Hoje, diante de tantas provas seletivas (vestibulares, concursos, seleção para um emprego etc.) faz-se necessário o uso de uma ortografia dentro da norma padrão da língua. Nela, há regras que devem ser respeitadas. É o caso das palavras que terminam em “...esa” (calabresa)  ou “...eza” (singeleza). A grafia das letras “s” ou “z”, nesse caso, dependeria do sentido de dois conceitos:concreto abstrato. De modo geral, sendo concreto, escrevemos com “s” e o vocábulo sendo abstrato, então escrevemos com “z”.  Uma abreviação nessas palavras poderia sufocar a percepção de quem selecionarsse o candidato diante de uma prova, pois não se saberia ao certo se o pretendente abreviou porque não conhecia a grafia da palavra, ou se fez isso por economia para "ganhar tempo", dentro de um texto maior. Tanto um caso como outro, não são aceitos pelos examinadores diante de um processo seletivo oficial. É necessário que se deixe claro tudo o que se pretende escrever de forma concisa, com a ortografia correta na escrita das palavras.

 Nesse ponto, podemos refletir o uso das "abreviaturas". Do latim, tem como raiz a expressão “breve”, adjetivo que significa “de pouca extensão; pouca duração”. Quando escrevemos uma redação, a abreviatura pode ser útil para fazer um rascunho, mas não para oficializar seu texto (ao "passar a limpo" uma redação, as palavras devem ser escritas com as regras ortográficas).

 

          Considerando o fator “economia” vocabular, além da escrita, a tendência hoje é que se fale cada vez mais abreviaturas. Essa tendência se reflete por meio das mudanças linguísticas. Veja, num primeiro momento, observamos que a língua muda com o tempo. Antes, falava-se “Vossamecê vai ao teatro?”  Décadas passaram e a língua mudou, tornando o homem mais econômico na sua forma de falar. Nas novelas ou filmes quem Já não ouviu a expressão “Vosmicê”? Depois disso não foi preciso muito tempo para presenciarmos mais outra mudança: “você”. Contudo, perceba que na fala essa palavra já não mais corresponde a sua forma escrita. Fonologicamente, entendemos as variações de sons dado a um contexto temporal. E, da mesma forma, voltando à mudança sofrida pela palavra “vossamecê”, nós, atualmente, já nem falamos “você”, mas sim, “”. Agora, falamos informalmente: “Cê vai ao cinema?” O que antes demorava meses para um(a) jovem conseguir um namoro, hoje, só basta alguns minutos de bate-papo, impulsionado muitas vezes com uma simples e rápida pergunta “cê qué ficá comigo?” O MSN (programa de conversação) que o diga! As abreviações, assim, estão dentro desse contexto, em que a necessidade de uma comunicação rápida se processa com uma dimensão incrível. A própria palavra “cinematográfico” foi resumida em “cine”; a expressão “quilo” vem de “quilograma” e o uso de nomes próprios, usados numa conversa entre os adolescentes como “Pati” (Patrícia), “Fê” (Fernanda) ou “Zé” (José), parece ser uma tendência no dia a dia da linguagem. Abreviar, portanto, é  inevitavelmente uma tendência da fala.

 

          Isso não é culpa apenas da internet, mas tem nela um fator determinante para a proliferação da economia vocabular. Por um lado, a abreviação facilita a comunicação dos interlocutores em termos de quantidade de informação, ávidos para expressar o que sente a fim de resumir seu dia-a-dia ou propor algo mais no campo de relacionamento virtual. Nesse sentido, há pouca sensibilidade por parte de quem se expressa, senão a quantidade de assunto que deve ser ingerido pelos interlocutores. Claro que dessa forma encontramos muitos problemas de comunicação, especialmente para saber a intenção de quem fala, mas é uma tendência ser menos verdadeiro e mais aparente. A sensibilidade para escrever as palavras no aspecto das regras gramaticais, essenciais para as provas seletivas, nesse contexto, também fica realmente fora de uma prática mais funcional, obrigando todos a estudarem cada vez mais o funcionamento de como escrever as palavras corretamente. E isso é incômodo, pois muitas vezes não faz parte do universo comunicativo que muitos tiveram no universo on-line.

 

          Considerando que as abreviaturas, como vimos, é parte fundamental e funcional da fala, o contexto social em que elas são usadas nos faz acreditar que novas palavras poderiam ser formadas e, por que não, sistematizadas num possível acordo ortográfico, no futuro bem próximo. Hoje, muitos não sabem nem que a palavra “estrupo” é oficial, por exemplo. Pois é, “estrupo” já existe! O condicionamento da escrita depende da sua essência de sentido, que é a fala. Quem sabe em um dia lindo não sejam “liberadas” palavras como “probrema”, “chicrete”, ou mesmo todas as palavras que tenham o som de “z” sejam exatamente escritas com a letra “ Z”, assim como aquelas que possuem o som de “x” sejam escritas apenas com a letra “x”, e as “abreviações”, foco de nossa reflexão aqui, também sejam claramente inseridas em qualquer documento oficial. Se o próprio José Saramago, que recebeu o prêmio Nobel de literatura portuguesa, fazia textos sem pontuação, alegando uma evolução na forma de expressão linguística, por que não considerar essas novas tendências da linguagem privilegiando mais a ideia que elas podem expressar do que a escrita em si, sem um sentido prático. A polêmica continua, o debate também, mas é inevitável que abreviar é uma arte da fala. Que a escrita um dia respeite-a.

Wallas Cabral de Souza é Linguista pela USP e escritor. Autor do livro Agora Aprendo Gramática, Interpretação e Redação. Dedicou-se em desenvolver novas maneiras de entender a Gramática normativa dentro de uma concepção linguística, prática e acessível.