Abertura Financeira e Concorrência Bancária

Por Sérgio Santos | 03/03/2017 | Economia

Nos últimos anos temos presenciado uma nova transformação do sistema financeiro nacional com a abertura aos bancos estrangeiros. O mercado bancário brasileiro sempre foi dominado por instituições nacionais desde as Constituições de 34 e que impôs prazo para a nacionalização dos bancos estrangeiros causando o crescimento do número de bancos domésticos. Como eram baixas as barreiras à entrada de brasileiros nos negócios bancários, um controle mais rígido foi colocado, após 1945, pondo um fim no crescimento dos bancos. Esse limite durou até a reforma bancária de 1988 com a criação dos bancos múltiplos cujo excesso liberalizante provocou uma crise bancária cuja falta de atuação e a inércia em ações corretivas demonstraram a existência de bombas relógio fermentadas ao longo de muitos anos.

A política do governo no tocante a participação estrangeira é fixada pela presidência da república decidindo caso a caso, mediante decreto, sobre a entrada de determinada instituição, apoiando as participações que venham a contribuir para o fortalecimento do sistema como um todo. Todas as decisões têm como objetivo a reestruturação do sistema financeiro nacional, uma vez que, com o plano de estabilização, o sistema sofreria  com a restrição monetária e creditícia. A abertura do sistema demonstra que não existe reserva de mercado em nenhum setor da atividade econômica, no entanto, a discussão de uma mudança de rumo na estratégia em relação ao ingresso dos bancos estrangeiros não está encerrada.

O que não quer é uma crise bancária de consequências explosivas. Os programas de salvamento e a abertura para as instituições estrangeiras  fazem parte do esforço de uma reforma bancária para não deixar o sistema quebrar, no qual inclui-se  a discussão do modelo que se pretende seguir. Ou o modelo americano, onde o capital nacional domina o sistema financeiro dos EUA ou da Argentina, onde os bancos locais foram absorvidos pelo capital estrangeiro.

A escolha do Brasil como plataforma operacional na atividade bancária é devido ao fato de que o país é a principal economia da América Latina, possuindo um mercado constituído de 50 milhões de famílias com uma capacidade de consumo de R$ 500 bilhões/ano. O mercado bancário atual é formado de 120 milhões de contas correntes e/ou de contas de poupança, com um saldo atual de R$ 800 bilhões, não incluidas as contas de investimento. O número de bancos estrangeiros controlados passou de 25, em 1994, para cerca de 173 instituicoes com controle ou participação estrangeira, em 2016. No entanto, considera-se  praticamente impossível para as novas instituições estrangeiras atuarem no mercado bancário de varejo devido a peculiaridade do país onde os 5 maiores bancos concentram 70% dos depósitos e possuem 90% das agências, incluindo o conhecimento do mercado nacional em  características de cultura regionalizada. Para isso seriam necessários investimentos na criação de uma nova rede sem as garantias de que daria certo.

A chegada dos bancos estrangeiros suscitou críticas à postura do governo sobre a transparência de um processo que exige condições de adaptação para  a concorrência. As instituições nacionais têm plenas condições de responder positivamente ao desafio da competição que atualmente já possui diversos níveis de produtividade que se assemelham as instituições americanas e europeias. O ambiente com as altas taxas de inflação e a forte presença estatal fora mas principais causas de diferença de produtividade entre os bancos nacionais cujo ganhos fáceis de float relegaramos ganhos de produtividade a um segundo plano. 

Os programas de desenvolvimento criados pelo Banco Central através da redução do depósito compulsório das captações em agências pioneiras nas regiões desassistidas em todo o período deduração nunca atingiu seu objetivo. Todas essas regiões que contavam com agências pioneiras, muitas das quais de bancos estaduais, continuaram em níveis precários de desenvolvimento e o dado mais importante é que cerca de 37% dos 5.500 cidades brasileiras não contam com nenhuma agência bancária. Um quadro cuja tendência é se agravar no futuro próximo. Atualmente cresceram os volumes de recursos, caíram as margens de ganhos e a competição está acirrada. Num mercado em transformação como o brasileiro não existe uma fórmula pronta entre  especialização e diversificação cujo mercado vai ser a distribuição de produtos.

Para o cliente o que importa é o melhor serviço com o menor custo e uma maior segurança.  No Brasil, a relação cliente/agencia é 3,6 mil enquanto que  nos EUA, um país que possui níveis satisfatórias de atendimento bancário, é 3,7 mil.

As transações eletrônicas correspondem a 71% das transações totais, estando previstos cada vez mais investimentos em automação bancária (principalmente internet em networks proprietárias) com o objetivo de eliminar a necessidade da presença do cliente na agência. Com um quadro como esse, com um mercado financeiro em transformação e globalizado, os bancos familiares estão com os dias contados. As apostas estão voltadas para as associações e as fusões, reduzindo o número de bancos nacionais a metade.

O Brasil não é o único país que está passando por um processo de transformação bancária. Apos a crise de 2008, o atual estado de espírito da atividade bancária americana é comprar ou ser comprado,  cujo processo de fusões está mudando a face das finanças daquele país. A capacidade dos bancos comerciais expandirem sua rede de agências tem como consequência uma menor vulnerabilidade a colapsos regionais e a maior dependência de um único setor econômico. Por esse motivo, o processo está preocupando o governo central uma vez que a falência de uma única mega instituição pode quebrar o fundo de seguro de depósitos e o governo federal terá de arcar com as conseqüências dos custos de salvamento baseado na santa doutrina do to big to fail – grande demais para falir.

Para os EUA foram necessários US$ 150 bilhões, o equivalente a 6,60% do PIB e cinco anos para enfrentar duas crises bancárias, em 1989 e 1991, adquirindo mais da metade das instituições de poupança e crédito do país. A crise de 2008 consumiu outros US$ 850 bilhões, 6% do PIB, e uma  desaceleração profunda se estendendo  as maiores economias mundiais Esse crise, pior que a crise de 1929, causou um aumento da taxa de desemprego nos EUA, de 6,1% para 10%.

Com a premissa que os  sistemas regulamentares federais estavam com 10 anos de atraso, o governo federal estimulou o livre mercado a autopoliciar-se baseado em leis criadas no estilo RTC - Resolution Trust Corp. Apos a crise de 2008 veio com o Dodd-Frank Wall Street Reformand Consumer Protection Act (DFA). Após uma série de modificações, definiu-se os princípios mais amplos da nova regulação sobre o sistema financeiro, foi aprovado pelo Congresso,em julho de 2010, e desde então está em processo de implementação, num ritmo mais lento do que o originalmente indicado.

Uma má administração bancária provocou a derrocada asiática fazendo os países da região a praticar o que poderíamos chamar de pecado financeiro. Recuperar os bancos que estão em dificuldades é o único caminho de volta a saúde econômica do sudoeste asiático.

A Coréia do Sul criou um programa de fusões para por um fim aos seus problemas bancários, socializando os prejuízos entre bancos doentes e saudáveis, às custas de empréstimos externos com o aval do próprio governo.

A Tailândia aprovou várias isenções fiscais para os bancos tomadores que reestruturarem seus créditos em  atraso.       

O Japão enfrenta uma crise bancária semelhante a americana, cujo saneamento exige uma redução do número de bancos. O governo japonês criou um plano cuja finalidade é proteger o depositante, garantir aos tomadores de empréstimos de que não faltará crédito e  manter a estabilidade do sistema financeiro, envolvendo a cobertura de créditos inadimplentes e a federalização das instituições problemáticas através de uma agência governamental.

Os bancos americanos e europeus no Japão protestaram contra o plano do governo japonês de obrigar os bancos estrangeiros a contribuir para um fundo de ajuda a depositantes de bancos falidos. A situação atual não levará a nenhum desastre econômico, mas não será de solução rápida.

 Além disso, a difícil situação dos bancos japoneses atraiu a atenção das empresas de Rating para um possível rebaixamento na classificação de crédito do Japão, o que arrastaria a Ásia para uma nova crise com repercussões negativas em todos os mercados. Isso seria uma excesso de sensibilidade das empresas de Rating depois do lamentável fracasso da previsão da crise da Ásia.    

A Rússia propôs um plano de seguro para depósitos a fim de estancar o colapso de seu sistema bancário, cujo número de instituições inadimplentes é de aproximadamente 400 bancos. O banco central russo adotou controles rígidos sobre as operações cambiais bancárias declarando uma moratória de 90 dias dos pagamentos de empréstimos internacionais. Com a ameaça da falência do sistema,os clientes começaram a sacar seus depósitos, abalando ainda mais o frágil sistema bancário russo.

O Brasil não pode se afastar do processo globalização, isolando-se em sistemas econômicos fechados. A transformação do sistema financeiro nacional é resultado da globalização que impulsiona a expansão das instituições estrangeiras na recente onda de fusões e aquisições. Os problemas ocorridos até agora foram, em última análise, causados por uma reversão de fluxos financeiros provocados pela falta de informação e transparência de seu sistema bancário. Como não há instrumentos críveis de prevenção, novas crises financeiras vão ocorrer no futuro. A questão é como torná-las menos severas deforma de que os países dependentes de capitais fiquem menos vulneráveis aos choques externos, e como responder com uma maior rapidez, reduzindo, sobretudo,seus efeitos na estrutura social dos países envolvidos. 

Texto atualizado e publicado origanalmente na Resenha BM&F 110, da Bolsa de Mercadorias e Futuros