Adjudicação compulsória: o impacto do compromisso no contrato de compra e venda[1]

 

Carlos Eduardo Silva Rodrigues, Vitória Maria Furtado dos Santos[2]

Josanne Façanha[3]

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Fundamentação Teórica; 2.1 Diferenças e semelhanças do contrato preliminar de compra e venda em relação ao propriamente dito; 2.2 Impactos do não cumprimento do contrato preliminar; 2.3 Divergência doutrinária acerca da adjudicação compulsória e o seu contraste em relação aos princípios constitucionais e do Direito Civil; 3 Discussão do Tema; 4. Conclusão

 

 

RESUMO

 

O presente paper tem o intuito de investigar a adjudicação compulsória e seu impacto do compromisso do contrato de compra e venda em relação aos contratos propriamente ditos à luz do Código Civil e da Lei de Registros Públicos. Além disso, identificar as características peculiares tanto do contrato preliminar e como também do contrato de compra e venda, onde o objeto é contrato futuro de venda e compra. Por meio dele, o vendedor continua titular do domínio que somente será transferido após a quitação integral do preço constituindo em garantia para o alienante em relação ao compromisso para a efetivação do contrato de compra e venda, de acordo com os entendimentos doutrinários. Do mesmo modo, descrever os impactos do não cumprimento do contrato de compromisso de compra e venda que estão positivados nos artigos 463, 464 e 465 do CC/02.  Portanto, analisar sob ótica crítica, a reflexão sobre a divergência doutrinária acerca da adjudicação compulsória e o seu contraste em relação aos princípios constitucionais e do civil.

 

Palavras-chaves: Contrato. Compra. Venda. Compromisso. Adjudicação compulsória.

 

1 INTRODUÇÃO

A Teoria Geral dos Contratos é uma das formas dos indivíduos se relacionarem e compactuarem obrigações entre si. Sendo assim, é preexistente a vontade humana em realizar negócios jurídicos no contexto social. Desse modo, devem ser levados em consideração alguns requisitos na dimensão da validade da elaboração dos contratos, tais quais os sujeitos, o objeto, a forma e a manifestação livre das partes. 

Assim, o adquirente e o alienante são os dois indivíduos que firmam um acordo. Tomando por base o atual contexto de globalização e aumento das relações comerciais no qual não só o Brasil como país com relevância internacional, mas também toda a sociedade civil se encontram as relações entre privados adquirem certo protagonismo em meio às discussões contemporâneas, principalmente no que tange aos seus efeitos tutelados pelo Estado.

O ordenamento jurídico brasileiro, sob a sua égide, legitima tais relações principalmente no Código Civil e, também, em outras legislações infraconstitucionais que amparam o cidadão brasileiro como indivíduo que detém poder de compra. Tal poder mostra-se de forma recorrente nos contratos de compra e venda, pelos quais a posse sobre determinado bem pode ser transferida a partir de um acordo previamente estabelecido entre indivíduos.

Anterior ao contrato de compra e venda propriamente dito, percebe-se o compromisso firmado entre os polos da relação, que também é passível de um registro, com a geração de efeitos previstos pela legislação. Concomitantemente, a Lei de Registros Públicos (Lei Nº 6.015/73), totalmente conexa com o tema tratado no presente artigo, exerce influência ao versar sobre o trâmite de tais registros.

Decerto, a despeito de o compromisso exercer importância dentro da relação contratual, é notório que a partir daquele, um eventual não cumprimento de tal contrato – prévio ao contrato definitivo – gera consequências para uma das partes da relação. Evoca-se, pois, um contrato preliminar - passível de registro a fim de que se corrobore com a segurança jurídica aqui necessária - e um contrato definitivo.

O homem sempre teve a necessidade de firmar negócios entre os seus semelhantes e, ao longo do tempo, isso foi se aprimorando com o Direito. Desse modo, a sociedade demandou regulamentação específica sobre os contratos de compra e venda e também a respeito da promessa de tal contrato. Sendo assim, é substancial compreender que as relações intrapessoais que são pautadas em um contrato de venda, por exemplo, acarretam efeitos jurídicos que atingem não só adquirente e alienante, mas também terceiros.

O conhecimento é fruto do interesse humano e a necessidade de se aprimorar a respeito de determinada temática. Sendo assim, vale ressaltar que a pesquisa cientifica está interligada a esse interesse e a referida necessidade. Por conta disso, quando se menciona acerca do impacto do compromisso do contrato de compra e venda é mais uma forma do conhecimento científico explicar como dois sujeitos (compromissário-vendedor e compromissário-comprador) compactuam acordos e seus efeitos e riscos jurídicos perante ao ordenamento jurídico e os entendimentos sumulados. Também, tratar sobre compromisso de contrato de compra e venda e ratificar a ideia de que o direito regulamenta as relações sociais.

O assunto do presente paper é tratado costumeiramente tanto no plano teórico quanto no fático. Desse modo, é de suma importância no âmbito pessoal compreender como é desenvolvido o compromisso de contrato de compra e venda nestas duas dimensões, uma vez que será a partir disso que o assunto abordado será internalizado não só de forma dogmática, mas entende-lo sob óptica crítica para que os efeitos decorrentes deste compromisso sejam concretizados adequadamente.

Conforme a metodologia utilizada por Marconi e Lakatos (2010), este estudo caracteriza-se como bibliográfico e exploratório, ao desenvolver-se através de pesquisas e fundamentação teórica encontrada em artigos, monografia e livros, para elaborar uma abordagem fundamentada e crítica a respeito do tema abordado.

Dessa forma, quais são as características que diferem tais contratos e o que ocorre com o não cumprimento daqueles, tomando por base princípios constitucionais e do próprio Direito Civil?

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Diferenças e semelhanças do contrato preliminar de compra e venda em relação ao contrato propriamente dito

 

Segundo Gagliano e Filho (2012, p.39) define contrato de compra e venda como o que "traduz o negócio jurídico em que se pretende a aquisição da propriedade de determinada coisa, mediante o pagamento de um preço". Complementam, ainda: "trata-se, pois, de um negócio jurídico bilateral, pelo qual uma das partes (vendedora) se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra (compradora), mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (preço).”

Gagliano; Filho (2012, p. 40) reitera: “é de salientar, entretanto, que, no sistema jurídico brasileiro, o contrato de compra e venda produz apenas efeitos jurídicos obrigacionais, não operando, de per si, a transferência da propriedade”. Ou seja, a força probante ou cogente de tal contrato dentro do ordenamento jurídico é real, porém não deve ser levada a extremos, a despeito das relações intrapessoais ainda constituírem o foco da literalidade de tais contratos. Corrobora-se, pois, nas palavras de Gagliano; Filho (2012, p. 40): “a transferência de propriedade, no direito positivo brasileiro, resulta da constituição do título (contrato) e de uma posterior solenidade (modo – tradição do bem móvel/registro do bem imóvel)”.

Diante do exposto, percebem-se algumas características referentes ao contrato de compra e venda. A existência de tais elementos presentes no art. 482 do CC/02 são indispensável para que o contrato seja considerado válido, ou seja, apto para gerar efeitos jurídicos. 

O primeiro elemento é o consentimento que é dado entre as partes no que se refere ao preço e ao objeto. Os autores ressalvam, ainda: "o contrato reputa-se formado, independentemente de forma previamente estabelecida em lei." Isso significa dizer que, quando os elementos essenciais estão preenchidos, o contrato de compra e venda é existente, salvo na hipótese estabelecida no art. 108 do CC/02, que retrata se a matéria do Código versar a respeito de imóvel de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País deve haver escritura pública.  

Além disso, outro elemento é a coisa, que é o objeto do contrato de compra e venda, devendo ser determinado, determinável e certo. Sendo assim, o CC/02 ainda acrescenta no seu art. 438 que o contrato tenha objetos atuais ou futuros. A doutrina detalha o entendimento sobre coisa atual, sendo "objeto existente e possível" (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.47) e o que seja coisa futura: "não tenha existência real, é de potencial ocorrencial" (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.47). Vale lembrar que "... a coisa deve ser de propriedade do devedor, sob pena de o negócio ser nulo...” (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.47). 

Por fim, o preço deve ser fixado entre as partes com base nos índices que sejam objetivamente determináveis, mas é possível um terceiro ficar a cargo disso. O contrato será nulo se uma das partes fixar arbitrariamente o preço. 

A partir dessa análise inicial a respeito dos elementos do contrato de compra e venda é substancial ressaltar os elementos do contrato de compromisso de compra e venda. 

A princípio, vale ressaltar que, o conceito do contrato de compromisso de compra e venda é uma espécie do contrato preliminar, que é um contrato feito com o objetivo de formular o contrato definitivo. Sendo uma faculdade legal que o ordenamento jurídico permite para que as partes celebrem. É um tipo de contrato que vincula e obriga as partes tão quanto o definitivo. Porém, há duas hipóteses que são exceções a esta regra, isto é, salvo se houver destrato - as partes desistirem em comum acordo - respeitando o princípio da autonomia e salvo se a obrigação preliminar não for cumprida, desse modo o contrato deixa de ser obrigatório.

Os elementos essenciais apresentados acima devem ser os mesmos do contrato preliminar, salvo a forma presente no art. 462 do CC/02. Por exemplo, há um contrato de compromisso de compra e venda de um imóvel, mas não é preciso ser levado a escrituração pública-diz respeito à forma do contrato, por outro lado o contrato propriamente dito deve ser levado a escrituração pública ou privada.

Em suma, pode-se conceituar segundo os autores:

Já o Contrato de Promessa ou Compromisso de Compra e Venda é um contrato preliminar que tem como objeto um contrato futuro de venda e compra. Por meio dele, o vendedor continua titular do domínio que somente será transferido após a quitação integral do preço, constituindo excelente garantia para o alienante (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.75).

No que tange a diferença entre o compromisso e o contrato definitivo, no primeiro caso não há transferência de propriedade, apenas se compromete a transferi-la. É uma promessa, um compromisso.

Nesse sentindo, quando se registra o compromisso de compra e venda adquirisse o direito real e não é a propriedade. Esse direito como real tem o condão de constranger o promitente vendedor a transferir a propriedade, salvo constar cláusula de arrependimento- exceção a execução forçada do contrato. Desse modo, o art. 1.417 do CC/02 disciplina isto.

Associado a isso, Gomes (2008, p. 290) argumenta:” verdadeira promessa bilateral Sui generis, na medida em que potencialmente gera eficácia real e comporta execução específica.”

Desse modo, acrescenta-se: "trata-se, em verdade, de uma grande vantagem da promessa de compra e venda, pois possibilita sua formalização sem os rigores do instrumento público, o que, de certa forma, evita a ocorrência de nulidades formais." (GAGLIANO; FILHO, 2012, p.77) 

Acerca do entendimento acima, é a respeito da vantagem que o contrato preliminar tem para os efeitos jurídicos. No presente artigo, foi mencionado a respeito dos elementos do contrato definitivo e do contrato preliminar, que são os mesmos. Mas o que deve ser levado em consideração é que a forma - que pode ser por instrumento público ou privado - não é um requisito de exigência para o contrato de promessa de compra e venda que apresenta vantagens para que o andamento do processo seja mais prático e que se, por acaso, no contrato de compromisso constasse algum vício, poderia ser nulo.

 

 

 

 

2.2 Impactos do não cumprimento do contrato preliminar

 

Os efeitos do impacto do não cumprimento do compromisso de contrato de compra e venda são alguns. Como, por exemplo, o comprador exigir da outra parte o cumprimento do contrato preliminar previamente estabelecido entre as partes, com base no artigo 463 do Código Civil (CC/2002), pois se caracteriza como uma obrigação de fazer; a hipótese de adjudicação compulsória, com respaldo no artigo 464 do CC/2002, na qual “o juiz pode suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato”, ou seja, a decisão do juiz tem o condão de obrigar a parte a cumprir com o que foi acordado anteriormente. Ainda, o artigo 465 (CC/2002) reitera: “Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considera-lo desfeito, e pedir perdas e danos”.

Quanto à primeira hipótese, Tartuce (2011, p. 291) conceitua que a obrigação de fazer “pode ser conceituada como uma obrigação positiva cuja prestação consiste no cumprimento de uma tarefa ou atribuição por parte do devedor”. Percebe-se a obrigação de fazer no momento em que no contrato de compra e venda a parte tem que portar-se no sentido da entrega do imóvel, por exemplo, ou seja, contém uma ação.

 Consequentemente, quando um compromisso e o posterior contrato de compra e venda propriamente dito são firmados, existe uma obrigação de fazer, que determina as partes a atuarem no sentido do que foi combinado. Logo, é fundamental para as partes terem consciência do que estão acordando e de que o negócio acordado, ainda que esteja só na fase da promessa, tem importância para a sociedade e para o Estado, o qual tem o dever de proteção no seu corpo legislativo.

Ao mesmo tempo, há uma obrigação de dar, como Tartuce (2011, p. 285) comenta:

A obrigação positiva de dar pode ser conceituada como aquela em que o sujeito passivo compromete-se a entregar alguma coisa, certa ou incerta. Nesse sentido, há na maioria das vezes urna intenção de transmissão da propriedade de urna coisa, móvel ou imóvel. Assim sendo, a obrigação de dar se faz presente, por exemplo, no contrato de compra e venda, em que o comprador tem a obrigação de pagar o preço e o vendedor de entregar a coisa.

Ou seja, há uma relação intrínseca entre os contratos preliminares e definitivos e o Direito das Obrigações, pois é lógico que as relações sociais precisam ser reguladas a partir de uma legislação que forneça a devida proteção a eventuais problemas decorrentes de tais relações. Logo, o Estado e o seu conjunto de normas são anteriores a tais lides, viabilizando uma figura estatal de cunho protetivo.

Em relação à adjudicação compulsória, segue o procedimento estabelecido nos artigos 275 a 281 do Código de Processo Civil (CPC/15) e regulado por lei especial nos artigos 15 a 17 do Decreto-Lei nº 58/1937 e Lei de Registros Públicos (nº 6.015/1973). Desse modo, Tadeu (2003, p. [?]) explica o que vem a ser esta ação: "... A adjudicação compulsória decorre de um contrato de compromisso de venda e compra quitado, sem cláusula de arrependimento, com a recusa injustificada do promitente vendedor em outorgar o domínio sobre o bem objeto da contratação”.  

Em suma, significa dizer que há uma parte interessada e outra não, sendo assim o juiz poderá suprir o vácuo da manifestação da outra parte que recusou. Conforme a Lei nº 11.232/2005, que trouxe alterações ao CPC no art. 466-B: “Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.".

Isso significa dizer que quando o vendedor e o comprador celebram um contrato de compra e venda ambos têm suas responsabilidades que devem ser concretizadas. Sendo assim, depois da efetivação do pagamento deve haver a escritura definitiva, porém no que se refere em "obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado" é quando se requere ação judicial de adjudicação compulsória a fim de que a carta de adjudicação substituísse a escritura definitiva. 

 

2.3 Divergência doutrinária acerca da adjudicação compulsória e o seu contraste em relação aos princípios constitucionais e do Direito Civil

 

No objetivo específico anterior, foi mencionado a respeito do não cumprimento do compromisso de compra e venda e seus efeitos. Sendo este polemizado pela doutrina, uma vez que a minoria considera que o registro é um elemento indispensável na relação contratual entre as partes. Desse modo, vale ressaltar que, de acordo com o CPC/15 em seus presentes artigos 466-B e 466-C é retratada uma forma de execução específica quando o contrato não é registrado.

A redação do artigo 466-C do CPC é: "tratando-se de contrato que tenha por objetivo a transferência de propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte que a intentou não cumpriu a sua prestação, nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível”. E em seguida, o art. 466-B é: "Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumpriu a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.

Em síntese, significa dizer que se a parte cumpriu com suas obrigações poderá obter a partir de uma execução específica "o mesmo efeito do contrato a ser firmado". Seguindo essa análise, o doutrinador Rizzardo (2010, p. 429 e p. 430) argumenta que: “... Ação adjudicatória ou execução específica não importa o nome júris dado, o fim, tanto de uma quanto de outra é o mesmo, ou seja, fazer com que se cumpra o contrato principal.".

No que tange a isso, pode mencionar os julgados estão seguindo uma análise de acordo com o CPC quando se refere ao não registo do compromisso de compra e venda:

 I - Tratando-se de compromisso de compra e venda de imóvel não inscrito, cujo preço foi totalmente pago, o que torna impossível o arrependimento, tem o promitente comprador, nos termos do artigo 639 do CPC, o direito de obter sentença que produza o mesmo efeito da declaração de vontade devida pelo promitente vendedor, suprimindo o julgado a falta de escritura primitiva e valendo como título” (RT 495/142); II - Entre as partes primitivas do pré-contrato, para a execução específica, não há necessidade dessa inscrição do compromisso no registro de imóveis. A inscrição apenas produz o nascimento de um direito real especial, oponível erga omnes, alegável contra terceiros estranhos ao contrato. Entre as próprias partes, para que o compromisso dê ao compromissário comprador o direito à execução específica, ela se mostra desnecessária (RT 553/87). (RIZZARDO, 2010, p. 146).

Sendo assim, se o preço foi quitado não caberá ao promitente comprador arrependimento, mesmo que não esteja registrado este compromisso de compra e venda.

Diante dos argumentos expostos acima, é substancial mencionar que o registro é um ato importante, mas não indispensável como Frazão (apud RIZZARDO, 2010, p. 428) considera, porque como o próprio CPC e alguns julgados versam, mesmo sem o registro e se as obrigações do promitente comprador estiverem satisfeitas não caberá ao vendedor arrependimento. E, de acordo Maria Helena Diniz (1995) o registro é a própria prerrogativa do direito real da propriedade, entretanto, seguindo a linha dos julgados "o registro produz o nascimento de um direito real especial" perante o terceiro, mas entre as partes - promitente comprador e vendedor - para que se dê a execução específica não é uma forma indispensável.

Em suma, uma das consequências do não cumprimento do contrato preliminar é a adjudicação compulsória, ou seja, nos termos do artigo 464 (CC/02) o juiz torna definitivo o contrato preliminar. Logo, tem cunho obrigacional a decisão do juiz, obrigando a parte a prover no sentido da prestação do que acordou com o outro polo da relação. Porém, existe uma divergência doutrinária acerca da necessidade do registro do compromisso de compra e venda para que a adjudicação compulsória seja passível de ser demandada. A primeira corrente defende a não necessidade de tal registro para a tutela do Judiciário e a segunda afirma a necessidade do registro supramencionado.

Aliado ao entendimento da segunda corrente, Diniz (1995, p. 35) argumenta que há alguns requisitos para o promitente comprador fazer o uso da ação: "... d) registro do instrumento público ou privado no Cartório de Registro de Imóveis”. Sobre esse último requisito, merece destaque a perda de eficácia da Súmula 239 do STJ, ao preconizar que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis’, tendo em vista que se trata de condição necessária definida no próprio art. 1.417 do CC, ou seja, requisito que se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada, nada obstante perfeitamente adequada, antes do advento do novo CC.”

Percebe-se com os julgados anteriormente citados que há alguns entendimentos jurisprudenciais no sentido de que tal registro não é necessário, ou seja, já há tutela de direitos promovida pelo Poder Judiciário antes mesmo de tal escritura.

Nesse sentido, não é necessário ter o registro do contrato para adquirir o direito a adjudicação compulsória segundo a súmula do STJ 239, que expõe: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis". Há outro entendimento sumulado do STJ anterior o mencionado acima, súmula 84: “é admissível a oposição de embargos de terceiros fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda desprovido de registro."

Por outro lado, o exposto na Lei 6.766 no art. 22: “São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros” Assim sendo, Frazão do Couto (apud RIZZARDO, 2010, p. 428) interpreta que o ato do registro seria um elemento indispensável para requerer a adjudicação compulsória “… estando registrados, conferem direito real e atribuem direito à adjudicação compulsória".

Por conseguinte, quando se pensa em um Direito de caráter civil law, é conferida à produção de provas concretas um privilégio em relação aos precedentes, diferentemente do common law, que atribui ao Judiciário um prestígio muito maior quando admite as suas decisões como superiores à norma escrita. Deve-se pensar, pois, que para o Estado brasileiro, o registro do compromisso de compra e venda facilita a composição das lides, sob a perspectiva da literalidade de tais registros.

Logo, quando o Brasil é visto sob suas dimensões territoriais de proporções elevadas, as escriturações dos contratos preliminares e definitivos adquirem relevância, principalmente no que concerne à maior sistematização e controle pelos órgãos legitimados. Todavia, entendimentos que sejam inclinados para uma aplicação absoluta da norma – necessidade do registro em todas as hipóteses – e que não admitam qualquer exceção para determinados casos ou para outras provas que atestam o compromisso, ainda que não haja o registro, não devem ser admitidos pelo Judiciário.

Nos termos do autor Bernardo Gonçalves (2016, p. 309), no que o mesmo considera como autonomia existencial, “cada pessoa deve ter o direito de fazer suas escolhas essenciais de vida e agir de acordo com suas escolhas desde que elas não sejam práticas ilícitas (ou não prejudiquem de forma indevida direito de terceiros).”. Ou seja, quando as relações contratuais são pensadas sob uma análise eminentemente constitucional, a boa-fé objetiva obrigatoriamente deve estar presente, pois o Direito em suas diversas correntes doutrinárias é um “dever ser”.

Posteriormente, Bernardo (2016, p. 309) reitera o direito ao reconhecimento ao discorrer: “temos a concepção de que as injustiças podem se dar não apenas no campo da redistribuição de bens, mas também no campo do reconhecimento”. Por lógica, é notório que dentro de relações que guardam vínculos com contratos de compra e venda e o seu compromisso possam existir problemas como o não cumprimento do que foi previamente acordado entre adquirente e alienante. Porém, quando o direito ao reconhecimento é enquadrado dentro de princípios fundamentais da Constituição Federal (CF/1988), a tutela do Estado é concedida a todos que foram lesados com irregularidades atinentes a tais contratos.

A CF/88 traz no rol de direitos fundamentais do artigo 5º a inviolabilidade da liberdade e, em seu inciso IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ao analisar tais direitos fundamentais hipóteses como a adjudicação compulsória pode guardar, de alguma forma, uma espécie de contradição com direitos que, em tese, devem ser assegurados a todos os brasileiros. Pois a decisão do juiz tem um caráter impositivo, devendo a pessoa que foi ordenada respeitar o que foi proferido. Porém, princípios constitucionais não devem ser totalmente absolutos, a despeito de em diversos conflitos entre os indivíduos haver, também, contraste entre princípios. No caso presente, elucida-se o seguinte conflito: a obrigatoriedade advinda do que foi ordenado pela jurisdição em contraposição à liberdade das partes.

Ainda, a CF/88 afirma, em seu artigo 5º, inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”. Portanto, a transferência do imóvel nos contratos definitivos, admitindo a necessidade e importância do compromisso supramencionado, serve para a função social da propriedade, ao admiti-la como a que viabiliza o direito à moradia e colabora com a dignidade da pessoa humana.

Logo, a autonomia das partes não deve ser vista sob a óptica absoluta, pois pode haver discrepância de condições entre as duas pessoas que estão dentro da relação contratual. Ou seja, uma das partes pode agir de má fé e não cumprir com o que deveria ser cumprido e, ainda, sair totalmente ileso de qualquer sanção. Por fim, a intervenção do Estado em determinados momentos é imprescindível, pois somente a figura estatal pode atribuir sanções no âmbito civil, almejando um ordenamento jurídico mais harmônico e justo.

 

3 DISCUSSÃO DO TEMA

 

Ao longo do presente artigo, buscou-se argumentar acerca da importância dos contratos preliminares face ao contrato propriamente dito. Desta forma, introduzindo à Teoria Geral dos Contratos como maneira de elucidar de forma primordial a importância daqueles para a sociedade.

Além disto, foi realizada uma análise crítica utilizando princípios constitucionais como autonomia da vontade, que, a priori, podem confrontar decisões como a adjudicação compulsória. Porém, foi esclarecido que princípios constitucionais não são, sobremaneira, absolutos, à fim de que se tenha um ordenamento jurídico mais coeso.

 

4 CONCLUSÃO

Há diferenças entre norma-princípio e norma-regra conforme Robert Alexy. O primeiro grupo, em linhas gerais caracteriza-se pelo poder interpretativo mais amplo em relação ao segundo grupo. Sendo assim, quando há conflitos entre princípios deve ser levado em conta à ponderação entre os mesmos ou quando há tais controvérsias, deve haver análise de cada caso. Nesse sentido, quando há o compromisso anterior ao contrato de compra e venda e umas das partes não cumprem o acordo, o juiz tem a prerrogativa de suprimir essa lacuna de tal forma que o contrato preliminar não seja exaurido, através da adjudicação compulsória.

 Porém, quando tal questão é observada, percebe-se o conflito de tal conduta de víeis impositivo com princípios constitucionais como autonomia da vontade e liberdade de expressão. Desse modo, conforme o Direito Constitucional, afirma-se que não há nenhum princípio absoluto, principalmente no tocante à apreciação de questões que envolvem conflitos de princípios. Por conta disso, a adjudicação compulsória mostra-se como instrumento pelo qual o legislador permitiu que o Poder Judiciário pudesse suprir a recusa da manifestação da outra parte.

Ao analisar o Código Civil de 2002, nota-se que o contrato preliminar deve conter todos os elementos essenciais do contrato definitivo, salvo a forma presente no art. 462 do CC\02. Dessa forma, o que deve ser levado em consideração é como o compromisso de contrato de compra e venda impacta no contrato propriamente dito e quão é essencial ele para que seja efetivado o contrato definitivo.

Em uma primeira análise, uma das diferenças entre o contrato preliminar e o contrato definitivo é relacionada ao momento do contrato, pois um, por ser anterior, visa à efetivação do contrato definitivo. Ou seja, assegura certa segurança jurídica e confere importância às promessas atinentes a tais contratos. Assim, princípios como liberdade de expressão são assegurados com a devida importância conferida aos promitentes e a sua liberdade de celebrar negócios jurídicos. A posteriori, almeja-se elencar as principais diferenças observadas nos dois tipos de contratos.

Ao fazer alusão a princípios constitucionais, admite-se que a Constituição Federal de 1988 exerce supremacia perante todo o ordenamento jurídico, o que resulta na observância obrigatória de toda a legislação infraconstitucional perante aquela, ou seja, princípios não versados na Constituição Federal e que contrastam com a mesma têm caráter antijurídico. No entanto, quando hipóteses como a adjudicação compulsória são permitidas pelo legislador, a reflexão acerca de tal conduta eventualmente ser controversa a princípios constitucionais e do próprio Direito Civil pode ser objeto de debate.

 

REFERÊNCIAS

 

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RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano: Leis 6.766/79 e 9.785/99. 8ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

GONÇALVES, Bernardo. Curso de Direito Constitucional. 8ª Edição – Salvador: JusPODIVM, 2016.

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BRASIL. Lei de Registros Públicos (nº 6.015/73). Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1973.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. Disponível em: < https://docs.google.com/file/d/0B2UyZCAnOXhXNmhoSk50RWRqcnc/view>. Acesso em: mar 2017.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 3.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2008.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – V. 4, T. II.  5ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2012.

 

 

[1] Paper apresentado à disciplina Contratos Cíveis e Comerciais, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, UNDB.

[2] Alunos do 4º período do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professora, Mestra, Orientadora.