ABORTO LEGAL E HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE SEGUNDO A LEGISLAÇÃO E A JURISPRUDÊNCIA

Por DIEGO BARBOSA SILVA | 28/01/2013 | Direito

Aborto legal e Hipóteses de admissibilidade segundo a legislação e a jurisprudência

O aborto legal

O art. 128 do Código Penal prevê apenas duas modalidades de aborto legal, isto é, o aborto que pode ser realizado em virtude de autorização da lei penal: a) aborto terapêutico (curativo) ou profilático (preventivo); e b) aborto sentimental, humanitário ou ético. Rogério Greco propõe a seguinte indagação, a qual possui uma resposta esclarecedora: “Qual a natureza jurídica dessas duas modalidades de autorização legal para fins de realização do aborto?” (GRECO, 2012, p.237).

O aborto terapêutico também é conhecido como “aborto necessário”, o que justificaria o ato por tratar-se claramente do estado de necessidade, o que exclui a antijuridicidade do ato, sobretudo porque se conclui isto do próprio texto da redação do inciso I do art. 128 do Código Penal, que entre a vida da gestante e a vida do feto, a lei decidiu por aquela, desde que presente todos os elementos listados no art. 24 do Código Penal. (GRECO, 2012).

Já a natureza jurídica da segunda modalidade do aborto é mais controvertida, pois, não se tratando propriamente do estado de necessidade, nesse caso o aborto não seria antijurídico, pois se trataria de medida de exceção (BRUNO apud GRECO, 2012, p. 238), que é o caso do aborto sentimental ou humanitário, quando o estado gravídico é resultado de estupro. Não se trataria particularmente do estado de necessidade, porque “para que se possa falar em estado de necessidade, é preciso que haja um confronto de bens igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico”, conforme assevera Rogério Greco (2012, p. 239).

No caso, no inciso II do dispositivo em comento, isto é, o artigo 128 do Código Penal, existem dois bens jurídicos em confronto: a vida do feto (amparada pelo ordenamento desde a concepção); e, em suma, a honra da mulher vítima de estupro.

Tratar-se-ia de estado de necessidade se a honra da mulher fosse igualmente importante ao bem jurídico maior, ou seja, o da vida. Para tanto, Rogério Grego encerra a questão:

Se o bem da vida é de valor superior ao bem honra, para ela o problema se resolve não em sede de ilicitude, mas, sim, no terreno da culpabilidade, afastando-se a reprovabilidade da conduta da gestante que pratica o aborto. (2012, p. 240).

Assim, o Código Penal “livrou” a mulher de um laço de parentesco odioso com o filho, que lhe recordaria continuamente o episódio repulsivo da violência que aquela sofreu, cuidando o legislador de uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa (GRECO), ou seja, não há possibilidade de obrigar a mulher em gestação, vítima de estupro, “a manutenção da sua gravidez, razão pela qual, optando-se pelo aborto, o fato será típico e ilícito, mas deixará de ser culpável”, concorda o penalista Rogério Greco (2012, p. 240).

Vale lembrar que a lei penal e a lei processual penal não prescrevem nenhum tipo de formalização judicial no sentido de se conseguir uma determinação autorizando o médico para que leve a efeito qualquer uma das modalidades de aborto legal acima citadas, no entanto é necessário que a vítima de estupro tenha levado a conhecimento oficial do Estado que foi vítima de tal crime, que pode ser sanado com um simples boletim de ocorrência. (GRECO, 2012).

A inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria considerada aborto

Com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54, julgada em 2012 procedente, admitiu-se a interrupção da gravidez quando a mulher carrega no seu útero um feto anencéfalo, pois, neste caso, não se considera que seja o ato do aborto.

Com esta ADPF, declarou-se a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do CP.

Nesse contexto, afastaram-se as expressões “aborto eugênico”, “eugenésico” ou “antecipação eugênica da gestação”, em razão de, para o STF, tratar-se de “indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia”.[1]

O tratamento jurídico a ser dado ao feto anencéfalo foi abreviado da seguinte forma pelo Supremo Tribunal Federal:

Observou que seria improcedente a alegação de direito à vida dos anencéfalos, haja vista que estes seriam termos antitéticos. Explicou que, por ser o anencéfalo absolutamente inviável, não seria titular do direito à vida, motivo pelo qual o conflito entre direitos fundamentais seria apenas aparente, dado que, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontraria o direito à vida ou à dignidade humana de quem estivesse por vir. Assentou que o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, seria juridicamente morto, de maneira que não deteria proteção jurídica, principalmente a jurídico-penal.[2]

Confronte-se abaixo a ementa da decisão extraída do sítio oficial do Supremo Tribunal Federal:

Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, Relator, resolvendo a questão de ordem no sentido de assentar a adequação da ação proposta, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto. Em seguida, o Tribunal, acolhendo proposta do Senhor Ministro Eros Grau, passou a deliberar sobre a revogação da liminar concedida e facultou ao patrono da argüente nova oportunidade de sustentação  oral. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, referendou a primeira parte da liminar concedida, no que diz respeito ao sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, vencido o Senhor Ministro Cezar Peluso. E o Tribunal, também por maioria, revogou a liminar deferida, na segunda parte, em que reconhecia o direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, vencidos os Senhores Ministros Relator, Carlos Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falaram, pela argüente, o Dr. Luís Roberto Barroso e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República. - Plenário, 20.10.2004.   Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Carlos Britto, justificadamente, nos termos do § 001º do artigo 001º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. - Plenário, 09.12.2004. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, entendeu admissível a argüição de descumprimento de preceito fundamental e, ao mesmo tempo, determinou o retorno dos autos ao relator para examinar se é caso ou não da aplicação do artigo 006º, § 001º da Lei nº 9.882/1999, vencidos os Senhores Ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso, que não a admitiam. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim.   - Plenário, 27.04.2005. /# Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a  qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia, e o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, que julgava improcedente o pedido, o julgamento foi suspenso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso e, pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. - Plenário, 11.04.2012. /# O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores  Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que,  julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli.   - Plenário, 12.04.2012. (grifo nosso).[3]

Observa-se que a referida decisão trata o anencéfalo como um feto sem vida, ou na linguagem médica moderna, trata-se de um feto com morte cerebral, não se adequando ao termo aborto (BITENCOURT, 2007).

Para muitos doutrinadores criminalistas, tal decisão contextualiza “avanços culturais”, técnicos e científicos da sociedade em geral.

A partir do reflexo desta decisão, as gestantes nesta situação não precisam de autorização específica da Justiça para realizar o “aborto”.   

Bibliografia

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 9. ed. Niterói: Impetus, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 2. 7. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

 


[1] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativo _mensal_abril_2012.pdf >. Acesso em: 10 de outubro de 2012.

[2] Idem.

[3] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativo _mensal_abril_2012.pdf >. Acesso em: 10 de outubro de 2012.