O conhecimento da fisiopatologia dos mecanismos enovolvidos na gênese e manutenção da fibrilação atrial, permitiu que a sua forma de tratar se tornasse menos empírica. Um dos maiores avanços foi a descoberta de que episódios intermitentes e repetitivos da arritmia provocam alterações da matriz histológica e eletrofisiológica do tecido atrial que predispõe ao surgimento da forma crônica. Tais alterações compreendem não apenas modificações estruturais do miócito, como aumento do tamanho de mitocôndrias, fragmentação das proteínas contráteis mas também redução da duração do seu período refratário efetivo e retardos da condução intra-atrial. Essas alterações já se tornam presentes com episódios curtos de uma hora por exemplo, conforme demonstrado em estudos experimentais, e até após estimulação atrial por curtos períodos em seres humanos. A mensagem por trás dessas informações é que devem ser tomadas medidas precoces para o restabelecimento do ritmo sinusal para impedir que esse remodelamento atrial favoreça o surgimento da forma crônica da fibrilação atrial.

Várias são as causas envolvidas no desencadeamento da fibrilação atrial e, por essa razão, deve-se entender que o seu tratamento não é tão simples, incluindo pelos menos um ou dois tipos de fármacos, além do antiarrítmico, principalmente após o restabelecimento do ritmo sinusal. Definitivamente a principal dificuldade no tratamento da fibrilação atrial não é o restabelecimento do ritmo sinusal, pois esse pode ser obtido com a cardioversão química (em cerca de 50% dos casos de acordo com alguns estudos) e até 85% com a cardioversão elétrica. O maior desafio é a manutenção do ritmo cardíaco normal para permitir que o remodelamento anteriormente instalado regrida e os átrios permaneçam em ritmo regular. A seguir serão comentadas as principais formas de tratamento farmacológico da fibrilação atrial, desde o episódio agudo até a manutenção do ritmo sinusal.

Reversão do Episódio Agudo

Alguns estudos têm demonstrado que a reversão espontânea da fibrilação atrial aguda (com duração de até 72 horas) ocorre em 80 a 90% dos casos, sem que nenhuma intervenção farmacológica ou não farmacológica seja implementada. Esse aspecto clínico é de alta relevância, particularmente nos centros de emergência de grandes centros que freqüentemente estão lotados e nem sempre permitem a internação para o tratamento adequado. Apenas a orientação ao paciente quanto a possibilidade de que o ritmo se normalizará ou até mesmo uma leve sedação e controle da freqüência cardíaca, podem ser suficientes na maioria dos casos. O paciente pode eletivamente procurar um médico no dia seguinte e submeter-se a uma reavaliação, quando uma conduta definitiva poderá ser tomada. Deve-se destacar que essa conduta só é aplicada a pacientes clinicamente estáveis, sem qualquer repercussão hemodinâmica da arritmia. A internação hospitalar e o restabelecimento precoce do ritmo sinusal poderá ser obtido com a cardioversão elétrica, se necessário.
 
A necessidade de utilização de fármacos está relacionada ao quadro clínico do paciente e também ao grau de ansiedade do mesmo. Pacientes com fibrilação atrial aguda não raramente queixam-se de palpitações e falta de ar, o que pode gerar um elevado grau de intranqüilidade quanto ao eventual risco da arritmia, caso persista. Nesses casos o controle da reposta ventricular e até mesmo a reversão com fármacos estará indicada. O controle da freqüência cardíaca pode ser realizado com fármacos que retardam a condução nodal. Nesse grupo destacam-se os beta-bloqueadores e antagonistas dos canais de cálcio, em indivíduos com função ventricular normal ou pouco comprometida e que não apresentam sinais clínicos de descompensação hemodinâmica. O metroprolol (5 mg por via endovenosa, seguido de mais duas doses até um total de 15 mg) pode ser empregado com seguança. O diltiazem (0,25 mg/Kg em até 5 minutos) tem-se mostrado um agente seguro e eficaz na redução da freqüência ventricular rapidamente. Em pacientes com disfunção ventricular grave ou com sinais clínicos de insuficiência cardíaca, a amiodarona é o agente de escolha (150 a 300 mg por via endovenosa lenta). Estudos realizados em pacientes internados em unidades de terapia intensiva demonstraram que a amiodarona além de reduzir de maneira eficaz a freqüência ventricular, melhorou o estado hemodinâmico, caracterizado pela queda da pressão veno-capilar pulmonar e ligeiro aumento da pressão arterial sistêmica na maioria dos casos em que foi empregada. O cedilanide é outra opção farmacológica nesse grupo de pacientes (0,4 a 0,8 mg por via endovenosa). As ressalvas ao uso desse fármaco são o tempo prolongado para exercer seu efeito e a sua ineficácia quando o tônus adrenérgico enecontra-se muito elevado.

A reversão ao ritmo sinusal pode ser obtida com a administração oral de propafenona (600 mg) em indivíduos com coração normal. Vários estudos europeus têm demonstrado que esse agente reverte, em até 83% dos casos, a fibrilação atrial com duração de até 48 horas. O destaque ao uso da propafenona está relacionado ao seu tempo de ação, em que mais de 50% dos pacientes têm seu ritmo sinusal restabelecido num período entre quatro e oito horas. Esse agente está formalmente contra-indicado em pacientes com fração de ejeção abaixo de 45% e naqueles com história de insuficiência cardíaca, devido ao maior risco de efeitos pró-arrítmicos.

A amiodarona é uma opção terapêutica segura particularmente em indivíduos com disfunção ventricular. Os resultados indicam que em até 24 horas consegue-se a o restabelecimento do ritmo sinusal em mais de 50% dos casos. Os resultados em indivíduos com coração normal são comparáveis aos da propafenona quando se considera o tempo de até 24 horas para a reversão. Não há estudos controlados que empregaram a amiodarona por via oral para reversão da fibrilação atrial aguda, e isso se deve ao tempo que o agente demora para exercer seu efeito com essa forma de administração.

São poucas as publicações que avaliaram especificamente a ação antiarrítmica de alguns fármacos para a reversão ambulatorial da fibrilação atrial crônica e por conta disso não se pode estabelecer uma rotina de emprego desses agentes com esse objetivo. Em indivíduos com a forma persistente de fibrilação atrial, as opções para a reversão farmacológica são a propafenona, sotalol e amiodarona. A propafenona na dose de 900 mg ao dia por via oral reverte cerca de 30% dos casos ao ritmo sinusal e a necessidade de suspensão do agente chega a 10% por efeitos colaterais. A desvantagem com esse agente é o risco, embora baixo, de transformar a fibrilação em flutter atrial com elevada resposta ventricular, o que obrigaria o uso concomitante de outro medicamento para retardar a condução nodal (como beta-bloqueador, digital ou antagonista de cálcio). Os resultados com sotalol parecem não ser animadores para a reversão da fibrilação atrial crônica. O ritmo sinusal é restabelecido em apenas 15 a 20% dos pacientes. A amiodarona empregada ambulatorialmente é um agente seguro e eficaz para o restabelecimento do ritmo sinusal em cerca de 51% dos pacientes com fibrilação atrial com duração maior que 15 dias. Alguns estudos relatam sucesso que varia entre 30 e 47% dos casos. Esses achados não parecem ruins quando se pretende por exemplo, praticar a cardioversão elétrica nos pacientes que não reverteram com o medicamento. A amioradona estabiliza o átrio dos pacientes após o choque reduzindo o risco de recorrência precoce da arritmia. Esse é um fator importante na tentativa de manutenção do ritmo sinusal a longo prazo.

Prevenção de Recorrências da Fibrilação Atrial

Esta parece ser a principal etapa no tratamento de pacientes com fibrilação atrial, visto que, conforme comentado anteriormente, consegue-se o restabelecimento do ritmo sinusal em 85% dos pacientes por meio da cardioversão elétrica. A grande dificuldade na manutenção ritmo sinusal está relacionada aos inúmeros fatores instabilizadores do substrato arritmogêncio atrial, nem sempre identificáveis na clínica. Sempre que possível deve-se buscar entender o que está causando a arritmia e qual ou quais poderiam ser os eventuais gatilhos para gerar novos episódios. Conforme se discutiu nos mecanismos fisiopatológicos da fibrilação atrial, um dos fatores que aumentam o risco de recorrências é o acúmulo de cálcio intra-celular. Por essa razão, particularmente em pacientes com fibrilação atrial paroxística, a interrupção dos fenômenos que culminam com o remodelamento deve incluir a utilização de antagonistas dos canais de cálcio (diltiazem ou verapamil). Estudos experimentais e clíncos confirmam os efeitos benéficos desses agentes. Em pacientes com insuficiência cardíaca que evoluem com fibrilação atrial, a utilização de inibidores de enzima de conversão ou de bloqueadores de receptores de angiotensina, reduz o risco de formação de fibrose tecidual e conseqüentemente, do aparecimento de fibrilação atrial. Embora os objetivos primários dos estudos que envolveram inibidores de ECA não tenham incluído o tratamento da fibrilação atrial, avaliações retrospectivas demonstram que definitivamente essa classe de fármacos deve ser empregada no tratamento coadjuvante da fibrilação atrial, além do antiarrítmico (Healey JS, et al. JACC 2005; 45:1832). O uso de diuréticos deve ser considerado nesses pacientes porque a distensão atrial, por aumento de volume e pressão, é um fator desencadeante de fibrilação atrial.

Causas específicas de instabilizadores do circuito arritmogêncio atrial devem ser identificadas e eliminadas, tal como ocorre no hipertireoidismo e na isquemia miocárdica. No primeiro caso é fundamental que os níveis plasmáticos de hormônios tireoideanos estejam normais, do contrário o risco de recorrência da arritmia é elevado. Embora não seja um fator comum, a isquemia deve ser tratada devido ao risco, dentre outros, de se desencadear um quadro de miocardiopatia isquêmica que tenderá a manter a fibrilação atrial de forma crônica.

A utilização de bloqueadores de mecanoreceptores atriais que são estimulados pela distensão atrial, como o veneno de tarântula, por exemplo, ou até mesmo o emprego de vitamina C como forma de se restabelecer as conexinas, ou seja proteínas que formam as pontes de ligação entre miócitos, são promessas terapêuticas a serem empregadas no futuro em pacientes com fibrilação atrial, conforme demonstram estudos experimentais. Avaliações clínicas em estudos que empregaram estatinas demonstram o papel benéfico desses agentes que atuariam como anti-inflamatórios reduzindo o comprometimento do miócito e por conseguinte, do risco de fibrilação atrial (Korantzopoulos P et al. Am J Cardiol 2004, 93:1200)

Os fármacos antiarrítmicos mais seguros e eficazes para a prevenção de recorrências de fibrilação atrial são a propafenona, sotalol e a amiodarona. Estudos clínicos que utilizaram de maneira escalonada antiarrítmicos em pacientes com história de fibrilação atrial, indicam que a amiodarona é superior à propafenona e ao sotalol na redução de episódios de fibrilação atrial. No estudo AFFIRM, uma avaliação de subgrupos de pacientes que fizeram uso de fármacos antiarrítmicos para manutenção do ritmo sinusal, o sucesso terapêutico de maior destaque foi para a amiodarona. Nessa população o ritmo sinusal foi mantido em 60% dos pacientes durante o seguimento clínico, seguido do sotalol e outros agentes do grupo I (AFFIRM Investigators; JACC 2003; 42:20). Essa observação reforça a segurança e a eficácia da amiodarona em pacientes com alto risco de recorrência de fibrilação atrial.

Um estudo publicado recentemente avaliou a utilização de sotalol e amiodarona na prevenção de recorrências de fibrilação atrial. Comparativamente ao sotalol, a amiodarona manteve os pacientes por mais tempo livre das recorrências após ter sido restabelecido o ritmo sinusal. O primeiro episódio de fibrilação atrial ocorreu em média 487 dias após a reversão em 267 pacientes em uso de amiodarona, contra apenas 27 dias nos 261 pacientes que fizeram uso de sotalol. Os resultados foram significativos mesmo quando se considerou a duração da fibrilação atrial (maior ou menor que 1 ano). A qualidade de vida e o desempenho na atividade física foram superiores nos pacientes nos quais se conseguiu manter o ritmo sinusal (Singh B et al NEJM 2005; 352:1861).

Concluindo, a reversão da fibrilação atrial ao ritmo sinusal deve ser, sempre que possível, perseguida. Muito mais que discutir se se deve ou não restabelecer o ritmo sinusal, deve ser a consideração quando a prevenção da forma crônica da arritmia e também os esforços para a prevenção de recorrências. Em primeiro lugar a segurança quanto a utilização do medicamento, para se reduzir o risco de efeitos pró-arrítmicos. A seguir considerar a eficácia do antiarrítmico. Além disso, é importante enfatizar que a prevenção de recorrências não se baseia apenas no antiarrítmico. Sabe-se na atualidade que a medicação coadjuvante bem como a indentificação de causas potencialmente removíveis são importantes para o sucesso do tratamento.