Pela lei, a chamada rachadinha, amplamente praticada pelo Brasil adentro, desde câmaras municipais até no Congresso Nacional, é um crime que pode ser caracterizado como estelionato, apropriação indébita, sonegação fiscal ou lavagem de dinheiro. Como funciona essa jaboticaba que só deve existir no Brasil? É uma engenharia financeira que primeiramente precisa contar com a colaboração do contratado, que em geral é parente ou conhecido de confiança. O parlamentar tem uma verba disponível para contratar assessores parlamentares que ficam apenas com uma parte do salário que está oficialmente registrado. Alguns contratados nem recebem e nem trabalham, mas estão lá na folha de pagamento. A parte do leão, do parlamentar, é devolvida via transferência bancária ou em dinheiro vivo.

O dinheiro não pode entrar direto na conta do parlamentar pois a receita pode querer saber a origem do dinheiro e vai cobrar o imposto de renda. Como esse dinheiro é um tipo de caixa 2, paga-se tudo em cash e dinheiro vivo não tem dono. Alguns compram terrenos, casas, apartamentos, carros, depósitos em paraísos fiscais etc. No caso de imóveis, declaram a aquisição por valores infinitamente menores do que o real para driblar o fisco. Quem opera a tramoia é normalmente um laranja que faz todas as operações como foi o caso do Fabrício Queiroz, que centralizava todos os recebimentos em sua conta, movimentando milhões.

Esse esquema engorda o salário do parlamentar que pode pagar suas despesas pessoais, como escola dos filhos, supermercado, pensão alimentícia etc. Com isso, ainda sobra um pouco para gastar nas campanhas a cada quatro anos. O colaborador que aceita receber menos do que o valor declarado pelo parlamentar, pode incorrer no crime de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, assim como o parlamentar.

Queiróz alegou que era dinheiro da compra e venda de carros usados, mas depois chegou a admitir que de fato ocorria a rachadinha, mas a culpa era dele e o deputado não tinha conhecimento. Enquanto isso, as transferências feitas pelo Queiróz para a primeira-dama continuam inexplicáveis e só a ingenuidade da justiça é que não se dá conta da maracutaia.

O grande problema, é que essa verba foi mesmo criada para engordar a remuneração dos deputados e ninguém quer mexer com isso, pois não haveria cadeia para tanta gente. Condenar somente o Flávio Bolsonaro sugere que a lei não é igual para todos e sabemos que de fato não é mesmo. A prática é comum, mas quem está na chuva corre o risco de se molhar sozinho.  O PT resolveu esse problema lá atrás, instituindo um percentual dos salários de todos os ocupantes de cargos públicos, incluindo os tais assessores. Dessa forma o dinheiro vai legalmente para o partido como contribuição partidária e não para os bolsos dos parlamentares. Essa fórmula fortalece financeiramente os partidos e não os parlamentares e evita problemas legais.

Essa corrupção ocorre em geral no denominado baixo clero, assim chamados os políticos de pouca ou nenhuma expressão que acompanham sempre a maioria. Pela sua natureza, atuam nos bastidores e não se envolvem em grandes negociatas. Isso é para peixes grandes e não para qualquer piaba.

Enfim, tudo para dizer que não vai acontecer nada com o Flávio e os outros tantos que praticam a popular rachadinha, um jeito bem brasileiro de desviar recursos públicos.