A VIAGEM

 

 

A viagem para o mundo dos terráqueos teve inicio nos setenta, tempos em que juramos que eram melhores que os dias de nossos filhos, havia mais pudor, menos violência e menos político corrupto, e óbvio menos tecnologia, menos ciência e menos verdade. Nós quase éramos felizes!

Sou filha da geração setenta, filha dos acontecimentos, do fim do militarismo inicio da era Tancredo Neves, onde pensávamos que heróis nasciam em planaltos centrais e que nos absolveria das trágicas mazelas de uma sociedade injusta, de gente incauta e simplista. Éramos todos filhos da esperança. Esperança morta no leito de um hospital dias da posse do presidente, mas logo recobrada pelos caras pintadas e empitchman dos Collor da vida. Achávamos que tínhamos vozes no meio da escuridão de um povo esquecido pelos deuses, como índios,marcávamos cara com tinta pra esquecer a barriga vazia da educação que era para os de nobre berço, os aquinhoados do mundo pagão. Éramos uma geração sofridamente militante.

Um povo que viu um governo congelar preços e ia ao mercado com sorrisos bossais aproveitar todos os centavos de seu suado dinheiro como se fosse um empréstimo do rei aos súditos, pelo menos dormiríamos em paz por saber que no outro dia a inflação não engoliria o quilo de açúcar do dia seguinte, mataríamos a boca da fome enquanto adormecidos para os dígitos dos poderosos, pensávamos que éramos felizes e não sabíamos. Talvez de fato fossemos...

Vivemos dias de planos cruzados e vimos emergentes tombarem ante a impossibilidade de usarem seus dinheiros, agora posse dos bancos, dos poderosos, de uma nação verde amarela que pouco se apiedava de seu povo, cativo da sua própria falta de liberdade. Muitos choraram ao verem seus sonhos escorrerem pelos ralos dos banheiros da grande capital, mas logo riam, afinal agora já poderíamos votar difícil era mesmo, escolher o menos canalha, o menos pífia dos pífios que se despontavam como salvador do mundo. E assim íamos nós, uma geração com resquícios de protestantismo dos anos sessenta, com um ar de revolução irrustida, não tinha tanta coragem, mas ainda restava um resvalar das velhas idéias de um mundo melhor, herdada talvez das historias que nossos pais contavam de seu   Getulio Vargas, aquele velhote que morrera pela causa do povo, só não conseguíamos entender – e eles não sabiam explicar – onde estava a bravura do suicídio. Mas sempre há algo de belo no trágico.

E assim os meus anos dourados, não tinham tanto ouro nem luxos, mas brasileiros eram menos americanizados e mais tupiniquins e nós daqui, dessa lado do tempo, juramos que eram tempos melhores que hoje ... pelo menos resta-nos o consolo da Copa do mundo de 70 a melhor equipe de futebol de todos os tempos com Pelé, em sua última edição de Copa do Mundo...

E a gente era feliz ... ou quase!

 

                                                                     Joíra F.