Em novembro, dia 20, comemora-se o "dia da Consciência Negra". Podemos dizer que se trata de uma comemoração criada a partir dos movimentos da negritude para se contrapor às festividades ufanistas do 13 de maio, em virtude daLei nº 3.353/1888.

Que lei é essa? Aqueles que não passaram batidos pelas aulas de história do Brasil devem se lembrar que foi essa a lei que a princesa Isabel assinou, a chamada "lei áurea", extinguindo a escravidão, no Brasil. Uma lei eficiente, apesar de lacônica e problemática.

Eficiente porque colocou um ponto final no problema da escravidão, em nosso país. A escravidão foi "declarada extinta", como diz o texto da lei. Entretanto, em que pese a extinção prevista por força de lei, não se concretizou imediatamente pois, permaneceram situações de escravidão que se alongaram pela história. Mas a partir dessa data não mais se podia dizer que havia escravos no Brasil.

Lacônica, pois é formada por um preâmbulo, dois artigos e o mandado de cumprimento. A íntegra da chamada "lei áurea" pode ser acessada, entre outros, no seguinte endereço eletrônico: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM3353.htm>, de onde a copiamos para podermos lê-la na integra: "A Princesa Imperial Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a Lei seguinte: Art. 1º - É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário."

Em seguida vem as orientações de procedimento. Podemos observar que essas orientações formam um texto mais extenço que o texto da lei. "Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.

O Secretário de Estado dos Negócios d'Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augusto da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.

Dado no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888 - 67º da Independência e do Império.

Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral, que Houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.

Para Vossa Alteza Imperial ver."

Além disso, é uma lei problemática, pois determina que se extinga a escravidão, sem que tenha havido preparação nas relações sociais, nem se produzissem colocações de trabalho para os negros libertos. Além disso, a extinção da escravidão não se baseou em motivos humanitários, mas capitalistas, pois a preocupação era a absorção dos imigrantes europeus que estavam sendo atraídos; vindos principalmente para ocupar os cafezais e serem transformados não só em mão de obra barata, mas também em consumidores da indústria nascente, além dos produtos ingleses que invadiam nossas fronteiras.

Não cabe, aqui, toda a discussão sobre as causas e conseqüências do processo imigratório.Mas não se pode deixar de destacar que se por um lado a lei afirmou a extinção da escravidão,por outro lado, na prática tanto das fazendas como do posicionamento histórico as situações de escravidão permaneceram. Com o agravante de que se por um lado adentraram no país os imigrantes, muitos dos quais passaram a viver em situações tão desumanas quanto aquelas em que viviam os escravos; os ex-escravos passam a representar umgrupo social que, na prática, passou a ser uma espécie de paria social: sem profissões definidas, sem condições de trabalho, sem formação... largados à própria sorte. Acrescente-se a isso o discurso da indolência atribuído àqueles que, até aquele momento da história, haviam construído com seu suor e sangue a riqueza da oligarquia nacional.

Por essas e outras razões as organizações e movimentos negros passaram a dar espaço crescente à figura de Zumbi, líder de Palmares e da resistência negra, assassinado em 20 de novembro. Dia que passou a ser o marco, inicialmente com muita luta e depois com uma lei federal, do Dia Nacional da Consciência Negra.

Podemos dizer, também, que essa lei, (10.639, de 9 de janeiro de 2003), tornando "obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira", além de produzir uma reviravolta na concepção da história do Brasil, é resultado da organização dos negros. Tanto que o artigo primeiro obriga o "estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil".

O aspecto de resgate da "cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional" pode ser visto como o fundamento de vários estudos acadêmicos relacionados à negritude. Ou seja, a Africanidade Brasileira está cada vez mais presente, não só no cotidiano do povo brasileiro, como na consciência dos brasileiros de sua dívida com os afro-descendentes.

Embora esse processo seja crescente a partir da década final do século XX, ele é mais antigo. Um de seus fundadores foi o médico legista Nina Rodrigues, no século XIX. Apesar de ter procurado provar a "degenerescência e tendências ao crime dos negros e mestiços", sua obra póstuma "Os Africanos no Brasil", de acordo com Buonicore, é considerado um dos estudos pioneiros sobre a negritude no Brasil: "Estes foram os primeiros grandes estudos sociológicos sobre a presença negra na cultura brasileira e, contraditoriamente, foram os mais importantes trabalhos baseados no chamado racismo científico publicados no final do século XIX e início do século XX" (Buonicore, 2005, disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/051/51buonicore.htm).

Outro ícone dos estudos sobre a negritude foi o francês Roger Bastide que, para melhor entender o espírito africanidade brasileira se fez um dos iniciados do Candomblé, na Bahia. Entretanto um dos elementos mais definidores da cultura brasileira é a mestiçagem incorporando elementos e valores não só da africanidade como também de indígenas e europeus. Também não são poucos os estudos sobre o mestiçamento dos brasileiros com destaque especial para as contribuições de Gilberto Freire e Darcy Ribeiro, além de Jorge Amado, mostrando na literatura, nuances inenarráveis da mestiçagem de nosso povo. Podemos dizer que, se por um lado, a política da imigração propunha o branqueamento da população, estes pensadores, por outro lado, procuravam mostrar a riqueza cultural oriunda da mistura racial.

E onde isso nos leva?

Ao fato de que apesar de ainda não se ter eliminado as barreiras que separam os grupos e as formações étnico-culturais, podemos ter um vislumbre de mudança de perspectiva. Até recentemente as pessoas se divertiam com as chamadas "piadas de mau gosto" envolvendo afro-descendentes. Hoje, por força de lei ou por crescimento da consciência de respeito ao outro a situação é diferente. Pode-se dizer que cresce o respeito entre os diferentes.

Dentro dessa perspectiva é que se insere um artigo "A Umbanda em Rolim de Moura (RO)", do professor Everaldo L Santana, na Revista Farol, da Faculdade de Rolim de Moura. Estudando a Umbanda na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia, o professor demonstra que a superação de antigos preconceitos e aceitação, por parte da sociedade local, em relação a essa prática religiosa produz relações sociais mais saudáveis. E, com isso, a compreensão do diferente e da cultura negra ganha espaço não só no mundo acadêmico, como no cotidiano da sala de aula. Na ótica do professor ao se superarem os preconceitos, perspectivas culturais distintas convivem e se relacionam em favor do bem estar da população.

Isso é demonstrado, nessa cidade, em relação ao terreiro de umbanda. Quando fora criado havia sido muito hostilizado, mas que com o transcorrer do tempo e com os estudantes sendo levados a estudar – a partir de trabalhos escolares – as influencias africanas, a sociedade circundante acolhe e respeita a prática do outro. Comentando a presença de um terreiro de umbanda o professor diz que atualmente: "o terreiro é aceito, bem aceito e respeitado pela comunidade. Isso é confirmado pelo fato de a mãe de santo Maria Costa ser, em algumas ocasiões, convidada para falar sobre sua casa de santo e sobre a umbanda em instituições de ensino. Além disso, o terreiro é procurado, às vezes, por alunos em busca de informações, para realização de seus trabalhos escolares" (SANTANA, 2009, p. 61). Não temos dúvida de que isso que ocorre nesta cidade, manifesta-se em outras localidades a partir de um pré-requisito: a superação ou eliminação dos preconceitos.

Que podemos concluir de tudo isso?

Muita coisa se fez, ao redor do "13 de maio", mas ainda se tratava de cumprir exigências provindas da "história oficial". A organização de movimentos negros aumentou a consciência da africanidade e com isso desenvolvem-se processos mais autênticos não só de respeito ao diferente, mas de interação entre aqueles que são, embora diferentes, partícipes da mesma história. A história desse povo mestiço ainda é largo campo a ser estudado.

Se isso é verdade para o caso do Brasil muito mais verdadeira é a afirmação em relação a Rondônia e, neste estado, na cidade de Rolim de Moura. Este tipo de estudo está apenas começando. Da mesma forma que a história de Rondônia permanece um "prato ainda não saboreado", a africanidade presente em Rondônia, e de modo específico em Rolim de Moura é um desafio não só pela pertinência do tema, mas principalmente pela ausência de estudos. Está, portanto, colocada a questão da africanidade em Rondônia e em Rolim de Moura, onde de acordo com a letra do hino do estado vive um povo que "nestas paragens do poente, grita com força: somos brasileiros!". Tudo isso para ajudar o desenvolvimento da nossa consciência negra.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei No 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>

BRASIL, Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, Declara extinta a escravidão no Brasil. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM3353.htm>

BUONICORE, Augusto C. Reflexões sobre o marxismo e a questão racial. In. Revista Espaço Acadêmico, ano V, nº 51, agosto de 2005. disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/051/51buonicore.htm>

SANTANA, Everaldo L. A umbanda em Rolim de Moura (RO) in. Revista Farol, Rolim de Moura, ano V, nº 10, p. 57-73, jul-dez/2009

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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