orçamento federal para garantir uma sobrevida maior para pagamentos de juros e encargos da dívida interna e liberar uma fatia das aposentadorias futuras para o mercado privado dos planos de previdência privada controlado por grandes grupos econômicos.

Se alguém ainda não entendeu o caráter desta reforma, me desculpe. Mas, você e seus filhos terem que trabalhar e contribuir por mais quinze ou vinte anos, além de mais uma artimanha de um governo ilegítimo, fruto de um golpe fútil e banal, é também sua responsabilidade. É resultado de sua omissão; é resultado de sua decisão em insistir em não fazer política e de seu ódio por alguns políticos. É não admitir o que você já sabe, mas não quer assumir; que a luta de classes é uma luta política e toda luta política é uma luta na defesa por interesses antagônicos. Interesses de classe. Política tem lado!

Não adianta a grande mídia, que é também grande capitalista, fazer discurso de conciliação, que não existe luta de classes. Ela existe. É uma característica básica de todas as sociedades divididas em classes sociais. A sociedade capitalista não é apenas uma sociedade de classes. É uma sociedade dividida em classes sociais extremamente desiguais. E dessa forma, a tendência é o discurso político e o enfrentamento, entre as classes, se exacerbar.

Mas, esta luta de classes, esta luta política, não deve ser encarada e travada como uma luta pessoal, uma luta fratricida, de trabalhadores contra este ou aquele capitalista. A luta de classes é uma luta política. É uma luta de defesa de interesses. Quando o capitalista, a FIESP e o grande empresário defendem a reforma da previdência, estão defendendo interesses de classe. Quando os empresários, eleitos deputados, e seus representantes, votam a favor das reformas trabalhista e previdenciária, o que se manifesta é apenas interesse de classe. Da mesma forma, quando um trabalhador, um sindicalista ou outro representante da classe trabalhadora, se elege deputado e vota contra as reformas, trabalhista e previdenciária, que retiram direitos e conquistas dos trabalhadores, está fazendo luta de classes, está defendendo interesses de classe. Interesses da classe trabalhadora. Está fazendo política!

Platão definiu, de forma genial, há mais de 400 a.C., que “O castigo dos bons, que não fazem política, é ser governados pelos maus”.