A verdade

Por josé maria couto moreira | 23/03/2016 | Crônicas

A verdade

José Maria Couto Moreira*

O Brasil quer a verdade. O tolerante e pacífico povo brasileiro quer a verdade. Mas, também, algo além da verdade. Ainda outro dia, provocando enorme indignação e revolta da opinião pública, exibiu a TV a parlapatice do coronel que tem o nome pomposo de Brilhante Ustra, um dos carrascos do regime ditatorial, ovelha desgarrada de nosso glorioso Exército Nacional. Como um Robespierre tropical, gesticulando e condenando ideologia política de presos políticos a pretexto de se escusar das acusações de sumo torturador daquele período trágico de nosso passado recente, insistia em negar-se responsável pelos imensos traumas que causou a centenas de famílias brasileiras e à nossa própria história. Com certeza desconhece o coronel Ustra o triste fim daquele delirante francês, que acabou cedendo o pescoço à guilhotina para pagar suas teorias exclusivamente egoísticas de negativa de outra ordem que não a sua.
Não merece este indivíduo, clamamos nós, viver um futuro tranquilo, como fosse um triunfador. Depois de publicamente receber a acusação e o testemunho de um ex-colega, que o reconheceu como senhor da vida e da morte daquelas noites tenebrosas vividas por brasileiros nos porões do Doi-Codi, sacrificados tão-somente pelo fato de divergir de regime que era, efetivamente, de exceção, ao então depoente não se permitirá livrar-se dos grilhões da culpa. Para requintar as brutalidades cometidas naquela dependência, havia também a exposição dos cadáveres de presos, segundo depoimento patético do ex-militar presente à sessão da Comissão da Verdade. Não há legislação, ainda que editada para remir faltas recíprocas, em que se poderá apoiar o torturador confesso. Não há regra de ordem pública que possa acolher um criminoso que valeu-se de sua patente e de sua posição funcional para infligir castigos físicos segundo ditava sua convicção canhestra de corregedor político. Foi assim com os comandantes do holocausto, que pagaram perpetuamente (alguns com a vida) suas abundantes culpas por aquele extermínio terrível de inocentes, mancha inapagável de nossa civilização, ocorrido há sessenta anos passados. A surrada escusa de haver cumprido ordens não é alegação que se preza. Não há prescrição para obras diabólicas, porque tais ações são comparáveis apenas com as de aliados de um dragão da maldade, e a humanidade jamais a aceitará.
É lamentável que a justiça carioca tenha concedido a este torturador, inimigo da paz social e dos princípios elementares de direito e do respeito à pessoa, salvo-conduto para permanecer em silêncio por ocasião da audiência havida, realizada pela Comissão da Verdade.
Seguiremos apurando a verdade, toda a verdade, para que os praticantes da violação aos direitos humanos recebam, por sua vez, a condenação da sociedade e, principalmente, de nossa história, cuja tradição é a de sempre compactuar com soluções legalistas, irrestritamente.
Todos juntos para apagar este labéu deixado pelos carniceiros de plantão.

*Procurador do Estado

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