ABSURDO
Nazaré, 26-12-1968

Levei um grande choque
Que me abalou a alma pura.
Abalou em profundidade
E caí desacordado
Em um grande absurdo.
Quando acordei,
Meu rosto sangrava.
Quando ao mundo cheguei
E acordei do absurdo
Não sabia onde estava.

O absurdo era absurdo,
Estava em todo lugar.
Não estava em lugar algum.
Estava em algum lugar.
Na verdade, eu não sabia onde estava
Mas que estava, sim,
Na verdade haveria onde estar.
Pensei que estava morto
Mas, ainda sentia.
O sangue se expandia.
Eu estava morrendo
Nas profundezas do absurdo.

Tentei me levantar.
Eu me doía terrivelmente.
Não me agüentava.
Era o principio da morte.
Morte estúpida e absurda.
Eu me sentia mais leve.
Meu sangue sujava o pântano.
Sangue sujar pântano? Sim.
Sangue de um qualquer, porém vermelho.

Eu sou nada e tudo,
Me dou a quem me quiser,
Estou a fim de um principio.
Principio este, marxista.
E morro pensando em morrer
Até parar meu coração.

Resolvi morrer calado
Mas, demorava tanto...
Era a morte lenta que chegava,
Destruindo o meu ser,
Apagando o meu viver,
Escurecendo a minha memória,
Ferindo meu coração,
Embaraçando meus pensamentos.
E eu me enxergava em prantos,
Até deixar de existir.
Chorei até a última lágrima,
E quando terminaram as lágrimas,
Quando meus olhos secaram,
Passei a chorar sangue,
Num ultimo e moribundo adeus.
Numa triste despedida
Desta vida contraditória,
De tudo que me rodeia,
Do nada que eu sou,
De tudo de onde eu vim.
E tornei a chorar por todos os poros.

O sangue acabou,
Parei de chorar.
Parei de sofrer.
Morri pela metade
E, passado pouco tempo,
Morria eu e meu eu


A morte era escura,
Eu nada enxergava,
Mas sentia apenas
O sentimento da morte,
A me abalar profundamente.
Então resolvi matar a morte.
E quem morreu?
Nada mais do que eu.
Pois é impossível
Definir, destruir ou matá-la.
Ela só pode ser fácil
É de ser alcançada.
Todos nós não passamos sem ela.
Todos nós passamos por ela.

A morte anda viva e ativa.
Quem quiser morrer
Que se meta no pântano
Como eu me meti,
E tive um resultado frio.
Frio como o medo,
Morto como o infinito,
Infinito como o espaço
Que nunca começa nem termina,
E que ninguém sabe aonde vai.
Agora chega, já cheguei ao auge.
Todos morrerão como eu. Todos!
Não agüento mais, é tudo um absurdo.
A vida foi ingrata, nada me deu,
A não ser o subsolo
Que não vive sem mim,
Que não vive sem você.