ABORTO DECORRENTE DE ESTUPRO: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA...

Por Andressa Hellen Ribeiro Santos e Camila Dias de Sousa | 17/08/2016 | Direito

ABORTO DECORRENTE DE ESTUPRO: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

RESUMO

O presente artigo trará, a priori, um breve contexto histórico do que concerne o aborto no Direito Penal, adentrando nas civilizações e religiões; com as mudanças de concepções de acordo com a evolução social, apresentam-se as formais legais de aborto diante do ordenamento pátrio, dessa forma, relevante é expor decisões doutrinárias de diferentes países, a importância do direito comparado. Ainda, importante frisar que o direito à vida tem garantia sob todos os ordenamentos e é amplamente constitucional. Além disso, exibe-se o aborto decorrente do crime de estupro diante de suas características, sujeitos e posições doutrinárias distintas acerca da permissão do aborto. Com isso, por fim, pode-se atrelar ao tema exposto o princípio da dignidade da pessoa humana diante do bem jurídico tutelado em questão. 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa comprimir sinteticamente o polêmico assunto que abrange o aborto decorrente de estupro. Diante disso, sabe-se que o Brasil, especificamente, aceita que tal ato seja praticado uma vez que não interrompendo a gravidez, pode a gestante se sentir mais lesada por carregar uma criança que não fora desejada. O crime de estupro atenta contra a liberdade que tem todo indivíduo de dispor de seu corpo, na vida sexual. Em presente disso, alia-se o fato da consequência gravidez causar danos irreversíveis sendo estes morais, psicológicos, físicos e até sociais à mulher, que é ferida de maneira ampla. Não se pode negar que, tudo depende do caso concreto, devendo prevalecer a decisão mais justa.

Em contrapartida, fala-se no direito à vida que é retirado a um determinado ser que tem expectativa de vida. Sendo a vida um direito fundamental, estrondosamente protegido pelo ordenamento pátrio e direito penal, questiona-se o fato do aborto mesmo em casos extremos, ser praticado. É aberto, dessa forma, um leque de discussões a serem explanadas diante de tais divergências até mesmo concepções de outros países.

Posto isso, há uma busca de um enlace do presente tema com o princípio da dignidade da pessoa humana que está disposto na Constituição Federal. Sabendo que se trata de algo amplamente resguardado, deve-se entender a sua merecida importância, pois que tal princípio preenche toda a vida do ser humano, em qualquer condição. Em se tratando do direito à vida –direito fundamental- do feto, cabe ressaltar a relevância da dignidade do mesmo, a qual provê liberdade, justiça e solidariedade. Porém, não se pode esquecer é que em se tratando do aborto decorrente do estupro, torna-se uma medida necessária, porque como já dito traz a possibilidade de pôr traumas ou coisas diversas na gestante.

Não obstante, o Direito Penal tem por objetividade a proteção dos bens jurídicos que se encontram em um patamar mais elevado à construção e resistência da vida e do bem-estar social. Sendo assim, o aborto se associa a um teor elevado de desrespeito ao direito à vida, assim como o estupro, em que é ferido não somente o bem estar da vítima, mas como a construção de uma pacificação e necessária convivência da sociedade em que nos inserimos.

  • BREVE CONTEXTO HISTÓRICO ACERCA DO ABORTO NO DIREITO PENAL

A priori torna-se relevante ressaltar que, para se fazer um apanhado histórico do aborto, preciso é contextualizá-lo com diversos costumes, melhor dizendo as civilizações e religiões que contribuíram para a construção do mundo. No decorrer, fácil será perceber que havia diferenças nas civilizações que perpassaram no mundo, como salienta Nelson Hungria: 

A prática do aborto é de todos os tempos, mas nem sempre foi objeto de incriminação: ficava, de regra, impune, quando não acarretasse dano à saúde ou morte da gestante. Entre os hebreus, não foi senão muito depois da lei mosaica que se considerou ilícita, em si mesma, a interrupção da gravidez. [1]

Dessa forma, não se pode negar que diversas mulheres faziam uso dessa prática, pois que na maioria das vezes não tinham vontade de seguir a diante na gestação. Na Grécia, a prática efetiva do aborto era constante e não se limitava a determinados grupos, pois levavam em consideração vários aspectos como a estabilização da população.

O direito romano ao longo de sua civilização não punia o exercício do aborto, pois o feto era como qualquer outro órgão da mulher, dessa forma, a mesma tinha o poder de escolher. Assim como bem menciona Aristóteles em sua obra “A política”: “No direito romano o aborto não era punido na república nem durante os primeiros tempos do império e foi assimilado ao homicídio somente a partir da época de Septímio Severo”. [2] Por isso, com o governo de Septímio Severo o significado de aborto passou a ter outro entendimento e, com isso passou a insultar o pai que tem direito sobre a sua progênie. 

Sem dúvidas, as religiões são bases para designar a rigidez do aborto, assim algumas o condenam, mas não com tanta veemência como a Igreja Católica que há muito condena a prática do aborto em qualquer hipótese ainda mais no que diz respeito ao aspecto moral, sob o argumento de que a vida é divina, porém outras a aceitam sendo em casos inevitáveis ou prejudicáveis à mulher. Na obra “religiões ontem e hoje”, os autores mencionam que na religião islâmica é permitido o aborto se feito até o quarto mês gestacional. [3]

 Dessa forma, com as evoluções ocorridas houve a necessidade de rever a rigidez posta no conceito de aborto, assim há casos em que o aborto é legalizado a exemplo do estupro, visto que não se pode negar que a gestante está na possibilidade de ter algum transtorno por conta desse fato que é, sem dúvidas, traumatizante. Ainda, nos casos legais há um conjunto de fatores que levam a perceber que a melhor alternativa seria essa em virtude de como tudo ocorreu, a considerar a vontade da gestante. Não obstante, para o direito penal o aborto se associa a um teor elevado de desrespeito ao direito à vida, assim como o estupro, em que é ferido não somente o bem estar da vítima, mas como a construção de uma pacificação e necessária convivência da sociedade.

Depois de uma perspectiva religiosa, nesse instante faz-se necessário perquirir sobre o aborto no âmbito penal. Recentemente houve a necessidade de reforma do Código Penal e, dessa forma, retirou-se a possibilidade de aborto no período das doze primeiras semanas de gestação sob o argumento de que a vida é um direito fundamental e uma cláusula pétrea na Constituição. O relatório do senador Pedro Taques prevê, ainda as hipóteses de aborto explícitas na legislação, sendo: os casos de estupro, risco de vida da gestante ou se o feto constatar anencefalia. No Direito Penal busca-se saber quando se inicia, de fato, a vida do feto para que haja proteção do mesma. Segundo Rogério Greco, a vida só terá início a partir da nidação –quando há  implantação do óvulo fecundado no útero materno- que acontece no período de catorze dias, portanto somente após esse período pode-se haver a proteção à vida do feto. Desse modo, com o ovo inserido no útero e se houver qualquer ato para interromper a gravidez será considerado aborto, podendo ser de duas formas: consumado ou tentado. Ainda complementa que com o início de parto fecha as portas para a possibilidade de haver aborto, com isso, “o parto, como já dissemos, tem início com: a) dilatação do colo do útero; b) com o rompimento da membrana amniótica; c) tratando-se de parto cesariana, com a incisão das camadas abdominais”. [4]

O Direito Penal não se preocupa com o aborto natural ou espontâneo e, por isso só interessa tão somente o provocado de forma dolosa ou culposamente, pois no primeiro como o próprio nome sugere a gestante não comete nenhum ato que interrompa a gravidez, é algo que ocorre de forma natural. [5]

  • Formas legais de aborto diante do ordenamento pátrio

Na Grécia o aborto era aceito sob o meio de limitar o crescimento populacional e mantê-lo estável intencionado por um interesse político. Hoje em dia questões bem mais relevantes fazem com que o aborto seja necessário, como nos casos do estupro, anencefalia ou quando a gestante estiver em risco de vida. O ordenamento pátrio buscou casos em que reafirmassem estado de necessidade e por isso deve haver o aborto, com o consentimento prévio da gestante, pelo fato de colidir bens juridicamente protegidos.

Diante de tais observações, o Código Penal brasileiro elaborado em 1940 explicita a partir do artigo 128 do Código Penal duas formas em que o aborto quando praticado não se qualifica como uma atitude ilícita e se expressam quando não há outra forma de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é decorrente de estupro e há o consentimento da mulher, ou seu representante legal, em relação ao aborto. Sendo assim, a gestação, uma vez que impedida, em tais casos se considera como um direito da mulher e devido a isso se destaca tal como legal.

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