Sumário: Introdução; 1 Acesso à justiça para todos; 2 Direitos Coletivos; 3 A Advocacia Popular; 3.1 RENAP; Conclusão; Referências 

RESUMO 

É realizado um estudo sobre a “ferramenta jurídica” conhecida como advocacia popular e sua forma de atuação nos meios jurídico e social. Dá-se ênfase ao estudo de como a advocacia popular vem a garantir o acesso á justiça para todos, trazendo ainda um estudo sobre a Rede Nacional de Advogados e Advogadas populares (RENAP), mostrando sua importância e o seu papel em relação à advocacia popular.

PALAVRAS-CHAVE

Advocacia Popular; RENAP; Acesso à justiça.

INTRODUÇÃO 

Vive-se contemporaneamente numa sociedade onde cada vez mais o acesso à justiça torna-se dificultoso. A quantidade de alijados pela “burocracia judicial” é cada vez maior, fato que é preservado pela forma de atuação dos organismos judiciais por detrás do estado, quando usam o Direito como uma ferramenta para a manutenção da desigualdade social existente.

Diante da situação social vivida, são poucos os indivíduos que além de se enxergarem enquanto pessoas, enxergam-se também enquanto cidadãos dotados de direitos invioláveis os quais devem ser preservados pelo Estado, que por sua vez tem o seu poder legitimado pela vontade do povo. Desta forma a percepção de que existem formas de garantir o acesso à justiça a todos fica debilitada, sendo neste momento que “ferramentas” como a advocacia popular passam a atuar, buscando de forma efetiva, fazer valer os Direitos daqueles que batem à porta da justiça e não obtêm resposta.

Como unidade de reunião daqueles juristas que acreditam numa forma alternativa do uso do Direito em prol daqueles que são vítimas da dificuldade de acesso à justiça, existe a RENAP (Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares) que trabalha em busca da defensão das causas dos movimentos sociais, visando quebrar as barreiras da burocracia judicial e dar o acesso à justiça para todos.

 

1  ACESSO À JUSTIÇA PARA TODOS:

 

Na década de 60, no Brasil, assistia-se ao fim da Ditadura Militar que melhorou em alguns aspectos a situação do país, como também prejudicou ao reprimir com violência aos atos praticados pelos cidadãos que discordavam. Nesse período houve revoltas da população com o governo por conta das prisões políticas e repressões aos direitos fundamentais, estas exigiram melhor assistência judiciária depois da ausência de poder para exprimirem suas palavras, já que apenas os melhores assessorados com condições financeiras e influências tinham certeza de vencer em um conflito jurídico.

Mauro Cappelletti afirma que a partir de então houve o enfoque de acesso à justiça, pois as revoltas que ocorreram trouxeram como conquistas melhor representação jurídica para os interesses difusos. Logo na década de 90, com a instalação do governo presidencial, os movimentos da sociedade civil ficaram mais expressivos, pois grupos que antes eram discriminados por serem sem-terras, homossexuais, mulheres e negros, por exemplo, passaram a cobrar seu espaço na sociedade com a legitimação da subjetividade coletiva pela Constituição Federal do Brasil de 1988.

O objetivo dessa legitimação é para que o acesso à justiça possa ser visto “como o requisito fundamental e o mais básico dos direitos humanos e de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos à todos”[1]. A intenção é de que com a melhoria no sistema jurídico possa realmente garantir que os direitos sejam iguais para todos justamente e não que esta mesma justiça seja posta exclusivamente para benefício de uma minoria.

Visando melhorar essa assistência jurídica, é preciso compreender os motivos pelos quais a dificuldade é percebida logo no inicio dos processos, para posteriormente melhorar as questões mais profundas, como a moral que rege os que ditam as leis, porém não aprofundaremos esta última parte no trabalho.

Alguns obstáculos são apontados por Mauro Cappelletti, iremos destacar três. O primeiro é realidade de que os custos judiciais são muito dispendiosos, as formalidades exigidas não valem a pena para aqueles que apresentam pequenas causas e também para os que necessitam pagar os honorários do advogado, é necessário aplicar o princípio da economia e da instrumentalidade das formas. O segundo obstáculo é em relação ao tempo, nem sempre as partes tem disponibilidade de suportar por um longo tempo para ver sua causa apreciada justamente, por isso diz-se que a justiça é lenta, pois os advogados podem protelar, e quem tem menos recursos poderá sair com saldo negativo, não valendo à pena sendo então objeto da Constituição no art.5, LXXVIII onde diz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”[2]. O terceiro obstáculo então é a ausência de conhecimento dos seus direito, ficando a mercê de injustiças, além de não saber como iniciar uma demanda para defender suas causas, é necessário o conhecimento para ocorrer o princípio da ação.

 

2  DIREITOS COLETIVOS:

 

Enquanto a maioria dos cidadãos não tem o conhecimento dos seus direitos e de como proceder para iniciar uma ação, a Constituição Federal de 1988 passou a dar mais autonomia para se iniciar este processo com a permissão de que associações possam representar em uma ação coletiva os interesses difusos.

Os movimentos populares passaram a se destacar na procura pelo judiciário, José Eduardo Faria afirma que estes movimentos estão aos poucos conseguindo fazer com que os juízes sejam mais críticos a ponto de terem a sensibilidade social frente à maioria dos juízes que continuam com a postura conservadora. A resposta para esta novidade é a ausência de leis que regulem as questões de novos conflitos sociais, pois a cultura modifica aos poucos não sendo acompanhada pela estrutura organizacional do Estado.

O Estado tinha a função de “conciliar sua função econômica –no sentido de assegurar as condições para o processo acumulativo de empresas estatais e privadas- com sua função legitimadora, voltada à manutenção das tensões sociais”[3], sendo que essa manutenção é dada na situação de latência controlada, como explica Eduardo Faria.

Logo, pudemos compreender que é difícil iniciar uma ação e continuar com ela, por isso surgiram as ações coletivas para ampliar este acesso à justiça. Visando concentrar várias ações em uma só, reduzindo os gastos e garantindo com esta ampliação que mais princípios do processo sejam efetuados de maneira transparente na solução de conflitos entre sujeitos.

Onde o mandado de segurança coletiva, disposta no art.5, inciso LXX, assegura a defesa de interesses dos seus membros, pelas instituições de associações.

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados

 LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos[4]

 

3  ADVOCACIA POPULAR:

 

A advocacia popular consiste no trabalho de advogados que visando a garantia do acesso à justiça a todos, “unem-se” a movimentos sociais para desta forma defenderem suas causas e lutar pela garantia dos direitos dos últimos citados. Tal atividade encontra várias dificuldades em sua realização, tendo em vista que a demanda por tal trabalho geralmente vem de movimentos sociais advindos de classes sociais menos favorecidas que geralmente não podem arcar com o valor de mercado que a burocratização do processo implica. Porém tal fato não deve dar a impressão de que a advocacia popular vem a ser uma atividade filantrópica ou de caridade, sendo ela o exercício regular da atividade advocatícia, com cobrança de honorários e demais despesas, porém levando em conta a condição financeira dos movimentos sociais que buscam o serviço.

 

A resolução formal de litígios, particularmente nos tribunais, é muito dispendiosa na maior parte das sociedades modernas. Se é certo que o Estado paga os salários dos juízes e do pessoal auxiliar e proporciona os prédios e outros recursos necessários aos julgamentos, os litigantes precisam suportar a grande proporção dos demais custos necessários à solução de uma lide, incluindo os honorários advocatícios e algumas custas judiciais.

O alto custo para as partes é particularmente óbvio sob o “Sistema Americano”, que não obriga o vencido a reembolsar ao vencedor os honorários despendidos com seu advogado. Mas os altos custos também agem como uma barreira poderosa sob o sistema [...] [5]

 

Buscando usar o direito de forma alternativa, os advogados populares tornam-se militantes das causas que defendem. Estando eles cientes da realidade social vivida, objetivam fazer valer os direitos reivindicados nas lutas travadas pelos movimentos sociais contra a inacessibilidade à justiça por parte de alguns. Desta forma já conscientizando seus clientes dos direitos que os protegem e de que forma os primeiro citados devem agir para que os últimos sejam garantidos em sua plenitude.

É visível o fato de que mesmo diante dos problemas existentes relacionados ao acesso à justiça, não existe a vontade por parte do poder judiciário de realizar melhorias que venham a solucionar ou pelo menos minimizar tais problemas. Desta forma, grande parte da população se torna “analfabeta” em se falar dos mínimos conhecimentos sobre seus direitos e a devida forma de buscá-los.

Países como a França e os Estados unidos, adotam modelos alternativos para informar a população sobre a garantia de seus direitos e desta forma facilitar o acesso à justiça e tornar mais ágil o processo. Tal prática só vem a trazer benefício tanto à população, que terá necessárias e preciosas informações e para o judiciário que não terá que lidar com o total desconhecimento por parte daqueles que atende. Sendo assim, vê-se a necessidade da implementação de medidas como estas no Brasil, tendo em vista os problemas já citados.

 

Ao visitar o Tribunal de Justiça de Paris, recebe-se uma série de folhetos ensinando a litigar ou a obter s melhores préstimos da justiça. Mediante exposição clara e sintética, obtém-se informação a respeito do pleito de alimentos, da guarda e troca de guarda de filhos, da colocação de crianças em situação irregular num lar provisório ou definitivo. Da mesma forma se aprende a resolver questões de vizinhança e de posturas edilícias, a promover o despejo ou a revisão dos alugueres.[6]

 

No momento em que o advogado popular trabalhando em prol das causas sociais se vê juntamente com os movimentos sociais como agentes transformadores da situação posta o direito do acesso á justiça já está sendo validado, de forma que já não se vê a impossibilidade de reivindicar os devidos direitos. Sendo assim, a advocacia popular torna-se um serviço de utilidade pública muitas vezes garantindo à sociedade seus direitos mais do que o próprio Estado a quem cabe esta obrigação de forma incessante.

 

3.1  RENAP

 

A Rede Nacional de Advogados e Advogadas populares surge em 1995 reunindo inicialmente aqueles que exerciam a atividade advocatícia em prol de movimentos sociais que encontravam dificuldades em ter acesso à justiça pelos mais diversos motivos. Com o passar do tempo e a ampliação do quadro dos “colaboradores” da RENAP, tal instituição recebe em seu meio não mais apenas advogados, mas todos aqueles que acreditam numa sociedade mais igualitária em se tratar da justiça, abraçando assim magistrados, professores universitários, alunos do curso de Direito, etc.

 

Este grupo de advogados que já vinham servindo ao MST, à CPT e aos grupos de sem teto, tanto na esfera criminal como na cível, se reuniu em São Paulo em dezembro de 1995 e por sugestão do Dr. Plínio de Arruda Sampaio, foi criada a então denominada RENAP. [7]

Juntamente com movimentos sociais, acessórias jurídicas organizações civis, etc., os advogados da RENAP atuam utilizando os mais diversos recursos em busca de fazer valer os Direitos daqueles que os procuram. Tal atividade está diretamente relacionada à proteção e manutenção do Estado Democrático de Direito e trás a tona o anseio de praticar a atividade advocatícia em prol do povo.

Na criação da RENAP foram discutidos pontos como a forma de atuação, diretrizes tomadas, etc., chegando assim a uma ideologia própria que está impregnada dos pontos em comum retirados dos ideais de seus integrantes. Sendo assim é necessário que os participantes da RENAP tenham o compromisso para com os princípios adotados visando o cumprimentos dos mesmos, quais sejam:

 

  • Amar e preservar a terra e os seres da natureza;
  • Aperfeiçoar sempre nossos conhecimentos sobre a ciência jurídica com vistas à construção de um Direito que respeite o ser humano;
  • Praticar a solidariedade e revoltar-se contra qualquer injustiça, agressão e exploração contra a pessoa, a comunidade e a natureza;
  • Lutar contra o latifúndio, contra a submissão dos seres humanos ao capital, lutar contra o espírito individualista, competitivo, excludente e dominador;
  • Transformar o direito em um importante instrumento dos movimentos sociais, na busca de novas e transformadoras fórmulas de acesso à justiça;
  • Praticar a solidariedade, tendo sempre como guia superior a vontade de transformar a sociedade, abstendo-se de motivações de ordem meramente financeiras;
  • Estar sempre atento aos acontecimentos da sociedade, buscando compreende-la cada vez mais profundamente, para inserir-se nessa realidade de maneira consciente e engajada com o compromisso de construir uma humanidade onde esteja assegurado a todos o direito de ser feliz, já que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade. [8]

O surgimento da RENAP pode aproximar aqueles advogados que de forma “isolada” exerciam suas atividades em prol dos movimentos sociais, assim tornando mais efetiva e ampla a defesa dos direitos defendidos. Desta forma os advogados passaram a ter uma visão mais clara do papel político que os movimentos sociais tinham, passando assim a desempenhar suas atividades se utilizando também desta ferramenta.

Reunindo todos os seus membros, a RENAP atua de forma descentralizada em todo o território nacional, buscando acabar com a exclusão social existente dentro do âmbito jurídico, fazendo assim valer a ideia da democracia como uma ferramenta de conquista e concretização de direitos.

CONCLUSÃO

 

É fato que grande parte da população encontra-se lesada pela não garantia de diversos de seus direitos, tendo em vista a falta de informação, a grande burocracia existente no âmbito jurídico e até mesmo o descaso do Estado para com a situação.

Serviços como o da advocacia popular vêm com a intenção de minimizar o quadro de exclusão social existente, e mesmo com todas as dificuldades atua de forma efetiva, dando aos movimentos sociais o apoio necessário para seguir em frente com a luta pelos seus direitos.

Mesmo não sendo um serviço amplamente exercido e divulgado, a advocacia popular começa a tomar corpo dentro do cenário nacional, já contando com diversas lutas ganhas e diversos abnegados e incansáveis “colaboradores”.

É necessário ainda que o Estado “abra os olhos” para a situação dificultosa existente em relação ao acesso à justiça, para que assim trabalhos como o da advocacia popular possam atuar de melhor forma e com maior efetividade, desta forma fazendo valer os princípios nos quais estão fundados os alicerces da nação brasileira.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

 ALFONSIN, Jacques Távora. Dos nós de uma lei e de um mercado que prendem e excluem aos nós de uma justiça que liberta. Cadernos RENAP, São Paulo, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CADERNOS DA RENAP. Série A Proteção Jurídica dos Povos da Terra. Alhandra. São Paulo: Rede Nacional dos Advogados e Advogados Populares, Ano 1, Número 1, 2001.

CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Frabis Editor, 1988.

FARIA, José Eduardo, Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Editora Malheiros, Ed. 1, São Paulo, 2005.

NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. Ed.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.



[1] CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Frabis Editor, 1988. Disponível em: < http://www.scribd.com/doc/14577498/Acesso-a-Justica-Mauro-Cappelletti> Acesso em: 16 out. 2009. p.14.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[3] FARIA, José Eduardo, Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Editora Malheiros, Ed. 1, São Paulo, 2005. p.14.

[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[5] CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça.Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Frabis Editor, 1988. p. 15.

[6] NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. Ed.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 85.

[7] ALFONSIN, Jacques Távora. Dos nós de uma lei e de um mercado que prendem e excluem aos nós de uma justiça que liberta. Cadernos RENAP, São Paulo, n. 6, p. 83-104, mar. 2005.

[8] CADERNOS DA RENAP. Série A Proteção Jurídica dos Povos da Terra. Alhandra. São Paulo:

Rede Nacional dos Advogados e Advogados Populares, Ano 1, Número 1, 2001.