Uma velha anedota conta que entre o céu e o inferno há um grande muro para evitar que as almas penadas fujam para o paraíso. Ocorreu que numa forte tempestade um raio fulminante derrubou parte do muro. Os representantes dos dois lados marcaram uma reunião para discutir quem pagaria as despesas. Como não chegaram a um acordo o caso foi parar no tribunal. E o inferno precavido levou bons advogados para se defender e o céu, como não dispunha de nenhum entre os seus moradores, perdeu a causa, pagou o conserto do muro e as custas do processo.

Meus amigos e amigas advogados dirão, com alguma razão, que a historinha é infame. Concordarei, mas ela reflete a sabedoria popular que não consegue entender como preparados causídicos, formados em conceituadas universidades, alguns até com livros publicados, mestrado e doutorado, aceitam defender notórios criminosos.

Se os advogados vão para o céu ou não é um assunto que deixo para os especialistas, mas é bom lembrar que até 1983 existia a figura do “Advogado do Diabo” que atuava na Santa Sé. Esse termo foi cunhado para designar o Promotor da Fé, criado em 1587, que tinha como ofício apresentar provas em contrário nos processos de canonização, evitando que Santos não tão Santos fossem canonizados.

Modernamente é chamado de advogado do diabo o profissional das leis que defende causas em que não acredita com o objetivo de testar a consistência dos argumentos dos seus oponentes ou erros nos processos. Assim, um advogado experiente pode defender um notório criminoso buscando nos detalhes os possíveis erros judiciais e assim conseguindo a absolvição. Aliás, é bom lembrar-se do velho ditado que afirma que “O diabo está sempre os detalhes”.

A filha de uma amiga, recentemente formada, decepcionou a mãe ao abraçar o direito criminal como área de trabalho. Um criminoso, argumentou a jovem advogada, mesmo que já tenha cometido outros crimes, pode estar sendo vítima de um processo mal construído com o único objetivo de apená-lo, mesmo que sua culpa não tenha sido comprovada. Além disso, existem casos de provas forjadas ou mesmo testemunhas que podem estar mentindo sem saber, enganadas por uma pequena confusão mental.

Explicou ainda que o direito de defesa está na constituição, independentemente se a pessoa é considerada culpada com base em provas e mais provas.   Até que se prove em contrário, todos são inocentes. Depois que a pessoa é condenada e passa longos anos na prisão, privada da liberdade e dos seus direitos, se descobre que foi punida injustamente. Depois desses argumentos me dei como convencido.

Durante a conversa lembrei-me do caso dos irmãos Naves, em Minas Gerais, durante a ditadura Vargas que foi transformado em um bom filme do Cinema Novo. Condenados por um crime que não aconteceu com base em indícios obtidos de forma fraudulenta e sob tortura, os irmãos passaram longos anos na prisão até que se descobriu que o suposto assassinado estava vivo e gozando de boa saúde. Quem paga por um erro judicial como esse? Existe compensação para vinte anos vendo o sol nascer quadrado? E quando há pena de morte o problema se torna ainda mais grave, pois uma vida pode ter sido tirada por um erro da justiça.

Por outro lado, argumentando como “advogado do diabo”, cito um ditado popular afirmando que: “Não podemos mentir para duas pessoas na vida: para o padre, na confissão e para o advogado de defesa”. Ora se não é correto mentir para o advogado, é possível que eles saibam se os acusados são culpados ou inocentes.

Porém, em favor dos nobres profissionais da lei existe um código de ética que em tese proíbe a recusa de um cliente que precisa de um defensor, mesmo que se tenha convencido de que se trata de um vil facínora.  Evoé advogados e advogadas! Sem eles não se faz justiça.