O espetáculo é dantesco, assombroso, aterrador. Estendido no chão do quarto, cujas janelas e portas permanecem fechados, jaz o corpo rígido e frio de um homem de estatura mediana, cuja face pálida e lábios roxos evidenciam que a sua morte ocorreu há muitas horas. Da sua fronte ainda escorre coagulado o sangue que sai do pequeno orifício feito pela bala que lhe tirou a vida.

A sua volta estão três malas, um rolo de sacolas de plástico para lixo, de tamanho grande e na cor azul, panos de limpar chão, esponjas e material de limpeza. No quarto há também uma cama e algum outro móvel.

A porta se abre lentamente e entra uma mulher bonita, jovem, loura, de feições delicadas e inexpressivas, que depois de fechar cuidadosamente a porta, passa a circular meio atordoada entre aquela medonha parafernália, ainda sem saber ao certo por onde começar o seu satânico e monstruoso trabalho. Seu olhar é distante, gelado e impassível como se estivesse em estado catatônico, e a luz acesa no teto reflete o brilho do aço frio da lâmina de uma faca, que firmemente segura em sua mão direita. Ela está calma e tranqüila mas age rápido, passando a envolver-se completamente em seus afazeres sinistros. Depois de calmamente prender os cabelos, apóia-se sobre o corpo estendido no chão, olha para os lados, pensa um pouco e dá início ao seu horripilante ofício. Tira-lhe a roupa, suspende a camisa marrom do cadáver e habilmente começa a desarticular-lhe as juntas, fazendo a afiada lâmina penetrar profundamente no entroncamento dos braços, até separa-los do corpo.  É um árduo e longo trabalho, que lhe ocupará por várias horas. Ela não perde tempo e depois da primeira etapa, vira-se ao contrário sobre o corpo da vítima e da mesma forma repete a operação, arrancando  uma a uma as pernas do homem que fora seu marido. Depois desjunta-lhe os joelhos e os antebraços, como se estivesse desarticulando as asas e pernas de uma ave congelada sobre a pia da cozinha.  

O seu rosto permanece impassível, como que hipnotizada, e incrivelmente chega a demonstrar um certo ar de prazer, enquanto executa o horrendo trabalho. Mas o pior ainda estava por vir. Ajoelhada ao lado do que restava do corpo, ela pára  e contempla longamente aquele rosto deformado e com um só golpe, como se nele descarregasse toda mágoa e ódio acumulados dentro de si, sem nenhum constrangimento ou lágrimas, com ar de triunfo decepa-lhe a cabeça. Olha-a por algum tempo e depois de alguns minutos levanta-se demonstrando um certo cansaço, mas prossegue e começa a colocar nas sacolas azuis as peças humanas espalhadas demoniacamente pelo chão respingado de sangue roxo, meio coagulado.

O quadro é dantesco, chega a dar náuseas, o cheiro no ar é nogento e insuportável. O silêncio fantasmagórico provoca arrepios.  

A mulher volta-se, pára, pensa e percebe que a peça maior que restava do corpo, o tronco, precisa ser dividida. Friamente ajoelha-se outra vez diante daquele último pedaço de corpo, segura firmemente a faca, corta-o ao meio e violentamente quebra-lhe a coluna dorsal, finalizando aquela horrenda cirurgia. Levanta-se aliviada com ar triunfante e depois de colocar todo o corpo do homem despedaçado nas sacolas, passa a coloca-las dentro das malas. Fecha as malas e com as esponjas e um balde d`água, limpa e enxuga cuidadosamente todo o chão. Ela não está fora de si, e sabe muito bem o que está fazendo. Senta-se na cama por algum tempo, respira fundo, levanta-se e sai do quarto fechando a porta à chave.

Entra no seu próprio quarto, dirige-se ao banheiro e toma um longo banho perfumado. Escolhe uma roupa, veste-se, penteia-se, desce as escadas e vai para o primeiro andar do apartamento triplex, onde cumprimenta as serviçais e naturalmente senta-se à mesa, alimenta-se, dá ordens para que sejam trocadas as roupas de sua cama imediatamente, e avisa à babá da sua filha e do homem que acabara de esquartejar, que vai viajar. Elize sobe novamente, pega a sua macabra bagagem, desce e dirige-se à garagem, onde coloca as malas no carro e sai para dar início ao terceiro e último ato da tragédia.

Que a Justiça se encarregue de julgá-la justamente, como deve ser feito.


Junia - 2012