Resumo

 

O presente artigo  intitulada Africanização do islão em Moçambique pelos nativos da Província da Zambézia, cidade de Quelimane. O artigo tem como objectivo compreender as razões do processo de africanização da religião islâmica pelos nativos africanos, tendo como caso particular a comunidade dos muçulmanos nativos da cidade de Quelimane. A pesquisa foi realizada com uma amostra de 22 intervenientes, dos quais 20 dos crentes são da comunidade muçulmana nativa de Quelimane e dois (2) presidentes, um da Comunidade Muçulmana Nativa de Moçambique e outro da Comunidade Islâmica de Moçambique na província da Zambézia. A pesquisa foi do tipo descritivo, tendo como método de abordagem o método Qualitativo e método de procedimento o método monográfico ou de estudo. Para a colecta de dados foram usados as seguintes técnicas de colecta de dados: entrevista semi-estruturada para dar liberdade ao entrevistado de abordar os aspectos que considere relevantes para a pesquisa mediante as questões de reflexão e a pesquisa documental recorrendo-se a documentos escritos do arquivo da comunidade muçulmana nativa de Janeiro. Feita a apresentação, analise e interpretação dos obtidos durante a pesquisa o autor conclui que as razões do surgimento da comunidade muçulmana nativa de Moçambique resultam primeiramente da não assimilação completa dos valores da religião e cultura islâmica e da necessidade de incluir os valores culturais tradicionais locais das comunidades africanas na religião islâmica, de modo que, esta não seja feita somente obedecendo a cultura dos povos árabes- islâmicos mais também que seja feita consoante a cultura dos povos africanos. Surgindo assim o que se designou por “africanização do islã”. Como exemplo temos a comunidade muçulmana nativa de Moçambique na cidade de Quelimane, localmente designada por Emwenhe Yobaliwana.

Palavras-chaves: africanização, islão, nativo, Quelimane.

0. Introdução

O presente artigo se a analise do processo da Africanização do islão em Moçambique pelos nativos da Província da Zambézia, cidade de Quelimane”. A abordagem desta temática centrou-se na problemática de compreender as razões que propiciaram o surgimento da comunidade muçulmana nativa em Moçambique, na província da Zambézia e em particular da cidade de Quelimane. Onde é notória a existência de uma fracção da religião muçulmana, localmente designado por emwenhe yobaliwana, que em português significa muçulmano nativo é uma fracção que apresenta uma simbiose dos elementos religiosos da fé muçulmana islâmica com os elementos das religiões tradicionais africanos, de forma a levar os valores muçulmanos islâmicos originais que caracterizam esta religião na essência e revesti-los de alguns valores africanos, surgindo assim a expressão africanização do islão empregue pelo autor na presente monografia científica.

Para tal, duas hipóteses foram levantadas previamente, onde a primeira advoga que a africanização do islão na cidade de Quelimane surge da necessidade de adequar a religião islâmica aos hábitos e costumes culturais locais africanos, de modo a anexa-los na religião islâmica e a segunda advoga que a africanização do islão na cidade de Quelimane foi porque os nativos não assimilaram os valores da religião e cultura islâmica.

Sendo a comunidade muçulmana nativa de Moçambique, uma religião que já existia deste o período da expansão árabe-persa ao continente africano, torna-se num fenómeno social, que merece a atenção dos pesquisadores, académicos e investigadores das áreas de história, ciências sócias, estudos culturais, antropólogos, sociólogos, etc.

A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Quelimane, concretamente na comunidade de Janeiro, onde o autor usou varias técnicas de colecta de dados com destaque para a observação não participante realizada na Mesquita da comunidade de Janeiro da cidade de Quelimane, a Entrevista semi-estruturada, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Permitindo ao autor a colecta de dados necessários para a concretização da presente monografia.

Em meados do século VII, os árabes estavam em pleno processo de expansão, guerreando e conquistando terras em nome da religião que havia nascido com as palavras de Maomé: o islamismo

A invasão árabe no continente africano transformou completamente o perfil da África do Norte, do Mediterrâneo até a faixa sudânica. Uma região que mantivera, até então, estreito contacto com o mundo europeu (cultural e comercialmente, desde o florescimento do Império Egípcio, a colonização grega na Cirenaica, até o estabelecimento das colónias romanas na África Mediterrânica) passaria agora a voltar-se – cultural e economicamente – para o Oriente Médio; adoptando dele não só os costumes e a língua, mas também e, principalmente, a religião (KIZERBO, 2009).

Embora possa parecer que, no processo de islamização da África, ela teria perdido suas características culturais próprias em detrimento da religião e da cultura islâmica, os historiadores estão de acordo ao afirmar que teria ocorrido justamente o oposto: o que houve foi uma “africanização do islã”, isto é, desenvolveram um islamismo que conviveu lado a lado com as tradições ancestrais, como no Songhai, onde o rei Sonni Ali era um legítimo songhali (portanto africano), muçulmano e também um respeitado feiticeiro, (ALMEIDA, 2012).

Contudo na cidade de Quelimane, o autor constatou a existência de duas fracções muçulmanas dentro da religião islâmica, nomeadamente, a comunidade islâmica e a comunidade nativa de Moçambique, localmente designada por Emwenhe Yobaliwana. A primeira que obedece os princípios da religião islâmica plasmados no alcorão que é o livro sagrado dos islâmicos, seguindo as tradições da cultura árabe islâmica e sobretudo usando somente a língua litúrgica árabe durante dos seus cultos ou rezas e em contrapartida encontramos a segunda a comunidade muçulmana nativa – esta não usa necessariamente um alcorão próprio, mais seguem alguns mandamentos do alcorão islâmico, estes para além de usar a língua litúrgica árabe também usam as línguas locais e o português durante os seus cultos, há inclusão de alguns cultos mágicos religiosos locais como o Mucutho nas suas manifestações religiosas. Desta forma surge a problemática que se pretende abordar do presente artigo, que é: Porque a africanização do islão na cidade Quelimane?

Hipoteticamente, foram identificadas as seguintes hipóteses ou pré-respostas:

H1. A africanização do islão na cidade de Quelimane surge da necessidade de adequar a religião islâmica aos hábitos e costumes culturais locais africanos, de modo a anexa-los na religião islâmica;

H2. A africanização do islão na cidade de Quelimane foi porque a comunidade local não assimilaram os valores da religião e cultura islâmica.

A escolha pelo tema “A africanização do islão pelos nativos da cidade de Quelimane: caso da comunidade muçulmana de Janeiro” proposto para o estudo deve-se primeiramente pelo facto do autor ser residente da cidade de Quelimane onde tem-se verificado a existência de duas religiões muçulmanas, a dos muçulmanos islâmicos e dos muçulmanos nativos, que são intolerantes entre elas.

Em seguida, dada a escassez de fontes escritas sobre a matéria, surge a necessidade de abordar esta temática de modo a contribuir com mais uma fonte escrita que aborda a questão da religião, concretamente dos muçulmanos nativos na cidade de Quelimane.

A questão sobre a africanização das religiões ocidentais e orientais já foi abordada por vários autores, com destaque para Albert Adu Boahen, nos livro “História geral de África VII: África sob dominação colonial 1880-1935”, destaca o surgimento de religiões fundadas por curandeiros e feiticeiros autóctones como uma forma de resistência a submissão aos valores religiosos dos colonizadores, surgindo assim igrejas cristãs protestantes com raízes ou alguns elementos tradicionais africanos.

Também GRACIA, Francisco Proença (2003), na obra intitulada “O islão na África subsaariana – Guiné-Bissau e Moçambique, uma análise comparativa”. O autor faz uma análise comprativa dos mecanismos políticos, sócio e religiosos que influencia na manifestação do islão nestes dois países, o autor advoga que o islamismo é uma religião, moral, um sistema social, económico e político que não é homogéneo em África: as formas culturais e muçulmanas diferem como resultado com os regimes políticos e os contextos sociais que as populações vivem.

BOUNE (2001), na obra “Moçambique: Islão e a cultura tradicional”, o autor aborda o Islão africano que apesar de integrado na Umma geral, adaptado as culturas africanas e as mentalidades de cada momento histórico. O islão africano ancora-se nas estruturas da vida colectiva, impregnando as práticas sociais do dia-a-dia, modificando as antigas formas de vida, criando novas vivências em conformidade com os preceitos islâmicos.

Neste sentido, a presente estudo difere-se com as abordagens dos autores citados, pois preocupa-se com a africanização do islão pelos nativos da cidade Quelimane, trazendo as razões deste processo de africanização do islão e formas de manifestação da religião da comunidade muçulmana nativa.

No campo académico, concretamente na área da ciência histórica, contribuirá com mais um documento produzido sobre os conteúdos da história local, concretamente no tange ao estudo das religiões autóctones, com destaque para a religião dos muçulmanos nativos. Assim como incentivar para a realização de mais pesquisas e debates sobre a temática.

No campo da educação e do ensino de história, contribuirá para o estudo da história das sociedades locais no caso concreto da sociedade chuabo da cidade de Quelimane, mais também das sociedades moçambicanas e africanas no geral no tange aos valores religiosos e que contribuir na compreensão da evolução das religiões locais autóctones africanas.

No campo social e cultural o trabalho resultante da pesquisa contribuiu para exaltar a questão dos valores culturais dos povos africanos, moçambicanos e concretamente dos zambezianos, principalmente em matéria de símbolos e representações religiosas locais.

Objectivamente o estudo pretende de forma geral compreender as razões da africanização do islão na cidade de Quelimane: caso da comunidade de Janeiro e forma específica, a pesquisa se propôs em descrever o processo de expansão da religião islâmica em África, de seguida explicar as razões da africanização da religião islâmica e finalmente analisar as implicações de africanização do islão pelos nativos da comunidade muçulmana de Janeiro da cidade de Quelimane.

Em termos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida mediante a pesquisa descritiva, que na visão de (TRIVIÑOS, 2008), têm por objectivo de descrever criteriosamente os factos e fenómenos de determinada realidade, de forma a obter informações a respeito daquilo que já se definiu como problema a ser investigado. O que permitiu ao autor descrever as características particular da população da cidade de Quelimane no que tange as manifestações religiosas locais e da religião islâmica, as características particulares dos intervenientes da pesquisa e dos muçulmanos nativos da cidade de Quelimane.

O que permitiu ao autor compreender as razões da africanização do islão pelos nativos de Quelimane e as implicações sociais-culturais e políticas resultantes deste processo na comunidade da cidade de Quelimane. Uma das suas peculiaridades está na utilização de técnicas padronizadas e não padronizadas de colecta de dados, tais como a entrevista e a observação não participante.

No presente artigo, usou-se o método de abordagem qualitativa, pelo facto de permitir o autor explicar o porquê da emergência dos muçulmanos nativos, na cidade de Quelimane, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificando os valores e as trocas simbólicas nem as submetem à prova de factos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interacção) e se valem de diferentes abordagens.

Já o método de procedimento proposto é o método monográfico ou estudo de caso, porque permitiu ao autor, aprofundar uma realidade especifica – os muçulmanos nativos, na cidade de Quelimane - É basicamente realizada por meio da observação directa das actividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar as explicações e interpretações do que ocorrem naquela realidade. Consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objectos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento.

Como forma de colectar as informações sobre o tema e pesquisa foram usados como técnicas: as entrevistas semi-estruturada, a observação não participante, a documentação directa e a fonte oral.

Nas entrevistas semi-estruturadas não existe rigidez de roteiro. O que permitiu o pesquisador explorar mais algumas questões, se poderão se tornar pertinentes durante a entrevista, assim como torna o entrevistado livre de responder as questões sem que tenha uma rigorosidade em termos do que responder.

Na visão de GIL (2002:145), entrevista é definida como sendo uma técnica de colecta de dados em que o pesquisador se apresenta ao pesquisado e formula-lhe pergunta, com o objectivo de obter os dados que interessam a pesquisa.

Desta feita, a entrevista foi realizada na mesquita da comunidade de Janeiro da cidade de Quelimane. Onde no fim de cada culto, fez-se entrevistas aos crentes e líderes seleccionados para servirem de amostra, que responderam livremente as questões da ficha de entrevistas e tendo em conta que o uso da fonte oral requere o uso da metodologia proposta por J. Vansina citado por KI’ZERBO (2010), que para além do uso cruzado das fontes também deve-se entrevistar varias vezes a mesma pessoa com o mesmo questionário. Razão pela qual cada interveniente no mínimo foi entrevistado em três (3) ocasiões.

A entrevista também foi feita ao Presidente da Comunidade Muçulmana nativa de Moçambique e também foi proposto entrevistar o Presidente do Conselho Islâmico da Zambézia mais este não mostrou disponibilidade em todos momentos que lhe foi contactado. Através das entrevistas realizadas aos intervenientes da pesquisa o autor colectou mais informações sobre a temática estudada e compreendendo de forma enriquecida as razões da africanização do islão pelos nativos da cidade de Quelimane.

A observação não participante é uma técnica de colecta de dados que consiste na busca de informações mediante processo de observação não participante do fenómeno que se pretende estudar, sendo assim o pesquisador não só observa o fenómeno assim como anota e descreve os factos por ele observados.

Sendo que segundo LAKATOS & MARCONI (2000:64), “observação não participante é a fase de pesquisa realizada com intuito de recolher informações prévias no campo de interesse”.

A observação foi realizada mediante a assistência dos cultos na mesquita de Janeiro, a assistência foi feita em cinco (5) ocasiões, isto é, cinco cultos. Com finalidade de identificar as formas de manifestações culturais e islâmica dos crentes da mesquita dos muçulmanos nativos de Janeiro da cidade de Quelimane.

Para FONSECA (2002:32), a pesquisa documental recorre a fontes diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc.

Para tal foram usadas estas fontes documentais escritas, que por sua vez não tiveram um tratamento analítico, disponíveis no arquivo da mesquita e da comunidade muçulmana nativa de Janeiro (relatórios, fotografias, brochuras sobre o historial), que por sua vez contribuíram para o enriquecimento do conteúdo do trabalho em pesquisa.

Feita a colecta de dados da pesquisa, o autor recorreu a tabulação simples e a análise de discurso como técnicas para a apresentação, analise e interpretação de dados obtidos. A aplicação destas técnicas foi precedida pela selecção das questões pertinentes e pelo agrupamento das respostas dos intervenientes em categorias de análise.

Para Gil (2008:159), a tabulação é o processo de agrupar e contar os casos que estão nas várias categorias de análise. A tabulação do primeiro tipo, que também é denominada marginal, consiste na simples contagem das frequências das categorias de cada conjunto.

Deste modo, o autor utilizou tabelas que ilustram as percentagens das opiniões e informações fornecidas pelos intervenientes da pesquisa durante o processo de recolha de dados, para que a apresentação seja mais clara e objectiva o autor também utilizou a análise do discurso.

O processo de análise do discurso centrou-se na pretensão de interrogar os sentidos estabelecidos em diversas formas de produção, que podem ser verbais e não-verbais, bastando que sua materialidade produza sentidos para interpretação; podem ser entrecruzadas com séries textuais (orais ou escritas) ou imagens (fotografias) ou linguagem corporal (dança).

Portanto o autor com a análise do discurso trabalhou no concreto com o sentido, das opiniões e do discurso heterogéneo marcado pela história e ideologia dos intervenientes, com isso o autor não pretende descobrir nada novo, apenas fez uma nova interpretação da realidade sobre a comunidade dos muçulmanos nativos da cidade de Quelimane.

Faz parte do universo da população a estudar, toda população que professa a religião islâmica, com mais atenção para os muçulmanos nativos da Província da Zambézia e concretamente na cidade de Quelimane. Para a presente pesquisa foi usada uma amostra de vinte e dois (22) indivíduos escolhidos de forma intencional, onde foram entrevistados: o presidente do conselho dos muçulmanos da Zambézia; o presidente dos muçulmanos nativos e vinte (20) crentes da religião dos muçulmanos dos nativos, na mesquita de Janeiro da cidade de Quelimane. Distribuídos da seguinte forma: cinco (5) líderes da mesquita, quinze (15) crentes. Como ilustra a tabela abaixo...