A VERDADEIRA PATERNIDADE – O AFETO CONSOLIDADO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO.

THE TRUE PATERNITY – THE CONSOLIDATED AFFECTION IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM.

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Isadora Urel

Doutoranda e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Educacional Damásio de Jesus. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo. Professora na Universidade Nove de julho. Advogada e Consultora Jurídica.

[email protected]

Letícia Ferreira Couto

Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharela em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Advogada e Consultora Jurídica.

[email protected]

Área do Direito: Civil.

RESUMO

A família como entidade histórica e basilar, sempre se manteve em total evolução, situação em que ao transcorrer da desenvoltura da humanidade e de suas relações sociais, as questões de consanguinidade foram aos poucos dividindo espaço com o chamado afeto.

Importante é a delimitação da entrada do afeto na esfera do direito familiar brasileiro, atrelando-se à parentalidade, temática esta a ser desenvolvida nesta pesquisa.

Portanto necessária é uma análise aprofundada do surgimento da socioafetividade e como esta em sendo aplicada perante o sistema jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Família – Afeto – Parentalidade – Direito – Socioafetividade.

ABSTRACT

The family as a historical and basilar entity, has always been in full evolution, a situation in which, as humanity and its social relations developed, issues of consanguinity gradually divided space with the so-called affection.

Important is the delimitation of the entry of affection in the sphere of Brazilian family law, coupled with parenting, the theme is to be developed in this research.

Therefore, it is necessary an in-depth analysis of the emergence of socio-affectivity and how it is being applied before the Brazilian legal system.

Keywords: Family - Affection - Parenting - Law - Socioaffectivity.

Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico do Conceito de Família e Filiação. 2. Do Conceito de Afeto. 3. A Valorização Jurídica do Afeto. 3.1. A Introdução do Afeto no Ordenamento Jurídico Pátrio. 3.2. O Afeto como Princípio Constitucional. 3.3. O Afeto na Legislação Infraconstitucional. 3.4. A Posso do Estado de Filho. 4. Da Parentalidade Socioafetiva. 4.1. Consequências Jurídicas do Reconhecimento da Parentalidade Socioafetiva. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Todo trabalho cientifico nasce de um questionamento, no caso em tela não foi diferente. Na Bíblia encontramos a seguinte passagem - (1 Reis 3,16-28) “Então vieram duas mulheres prostitutas ter com o rei, e se puseram diante dele. E disse-lhe uma das mulheres: Ah, meu senhor! eu e esta mulher moramos na esma casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa. E sucedeu que, no terceiro dia depois de meu parto, também esta mulher teve um filho. Estávamos juntas; nenhuma pessoa estranha estava conosco na casa; somente nós duas estávamos ali. Ora, durante a noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele. E ela se levantou no decorrer da noite, tirou do meu lado o meu filho, enquanto a tua serva dormia, e o deitou no seu seio, e a seu filho morto deitou-o no meu seio. Quando me levantei pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando eu para ele à luz do dia, eis que não era o filho que me nascera. Então disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto. Replicou a primeira: Não; o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Assim falaram perante o rei. Então disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta outra diz: Não; o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante dele. E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo, e dai a metade a uma, e metade a outra. Mas a mulher cujo filho em suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho, e disse: Ah, meu senhor! dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. A outra, porém, disse: Não será meu, nem teu; dividi-o. Respondeu, então, o rei: Dai à primeira o menino vivo, e de modo nenhum o mateis; ela é sua mãe. E todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, e temeu ao rei; porque viu que havia nele a sabedoria de Deus para fazer justiça.”

Bem, na época dos fatos quem nos garante que a mãe que intercedeu era realmente a mãe biológica? Não havia exame de DNA no período em questão. No entanto, o que levará o rei a tomar tal decisão? A única verdade é que a mulher que intercederá era aquela que nutria verdadeiro afeto pela criança. Dessa passagem do livro sagrado pode-se perceber que mesmo antes de Cristo o afeto já era tratado como parâmetro, como um valor de justiça, o afeto já era o centro de grandes decisões. Se a ausência de tecnologias um dia impediu que se pudesse reconhecer a verdadeira maternidade de uma criança, hoje aparentemente não é mais esse o problema, será? Veja-se a seguinte situação: um casal, unido pelo matrimonio, decide ter um filho, no entanto o marido tem problema de fertilidade e autoriza a esposa a fazer uma fertilização in vitro heteróloga (onde o sêmen – material genético – é de outro homem). Este marido morre durante o 6 (sexto) mês de gestação e a mulher conhece outro homem e passa a viver em uma união estável com ele e este cria o filho dela como se seu filho fosse.

Pergunta-se: quem é o pai: a) o falecido marido: que era casado com ela ao tempo da concepção (presunção de paternidade pelo art. 1.597 Código Civil), b) o doador do sêmen: é o pai biológico da criança; ou c) o atual companheiro: que não tem presunção de paternidade, não é e sabe não ser o pai biológico, mas deu afeto a criança? Se há milhares de anos o afeto já era tratado com sabedoria para resolver disputas, atualmente na era em que o ser humano é o centro da lei, o afeto tem se tornado pauta de muitas discussões doutrinárias e jurisdicionais.

No entanto, frisa-se que o reconhecimento de uma filiação socioafetiva pode trazer diversas consequências, em diferentes ramos do direito que não só o direito de família. Como por exemplo: sucessão, previdência social, eleitoral, trabalhista Utiliza-se o método hipotético-dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, no sentido de analisar a evolução histórica da família e da filiação, bem como as considerações da doutrina e da atual jurisprudência acerca do assunto em pauta. O presente estudo tem como objetivo demonstrar a importância do reconhecimento do afeto como um valor jurídico, bem como as lacunas na legislação e as manobras jurisprudenciais e doutrinárias para contorna-las, haja vista que a parentalidade socioafetiva, como pretende-se demonstrar, é uma realidade social.

  1. Breve Histórico da Evolução da Família e da Filiação.

A família é uma entidade histórica, ancestral, variável na medida em que mudam as estruturas da própria história, desta forma é possível afirmar que a história da família se confunde com a história da humanidade, apresentando um caráter evolutivo que se acomode ao desenvolvimento dos costumes e tradições.[1]

A família dos povos ágrafos era marcada pela promiscuidade, sendo a poligamia e a poliandria a característica destes. No primeiro código escrito, o Código de Hammurabi, a qualidade que merece destaque no tocante a família é o patriarcado, chamando atenção também para o instituto da adoção que já existia entre aquele povo, em moldes extremamente distintos do que se vê atualmente, mas denota-se que o instituto já se fazia ali presente.

Com o povo Hebraico nasce a ideia da primogenitura, e mantinha os costumes de uma família patriarcal. Esses dois atributos estiveram presentes entre os povos da Grécia também.

Em Roma não era distinto, o patriarcado se fazia presente bem como a primogenitura, em prol de se manter o culto familiar. No direito germânico, cumpre destacar a importância que se dava as relações frias e distantes, se fazia o possível para que não houvesse afeto entre os membros da família, que era a principal instituição da sociedade na época.

Em seguida destaca-se a difusão do direito canônico na Europa, na época a Igreja exercia influência na vida de todos, principalmente na instituição família, ditando regras sobre batismo, noivado, casamento e a indissolubilidade deste. 

Grande relevância ainda encontra-se no direito Mulçumano, onde a família é célula elementar da sociedade.

O Brasil teve grande influência do direito canônico no que se refere ao direito de família, isso porque quando de sua descoberta estavam vigentes em Portugal as Ordenações Afonsinas que se submetiam diretamente ao Papado.

No entanto, os índios que aqui viviam, não se diferiam muito dos povos agrafos já citados, sendo uma característica comum a poligamia, a poliandria era presente em algumas tribos.

A primeira lei efetivamente aplicada no Brasil foram as Ordenações Manuelinas, que trazia uma família baseada no casamento religioso e distinguia os filhos em legítimos e ilegítimos estes últimos poderiam ser naturais ou espúrios.

Em 1.916 o Brasil aprovou o primeiro código civil, com relação a filiação a dividia entre legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos.

Em 1937 a Constituição equiparou os filhos naturais e filhos legítimos. Em 1942 e 1949 decretos tratavam de filhos adulterinos. Em 1962 o Estatuto da Mulher Casada trouxe significativa mudança ao cenário da mulher na família. Em 1977 a Lei do Divórcio mudou o cenário da filiação, principalmente no tocante a herança.

Em 1988 a Constituição Federal mudou todos os paradigmas, de família e de filiação. Reconhecendo a igualdade entre todos os filhos, independente da proveniência deles e instituiu como entidade familiar o matrimonio, a união estável e a família monoparental.

Em 1990 o Estatuto da Criança trouxe para adoção um novo padrão. Em 2002 o Código Civil antigo fora revogado, no antando manteve a presunção de paternidade do código antigo.

Inúmeras mudanças podem ser visualizadas nas legislações, no entanto o mais importante é perceber as mudanças sociais. É claro, as leis refletem o que acontece na realidade.

  1. O Conceito de Afeto.

A família atual, no entanto, existe por causa do afeto, ele é o elemento responsável e indispensável para sua criação e seu prosseguimento. Assim sendo, este sentimento tem tomado conta das relações familiares e criando uma infinidade de possibilidade de arranjos familiares.

Neste contexto, faz-se destacar as famílias reconstituídas, este modelo de família é novo e na maioria dos casos o único laço entre seus membros é o afeto.

Tornou-se corriqueira a expressão “paidrasto” ou “mãedrasta”. Padrasto é aquele que casa com a mãe, e, madrasta aquela que casa com o pai. Já o “paidrasto” é aquele que está com a mãe e ocupa o papel de pai, exercendo função e dispendendo afeto como se pai fosse, idem para a “mãedrasta”, essas figuras perante a sociedade aparentam ser os pais (no sentido de pai ou mãe) da criança.

A presença do afeto na família atual é a motivo de sua própria existência, sendo este o elemento responsável e indispensável para sua formação e continuidade.

Desta feita, faz-se necessário e imprescindível compreender o que é o afeto, e principalmente o que é para o direito o afeto nas relações familiares atuais.

A primeira vista o afeto pode ser encarado como: “a relação de carinho, amor, cuidado e atenção mútuos entre pessoas” [2]

O afeto é de suma importância para o direito de família, o Superior Tribunal de Justiça disse: “O direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas.” (Recurso Especial n° 1026981/RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento 04 de fevereiro de 2010)

Majestosamente explica Rodrigo Pereira: “[...], quem cria um filho que não traz consigo laços biológicos pressupõe-se que o desejo permeou está relação. E é claro que a consequência direta do desejo, neste caso, é a construção de afeto.”[3] Desta feita, compreende-se que os laços afetivos e de solidariedade provém da convivência e não unicamente do sangue.

Como já demonstrado anteriormente em cada momento histórico a família esteve galgada em uma base, hora na religião, hora produção, o momento que antecedeu a este a família se apegou nos laços sanguíneos e principalmente no patrimônio, onde o direito civil como um todo se norteava.

Os seres humanos não vivem somente de necessidades alimentares, financeiras, mas também sentem necessidades afetivas, e diante disso com o abandono da patrimonialização do direito civil.[4]

Observa-se que para exercer tais características não se faz imprescindível ser filho biológico, em nada a genética faz-se presente, ser pai e ser mãe mais tem a ver com a vontade de exercer tal função, do que gerar um filho.

O Código Civil faz referência a outra origem de parentesco, em seu art. 1.593, ao referir-se ao parentesco civil, fala em “outra origem, o que dá uma maior abrangência ao aspecto do parentesco socioafetivo. Não fica circunscrito apenas ao proveniente da adoção, como também ao resultante da técnica de reprodução assistida hieróloga, ou até mesmo, “para a incidência da posse do estado de filho”. [5]

No entanto, como já analisado anteriormente, apesar da grande evolução legislativa, principalmente com a Constituição Federal de 1.988, ainda não existe previsão expressa para a filiação socioafetiva, o que é uma realidade social.

Importante ressaltar que a afetividade é defendida também no campo pedagógico, neurológico e psicológico. Para a teoria tridimensional do direito “a afetividade não é somente o direito de amar, de ser feliz, mas também o dever de compreender e estar com o outro, porquanto “existir não é apenas estar-no-mundo, é também inevitavelmente estar-com-alguém, estar-em-família, rompendo com a individualidade e com os conceitos prévios”. [6]

Assim, muito mais rápido do que se imagina o afeto tornou-se presente em conceito jurídicos e em demandas levadas ao judiciário.

  1. A Valorização Jurídica do Afeto.
    1. A Introdução do Afeto no Ordenamento Jurídico Pátrio.

A afetividade tornou-se um fato. O primeiro escopo, foi com Emenda Constitucional n° 66 que instituiu o divórcio direto no Brasil, isso porque implicitamente esta reconhecia o desafeto, ou seja, se não há mais amor, respeito, afeto para continuar casado, os cônjuges poderiam se desvincular um do outro, sem justificativas ou culpa.

Uma das maiores responsáveis pelas mudanças no âmbito familiar é a condição da mulher, que pôde ingressar no mercado de trabalho, podendo então colaborar com a economia doméstica dando-lhe assim maior independência financeira e consequentemente poder de decisão, tendendo assim a anular as divisões clássicas de função no âmbito familiar. [7]

A Constituição Federal, de forma tímida, ressaltou a importância da afetividade quando impôs o dever de pais cuidarem dos filhos e este de cuidar dos pais na velhice.

Não se pode olvidar de que o amor se faz na convivência das pessoas, isso fica extremamente claro na adoção, sendo este um instituto histórico, mas que atualmente traduz com maestria a vontade de se doar, de poder dar e receber afeto.

A relevância da afetividade se encontra também nas relações homossexuais, e esta afetividade foi um dos pilares do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/2.011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.

Neste ínterim, é possível perceber que cada vez mais o que se valoriza é o bem estar, a liberdade de escolha, a vontade de ser feliz, e para isso não existe uma fórmula, o ser humano não é uma máquina, cada um tem o seu estilo de vida, e acima de tudo de a liberdade de escolher com quem e como se quer conviver.

Diante desse movimento, cada vez mais os filhos e os pais se apegam a laços afetivos e não biológicos, frente a isso é possível e cada vez mais corriqueiro falar em filiação socioafetiva.

Outra realidade atual é a reprodução assistida heteróloga, está tem possibilitado a casais que não podem por alguma razão terem filhos e não querem adotar terem um filho. Está técnica decorre de reprodução assistida e coleta de material genético não proveniente dos pais biológicos. Assim sendo está é também uma forma de parentalidade socioafetiva, haja vista que os pais sabem que o filho não é biologicamente seu.

  1. O Afeto Como Princípio Constitucional.

O afeto tem sido reconhecido como princípio constitucional implícito haja vista que no art. 5º, §2° da Constituição Federal não exclui direitos, que mesmo não declarados, nasçam do regime e dos princípios adotados pela Carta Régia, assim tem sido conhecido como Princípio da Afetividade e está diretamente ligado a outros princípios constitucionais.

O mais importante deles é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como se faz saber, todos têm dignidade garantida pela constituição, no entendimento de serem (re)conhecidos como pessoas, este é um fundamento da República Federativa do Brasil.

Sendo este um princípio de suma importância é necessário analisar como a Dignidade da Pessoa Humana se transforma em Princípio da Afetividade:” Considerando a premissa, de que todo homem já nasce com dignidade e está encontra proteção constitucional, sendo inclusive um fundamento da república (art. 1, inciso III da CF/88) não se pode negar o direito de todas as partes envolvidas em relação de filiação (genitores biológicos, afetivos e filhos) de invocar tal princípio sempre que entender que sua dignidade foi violada.”[8]

Outro princípio também está intimamente ligado a afetividade, o Princípio da Autonomia da Vontade, este princípio rege as relações íntimas dos homens e o valor supremo é o alcance da felicidade.[9]

No mais, importante citar também o princípio da solidariedade. No que tange ao direito de família, a influência deste princípio é ainda mais visível e necessária, figurando ao lado da liberdade na busca da compatibilidade entre ambas, a fim de permitir o equilíbrio possível. [10]

Nas palavras de Paulo Lôbo: “[...] a Constituição e o direito de família brasileiros são integrados pela onipresença dos dois princípios fundamentais e estruturantes: a dignidade da pessoa humana e a solidariedade. […] O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destaca, a saber: o princípio da convivência familiar, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança.”[11]

Amparado aos princípios expressos na Constituição Federal é possível vislumbrar e aceitar a ocorrência implícita do princípio da efetividade que tem pautado as relações familiares.

Sabendo que seus direitos estariam sempre resguardados os homens passaram a viver seus relacionamentos com autenticidade. Neste ínterim as pessoas passaram a viver relações mais verdadeiras, podendo amar e se dedicar a quem quiser e não somente a quem a lei impor.

  1. O Afeto na Legislação Infraconstitucional.

A pesar de implícito na Constituição Federal a afetividade já está explicita em outras leis esparsas, como por exemplo:

a) na definição de família pela Lei Maria da Penha Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, Art. 5º, III);

b) para definir do destino do adotante (Lei da adoção – Lei 12.010/2009, art 25, parágrafo único e art 28, §3);

c) na lei de Alienação Parental é um fundamento para repressão de tal prática (Lei nº 12.318/2010 – Art. 3º);

d) é critério utilizado para concessão de guarda unilateral (art. 1.583, §2, I); e na guarda com terceiros (art. 1.584, §5);

No tocante especificadamente ao assunto filiação no Código Civil, é possível encontrar muitos artigos que privilegiam as relações fundadas no afeto, o art. 1.593, em que se verifica um apelo à igualdade, seja qual for a origem da paternidade, será reconhecida e digna. O art. 1.596, que reafirma e reproduz o art. 227, § 6º da Constituição Federal, deixa de lado qualquer tipo de preconceito que possa existir para com os filhos socioafetivos. Pelo art. 1.597, inciso V, a mulher casada poderá ter autorização do marido para fazer inseminação artificial na constância do casamento. Este filho será exclusivamente socioafetivo por parte do pai e jamais poderá ser contraditado por investigação de paternidade. Já no art. 1.605, as possibilidades nesse caso são amplas, e as presunções são verificadas em cada caso. Por fim, o art. 1.614, que demonstra que o filho tem a liberdade de rejeitar a filiação. No primeiro caso, se o filho maior não reconhecer a paternidade mesmo esta sendo biológica, não será admitida. E, no segundo caso, o filho menor pode impugnar a paternidade até quatro anos após completar 18 anos. [12]

  1. A Posse do Estado de Filho.

Diante da necessidade de se reconhecer juridicamente uma situação fática a doutrina criou do conceito de posse do estado de filho que nos remete a tríade nomem, tractus e fama. Assim, é necessário que o menor carregue o nome da família, seja tratado como filho e sua condição oriunda da filiação seja reconhecida socialmente. Este tripé que garante a experiência de família e nele o pressuposto o afeto. [13]

Este conceito de posse do estado de filho já foi reconhecido em países como França, Espanha, Itália, Bélgica, Portugal, Bolívia, Uruguai, Argentina e Venezuela.

No mais o Conselho da Justiça Federal, na 1° jornada de Direito Civil indica no enunciado n° 103 sobre o art. 1.593 do Código Civil:

Enunciado n° 103 da CJF: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente a adoção, acolhendo assim, a noção de que há também parentesco civil do vínculo parental proveniente quer de técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da parentalidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.

O enunciado 256 do Conselho da Justiça Federal versa sobre o mesmo assunto:

Enunciado n° 256 da CJF: Art. 1.593: A posse do estado de filho parentalidade socioafetiva constitui modalidade de parentesco civil.

A posse do estado de filho pode originar de diversas situações como por exemplo: adoção “a brasileira”, reprodução assistida heteróloga, da relação de padrastio e madrastio, dentre outras.

A posse do estado de filho advém da aparência de ser filho, ou seja, assim com a posse de um imóvel, ser possuidor não é ser proprietário, no caso de posse do estado de filho a doutrina quis usar a mesma lógica, a aparência, estar na posse do estado do de pai é estar cuidando, estar dando o suporte necessário, ser desprendendo afeto.

  1. Da Parentalidade Socioafetiva.

Sendo o afeto o guia contemporâneo no direito de família, utilizado para definir relações onde há ou não laços biológicos, no entanto sofre o judiciário com a lacuna legislativa no que tange as relações baseadas somente no afeto e nada mais.

Ao ser reconhecido o vínculo entre pai e filho ou mãe e filho baseado no afeto, instituindo a filiação outras dúvidas surgirão, diversos outros institutos poderão ou não ser aplicados, inúmeras outras pessoas serão envolvidas e diversos direitos serão afetados.

  1. Consequências Jurídicas do Reconhecimento da Parentalidade Socioafetiva.

A primeira dúvida presente consiste na extensão da parentalidade socioafetiva. Christiano Cassettari afirma que: “[...] todas as regras de parentesco natural se aplicam também ao socioafetivo.” [14]

Ou seja, a árvore genealógica será alterada, assim sendo uma criança que for adotava baseando tal adoção na socioafetividade ganhará também irmãos socioafetivos (se estes não forem biológicos), avós socioafetivo, tios, primos e todos os outros respectivamente. Assim, também ocorrerão todos os impedimentos no que tange ao casamento descritas no art. 1.521 do Código Civil.

Assim como a extensão que se dá aos novos parentes a parentalidade socioafetiva faz aumentar o espectro de pessoas que possam prestar alimentos, já que o art. 1.694 do Código Civil é bastante abrangente quando usa a palavra “parente”.

O art. 1.696 do mesmo diploma legal, que teve interpretação dada pelo Conselho da Justiça Federal:

Art. 1.696 do Código Civil: O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Enunciado 341 do CJF: Art 1.696. Para fins do art 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.

Dessa forma, é possível perceber que o filho socioafetivo pode pedir alimentos a seus pais, e vice-versa. Assim como o enunciado 341 acima citado e jurisprudências no mesmo sentido.

O art. 229 da Constituição Federal no mesmo sentido que o art. 1.696 do Código Civil que dá direitos recíprocos de prestação de alimentos entre pais e filhos. No entanto, todos sabemos que o dever de prestar alimentos está baseado no binômio necessidade-possibilidade, e da mesma forma que deve ser feito em processos de prestação de alimentos de parentalidade biológica, também deve ser feito nos processos de alimentos que envolvem a parentalidade socioafetiva.

Assim como o direito a alimentos, quando se tem parentalidade socioafetiva se tem direito a visitação.

Aquele que não tiver a guarda o filho poderá tê-lo em sua companhia, bem como os avós, observado os interesses da criança ou do adolescente.

No mesmo sentido pode-se falar na guarda dos filhos socioafetivos. Como é sabido a guarda pode ser unilateral ou compartilhada – art. 1.583 do código civil. A guarda do menor poderá ser concedida aos parentes socioafetivos em detrimentos dos biológico. No mais se o pai e a mãe são socioafetivos o menor deve ficar com aquele que poderá lhe dar melhor bem estar.[15]

Ligado ao direito de família, mas dentro do direito eleitoral está a questão da inelegibilidade em razão da filiação. Tal vedação está descrita no art. 14, §7 da Carta Magna. Faz-se importante frisar que o texto legal diz: “[...]o cônjuge e os parentes consanguíneos e afins, até o segundo grau ou por adoção [..]”, não faz menção ao parentesco socioafetivo, mas como já exaustivamente explicado estes são equiparados a tais.

Outra questão não menos importante está na previdência social,  havendo parentalidade socioafetiva, haverá, também, a necessidade de se reconhecer direitos previdenciários. Isso porque os filhos socioafetivo, menores de 21 anos ou inválidos, desde que não tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade, terão direito a pensão por morte. Igual direito será conferido aos pais e irmãos socioafetivo, estes últimos não emancipados, menores de 21 anos ou inválidos. Isso em nome do princípio da igualdade.[16]

Até mesmo no direito do trabalho, em 2009 o Tribunal Superior do Trabalho, concedeu 90 dias de licença adotante a um pai solteiro com o seguinte fundamento: “o art. 5º da Constituição Federal que trata da isonomia entre homem e mulher e ainda no melhor interessa da criança que necessita no período de adaptação desenvolver laços de afetividade com o seu pai adotante.”, processo CSTJ 150- 2008-895.15.00.0.

Por último, insta salientar a sucessão em relação a parentalidade socioafetiva. Deve-se encarar 2 situações: a) quando a parentalidade socioafetiva fora declarada antes do falecimento; b) quando não houve declaração de parentalidade socioafetiva antes do falecimento.

No caso da primeira situação, não há o que se questionar, se já houve reconhecimento da paternidade socioafetiva, estabelecendo o parentesco na abertura da sucessão o ente será tratado pelo grau de parentesco que fora estabelecido. Ou seja, este já deverá constar na lista de herdeiros.

Já, no segundo caso, será necessário, em primeiro lugar conseguir o reconhecimento do vínculo de afetividade, para depois adentrar a sucessão.[17]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na história do direito de família, os conceitos de todas as instituições que a cercam, apresentam grandes variações dependendo do momento evolutivo e cultural, bem como os valores, tradições e costumes que a humanidade tem a oferecer naquele determinado momento.

Dessa nova realidade social, não regulada juridicamente surgiu na doutrina o conceito de posse do estado de filho, que gradativamente foi sendo aceito pelos tribunais e hoje é tema pacífico.

Passou-se a entender o afeto como princípio constitucional implícito, baseado no supra princípio da dignidade da pessoa humana e alicerceado também nos princípios da solidariedade e da autonomia da vontade.

 Apesar da falta de uma legislação especifica no tocante a filiação socioafetiva, a legislação pátria tem demonstrado inúmeros avanços quando se trata de afeto valorizando-o principalmente quando o assunto em pauta é um menor, exemplo crasso é a lei de Alienação Parental.

No entanto, ainda que inexistente uma legislação sobre filiação socioafetiva e seus efeitos a doutrina e a jurisprudência, tem tentado dirimir tal lacuna e encampar este fato social.

Para o reconhecimento de um filho socioafetivo no Brasil hoje a única saída é a adoção deste, mas, se tudo fosse simples o judiciário não estaria abarrotado de ações onde a palavra-chave é afeto. São raríssimos os casos que se faz a adoção do filho socioafetivo, destituindo o pai ou a mãe biológica, na maioria das vezes cria-se, doa-se, ama-se, educa-se sem adotar e pensar na posterioridade.

A posse do estado de filho pode trazer muitas outras consequências, dentro e fora do direito de família. E para isso a doutrina majoritária tem partido da premissa de que todos os filhos são iguais, sejam elas de sangue ou de coração, como dizem os ditados populares.

Partindo do ponto de que essa premissa seja verdadeira, comprovado os requisitos da filiação socioafetiva, de todos os bônus e ônus o filho e o pai/mãe poderão gozar dessa relação, ou seja, haverá uma extensão da parentalidade (para irmãos, tios, avós, primos, dentre todos os outros membros da família), alimento, visitas, guarda, direitos previdenciários, impedimentos eleitorais e direito sucessório.

Os julgados de diferentes Tribunais do Brasil têm mostrado que a socioafetividade é uma realidade social e estes Tribunais têm respaldado suas decisões em outros princípios e mostrado que a relação baseada no afeto merece o amparo legal.

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[1] “O direito se parece com a necessidade histórica da sociedade que o produziu; é portanto uma produção cultural e um reflexo das exigências dessa sociedade.” (CASTRO, 2013, p.4)

[2] (PÓVOAS, 2012, p. 26)

[3] (PEREIRA, 2005, p. 185)

[4] Na ordem pré-constitucional, o direito civil ocupava-se essencialmente com as relações patrimoniais – do proprietário, do contratante, do marido, do testador. No sistema atual, ao revés, o constituinte, ao eleger a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e subordinar as relações jurídicas patrimoniais a valores existenciais, consegue assim despatrimonializá-las: os institutos dos direitos civis têm proteção condicionada ao atendimento de sua função social, cujo conteúdo é definido fora da órbita patrimonial. No que tange à filiação, o extenso conjunto de preceitos reguladores do regime patrimonial da família passa a ser informado pela prioridade absoluta à pessoa do filho. (TEPEDINO, 2002, p. 395)

[5] (FIJITA, 2011, p.113)

[6] (WELTER, 2009, p 55)

[7] Jacqueline Filgueiras Nogueira (2001)

[8] (PÓVOAS, 2012, p. 73).

[9] [...] o art. 226, §6 da Constituição Brasileira de 1.988 assimila o marco ora tratado da nova família, com contornos diferenciados, pois prioriza a necessidade da realização da personalidade de seus membros, ou seja, a família-função, em que subsiste a afetividade, que por sua vez justifique a permanência da entidade familiar. Esta é a família constitucionalizada [...]. (PEREIRA, 2005, p. 183).

[10] Pode-se dizer que a solidariedade é um elemento conformador dos direitos subjetivos, é a superação do individualismo jurídico. Há que se ter um equilíbrio entre os espaços privados e públicos e a interação entre os sujeitos torna-se necessária, fazendo com que a solidariedade seja um elemento conformador dos direitos subjetivos. Apenas após a Constituição Feral de 1988, a solidariedade veio a surgir como princípio jurídico fundamentado e sua regra matriz está no art. 3º, inciso I da Constituição Federal. Antes de estar inscrita como princípio jurídico, a solidariedade era concebida como dever moral[...]. (SOUZA, s.a., p.11)

[11] (LÔBO, 2009, p. 327)

[12] (SOUZA, s.a ,p. 18)

[13] (PEREIRA, 2005, p. 1185)

[14] (2014, p. 106).

[15] Assim sendo, verifica-se que tento o pai quanto a mãe socioafetivo terão direito à guarda do filho, pois não há preferência para o exercício da guarda de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser biológica ou afetiva, pois o que deve ser atendido é o melhor interesse da criança.  (CASSETTARI, 2014, p.117)

[16] (CASSETTARI, 2014, p.135)

[17] Plausível, contudo, o ajuizamento de demanda declaratória de paternidade socioafetiva, confirmando todos os efeitos da filiação, inclusive os sucessórios, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade e melhor interesse da criança e do adolescente. [...] Assim, reconhecendo a presença dos elementos caracterizadores da posse do estado de filho e a plena igualdade entre a filiação, mostra-se a inexistência de razões que impeçam a declaração da paternidade socioafetiva e, consequentemente, todos os seus efeitos sucessórios e obrigacionais. A paternidade socioafetiva não pode ser concebida através de uma presunção, inclusive por se tratar de construção doutrinária, sem expressa previsão legal, cabendo ao julgador o dever de examinar, no caso concreto, a veracidade do vínculo afetivo, com a consequente declaração de existência de tal forma de paternidade. (FREITAS, s.a, p.22)