SINOPSE DO CASE: A validade do aval sem autorização do cônjuge[1]

 

Lavínia Feitosa Silva Assunção[2]

José Murilo Duailibe Salem Neto[3]

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O caso narra o seguinte fato: João de Deus emitiu um cheque em favor de Maria José, tendo como seu avalista Antônio Francisco, casado pelo regime legal, porém sem a autorização da sua esposa. Por conseguinte, praticamente um ano depois, Maria José apresenta o cheque para pagamento, porém João de Deus não possuía o saldo suficiente em conta. Logo após este acontecimento, Maria José tornou a apresentar o cheque e mais uma vez o resultado se repetiu. Passados alguns meses, a mesma entrou com uma ação monitória contra João de Deus e Antônio de Deus, que se eximiram da culpa, respectivamente, por falta de provas que comprovassem a relação que gerou o cheque e pelo fato do aval não ser válido por conta da não outorgação da sua esposa.

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das decisões possíveis

  •  Manutenção do aval
  • Extinção do aval

 

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

 

2.2.1Manutenção do cheque

Entende-se por cheque:

Uma promessa indireta de pagamento feita pelo emitente cujo conteúdo, tal como na letra de câmbio, corresponde a uma ordem de pagamento a um Banco ou Instituição Financeira assemelhada para pagar uma quantia determinada ao emitente ou a terceiro, havendo fundos disponíveis em poder do sacado. (COSTA, 2008: 323)

 

Sendo esse, julgado como um negócio jurídico, primeiramente deve se notar se houve a válida realização do princípio da autonomia, pois segundo GAGLIANO e PAMPLONA, “contrato sem vontade não é contrato” (p. 72, 2012). Dessa forma, utilizando-se desse mesmo princípio ao se tratar das obrigações cambiais, ULHOA afirma, que “pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento” (p. 1274, 2012). Além disso, vale-se utilizar do princípio da literalidade,

Segundo o qual somente produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título de crédito. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título. (p. 1271, 2012)

 

Por fim, utiliza-se do princípio da cartularidade, no qual, segundo ULHOA, assegura que o sujeito portador do título possa satisfazer o seu direito comprovando ser o titular.

Mediante ao que foi apresentado, e a indagação referente ao case, é válido ressaltar que:

O aval é uma obrigação de natureza autônoma, formal, lançada na própria cártula, e regida por lei especial. Decorre da simples assinatura do avalista no título, tornando-o devedor solidário, podendo inclusive ser compelido antes mesmo do avalizado, a adimplir o valor. O avalista, não pode invocar como defesa, causas relativas à origem do título, em face dos princípios que o regem, a saber, princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia. (LOPES, 2010)

 

Sendo assim, não é aceitável a posição de João de Deus, afirmando que o aval é inválido, pela ausência de autorização de seu cônjuge. Pois:

O artigo 1.647, III do Código Civil está inserido no Capítulo I, Subtítulo I, Título II do Livro IV, que normatiza o Direito de Família.As normas ali apuradas, portanto, revelam-se reguladoras das relações familiares, ainda que seus efeitos alcancem terceiros, o que acentua ainda mais a observância prefacial realizada neste estudo no sentido de que a intenção do artigo sob exame não era tornar nulo nem anulável o aval prestado sem consentimento do cônjuge, mas simplesmente preservar a respectiva meação. (TEIXEIRA, 2008)

De acordo com isso, há decisões jurisprudenciais, que implicaram que mesmo sem a outorga do cônjuge não há no que se falar em nulidade do aval.

EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO DE CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. MULHER CASADA. DÍVIDA CONTRAÍDA PELO MARIDO, EXECUTADO COMO AVALISTA. Aquele que assume a posição de devedor solidário em um contrato responde pelas obrigações dele decorrentes. AVAL. OUTORGA UXÓRIA. Prestado o aval no título apenas por um dos cônjuges, a ausência de outorga uxória não implica em nulidade. Incidência do art. 3º da Lei n.º 4121/62. AVAL PRESTADO DE FAVOR. ÔNUS DA PROVA DO CREDOR. RESGUARDO DA MEAÇÃO. Tendo o aval sido prestado graciosamente pelo co-executado, esposo da embargante, o ônus de demonstrar que a obrigação contraída no negócio não veio em benefício da família reverte-se para o credor. Inexistindo nos autos prova de que o avalista foi beneficiário da obrigação, cabível o resguardo da meação da mulher. Recurso conhecido em parte e, nesta parte, parcialmente provido. (Apelação Cível,Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 18/05/2005.)

Portanto, estima-se somente a manutenção do aval, não sendo julgada a sua nulidade. Contudo, para finalizar, opondo-se as argumentações propostas por João de Deus para se eximir da obrigação contatada através do aval no cheque à Maria de Jesus, é cabível fundamentar que, de acordo com a A Lei 2.044/1908, no artigo 14, “O pagamento de uma letra de câmbio, independente do aceite e do endosso, pode ser garantido por aval. Para a validade do aval, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, no verso ou no anverso da letra. ”

Além disso, destaca-se o artigo 42, desta mesma Lei, “As obrigações cambiais, são autônomas e independentes umas das outras. O significado da declaração cambial fica, por ela, vinculado e solidariamente responsável pelo aceite e pelo pagamento da letra, sem embargo da falsidade, da falsificação ou da nulidade de qualquer outra assinatura”. Ou seja, como já expresso, a relação jurídica do avalista com o avalizado se torna uma obrigação principal, independente de outras obrigações a serem contratadas.

É sabido que, o Brasil aderiu, em 1942, a “Lei Uniforme do Cheque”, proveniente da Convenção de Genebra, do qual ele faz parte. Isto deu-se justamente para “evitar as dificuldades originadas na diversidade de legislação nos vários países em que as letras circulam e aumentam assim a segurança e a rapidez das relações do comércio internacional” (TEIXEIRA, 2008). No entanto, segundo esta mesma Convenção, o artigo 25 também considera que, o aval resulta da simples oposição da assinatura do avalista”, não fazendo menção em nenhum momento sobre a outorga do cônjuge para a validação do aval.

Por fim “o avalista, mesmo que o avalizado tenha bens suficientes ao integral cumprimento da obrigação cambiária, deve honrar o título junto ao credor, se acionado, e depois, cobrá-lo em ação de regresso. ” (ULHOA, p. 1396, 2012)

 

2.2.2Extinção do cheque

Conforme previsto:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.(LOPES, 2010)

Em acordo, vale ressaltar os interesses econômico resultantes do casamento, assegurando.Sendo assim, considerando o que informa a Lei, o aval prestado por João de Deus deve ser nulo, uma vez que este foi realizado sem o consentimento de seu cônjuge, conforme expresso em sua fundamentação, sendo este casado pelo regime universal de bens, regulado pelos artigos. 1.667 a 1.671, “implica na formação de uma única massa de bens indivisíveis. Tantos os bens presentes como os futuros se comunicam, ficando todos eles sujeitos a responder pela obrigação contraída unilateralmente pelo parceiro”.

Contudo, em julgamentos referentes a ausência da outorga do cônjuge, foi expresso o seguinte fundamento: “se a mulher não concordou, o que constitui não só solução errada, como solução que borra todas as questões e como que desconhece todos os argumentos a favor e contra cada um dos problemas suscitados” (Câmaras Conjuntas da Corte de Apelação do Distrito Federal).

2.3 Descrição dos Critérios e Valores contidos em cada decisão possível

  • Princípios da Autonomia; Cartularidade; Titularidade. Requisitos de validade do Aval. Sentenças.
  • Legislações. Sentenças. Aspectos do Aval.                                                                                                  

 

REFERÊNCIAS

LOPES. Silvana Boschini. Artigos Jus Navigandi. Curitiba, 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17688/aspectos-polemicos-a-respeito-do-aval-prestado-sem-a-autorizacao-conjugal-na-visao-dos-tribunais>

TEIXEIRA, Paulo Ricardo Gois. Aval tem validade mesmo sem a autorização do cônjuge. Revista Consultor Jurídico, 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mar-10/aval_validade_mesmo_autorizacao_conjuge>

BRASIL.DECRETO Nº 2.044, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1908.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL2044.htm>

COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Civil. V. 1. 16. Ed. São Paulo: Sairava, 2012.

 

[1] Sinopse do Case apresentada à disciplina Processo de Conhecimento II do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 5º período de Direito da UNDB

[3] Professor Esp. da disciplina Processo de Conhecimento II da UNDB.