A Viagem

Autor: Eduardo Silveira


A campainha soou.
A escola, antes silenciosa, virou o caos. Era o sinal do horário de saída tocando. Os alunos atropelavam-se escadas abaixo. De todas as salas, saíam bandos de jovens correndo como se fossem pegar o ultimo trem para a liberdade.
Aquela cena acontecia todos os dias, em todos os horários que marcavam o final das aulas. Eu e mais um bando de amigos e amigas corremos para fora também.
Tínhamos tanta pressa e, sinceramente, não sabíamos o porque. Só queríamos sair da sala de aula e depois, já no pátio, ficávamos "horas" conversando para logo em seguida, ir caminhando até a estação do trem, onde a maioria se dispersava e cada um tomava o rumo de sua casa.
Nesse dia , eu e outros colegas, fizemos o caminho de sempre mas, quando chegamos na estação de trem, resolvemos ir até a uma galeria, ali perto, onde havia um cinema. Queríamos ir até lá só para ver qual era o filme que estava sendo exibido.
Caminhávamos alegres, conversando, uns mexendo com os outros e, às vezes, até com alguns transeuntes. Tudo na maior alegria, na maior euforia, éramos jovens, a média de idade era de quinze anos. Havia em nós a pureza da adolescência, o começo do despertar para a vida. Respirávamos o ar da inocência e da liberdade.
Vem cá! - Alguém falou e me puxou pelo braço.
Quando olhei vi que era Marilda, a garota por quem eu era completamente apaixonado.
O que foi? - Perguntei curioso.
Vem cá. - repetiu ela e continuou me puxando.
Vai aonde ? Perguntei, tentando sair do meio daquele bando de estudantes tagarelas.
Ela pegou meu pescoço, encostou sua boca no meu ouvido e falou: - Vamos dar uma volta de elevador.
O que? - Perguntei de novo, meio atordoado com a surpresa daquela boca quente colada ao meu ouvido.
Veeeeem!!! - Disse ela puxando o meu braço com mais força.
Tá bom. Tá bom. - Respondi. - Vamos lá.
A portaria do prédio ficava dentro da galeria. Quando dei por mim, já estávamos em frente ao elevador. Ela apertou o botão e ficamos ali, esperando o elevador chegar, sem saber o que dizer um pro outro. Apenas sorríamos e não conseguíamos dizer nada.
Marilda era da minha classe. Era clara, tinha cabelos bem pretos, uns olhos verde azulados, que muitas vezes vi se encherem de lágrimas, de tanto que ela ria das palhaçadas que eu fazia. Vivia sempre arrumada, cabelos penteados, uniforme sempre limpo e incrivelmente passado, seus materiais escolares estavam sempre bem cuidados, cadernos encapados, canetas, lápis, borrachas, apontadores, ela tinha tudo dentro daquela pasta. Era extremamente organizada. Ao contrário de mim, que era completamente desleixado, minha "pasta" era um cinto de lona onde eu "amarrava" os meus livros e cadernos. Canetas, lápis, borrachas etc., eu nunca tinha. Vivia pegando emprestado com os outros, inclusive ela.
Tínhamos a mesma idade, mas ela era mais madura do que eu. Ela namorava um rapaz do segundo grau. Que era bem mais "adulto" do que eu. Eu, na realidade, era um menino. Isso mesmo. Era um menino alto de quinze anos.
Mas eu sentia que entre nós havia uma grande empatia. Nós gostávamos de estar juntos. Às vezes, ela dizia pro namorado que ia estudar só para poder ficar comigo. Eu sabia que ela não me amava. Eu sentia isso. Mas ela gostava muito de mim. Talvez ela percebesse o quanto eu a amava. Nunca fui muito bom em esconder sentimentos.
E, com quinze anos, o primeiro amor, aquela aura de inocência, imaturidade e fantasia, tudo se misturava e eu só sabia de uma coisa: Era maravilhoso.
Ih, Chegou. - Disse ela.
Abre a porta. - Pediu.
Ô porta dura. - Falei e comecei a rir. Ela também riu.
Entramos no elevador. Ela apertou um botão que eu nem vi qual foi. A porta foi-se fechando. O elevador começou a subir, lentamente.
Eu estava encostado em uma parede do elevador e ela em outra. Estávamos de frente um pro outro. Ficamos ali, assim, nos olhando, sorrindo, meio sem jeito, encabulados.
De repente, o elevador parou. Chegara ao ultimo andar. Eu estava tenso. Ela também.
Foi então que ela soltou sua pasta e, no breve instante em que olhei a pasta caindo no chão e voltei meus olhos pra ela, senti seus braços me enlaçando e puxando meu corpo de encontro ao seu. Sua boca procurando a minha, me beijou, longa, sofrega e inefavelmente.
O tempo parou.
Não sei quanto tempo ficamos ali nos beijando. Perdi completamente a noção do tempo.
De repente, o elevador fez um barulho e começou a descer. Nos separamos atônitos, ela abaixou-se rápido para pegar nossas pastas, e eu continuei ali, parado, anestesiadamente encostado na parede do elevador.
Ela ergueu-se e olhei-a atentamente. Observei que ela estava eufórica, agitada, rosto afogueado.
Então, inexplicavelmente sereno, coloquei a minha mão em seu ombro e ela me olhou com a expressão mais linda que eu jamais vi novamente na vida.
O elevador chegou ao térreo. Saímos.
Não trocamos nenhuma palavra. Os outros colegas já estavam voltando e recomeçou a algazarra. Perguntavam aonde tínhamos ido, que aquilo ali ia acabar em casamento, e coisas do gênero.
Aquele ano letivo terminou.
No ano seguinte,novamente, estudamos na mesma classe, mas nunca falamos sobre o acontecido.
Então, no final do ano, nos separamos e nunca mais nos vimos.

Mas o gosto daquele beijo, a maciez dos seus lábios, a expressão indescritível do seu olhar, o seu corpo afogueando todas as células do meu, seu cheiro suave me extasiando como uma droga. Tudo permanece inatacável.

Hoje, decorridos tantos anos de vida com direito à casamentos, filhos, separações, novos relacionamentos, novos amores, novas paixões, velhos e novos círculos de amigos, variadas emoções vividas, algumas tristezas, e muitas outras alegrias, meu coração talvez tenha guardado, aquele doce momento, em um lugar muito especial, como se quisesse me dizer: -
Esse é o seu tíquete de embarque para essa coisa mágica que é a vida!
Vá! Viva e aproveite a ? viagem!


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