A VACINAÇÃO INFANTIL E O EMBATE ENTRE O PODER FAMILIAR E O PODER DE INTERVENÇÃO DO ESTADO

Por Camila Ciriaco Sousa | 28/05/2024 | Direito

A VACINAÇÃO INFANTIL E O EMBATE ENTRE O PODER FAMILIAR E O PODER DE INTERVENÇÃO DO ESTADO 

 

CAMILA CIRIACO SOUSA

 

 

RESUMO

 

Este trabalho acadêmico aborda o embate entre o Poder Familiar e o Poder de Intervenção do Estado nos casos de vacinação infantil, tendo em vista que a vacinação infantil é obrigatória no Brasil. Tem como objetivo analisar qual direito prevalece na escolha de vacinar as crianças: o Poder Familiar ou o Poder de Intervenção do Estado. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico e documental, com propósito exploratório e de abordagem qualitativa. Tem motivação embasada na necessidade de compreender as limitações do poder familiar e qual a extensão do Poder de Intervenção do Estado na proteção da criança e do adolescente. Questiona-se, no presente estudo, se o Estado pode efetivamente intervir de forma coercitiva no que tange a proteção de incapazes contrariamente à vontade de seus genitores no caso da vacinação infantil obrigatória. Ao término da pesquisa, constatou-se que o poder de intervenção do Estado se sobrepõe ao poder familiar na escolha de vacinar a criança ou o adolescente e exerce o paternalismo jurídico como forma de proteção dos direitos fundamentais do menor e da saúde pública. 

 

Palavras-chave: incapazes, poder familiar, intervenção estatal, vacinação obrigatória. 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, é obrigatória a vacinação infantil e é recomendado pelas autoridades de saúde que os pais sigam o Calendário Vacinal que contém vacinas consideradas obrigatórias e necessárias para a saúde da criança.

Porém, devido a causas ideológicas tais como religião, veganismo, crenças, ou até mesmo por dúvidas a respeito da vacina e sua eficácia, os pais decidem não vacinar os seus filhos.

Diante disso, há uma contrariedade de decisões a respeito da saúde do menor e um embate em quem deve prevalecer na tomada de decisão da vacinação das crianças e adolescentes, o poder familiar ou o poder de intervenção do Estado na tutela do menor. 

Nos últimos tempos a pandemia do vírus da COVID-19 trouxe à tona a discussão da obrigatoriedade da vacinação, principalmente quando se trata da vacinação infantil, pois fora do contexto pandêmico esta sempre tem caráter obrigatório. 

O tema, portanto, se tornou de grande relevância a despeito não só do direito à saúde, mas também do direito à liberdade de consciência e a aplicação das crenças ideológicas de um adulto na criação da criança ou adolescente.

Além disso, o direito à liberdade tem sido discutido constantemente no país, principalmente quando se trata das limitações impostas pelo Estado e a capacidade de intervenção do Estado, o que leva sempre à discussão do limite do direito à liberdade.

Desta forma, a problemática do assunto se dá na colisão de direitos da liberdade de exercer o poder familiar conforme suas crenças e ideologias e do poder de intervenção do Estado que tutela direitos coletivos e referentes à criança e o adolescente por meio do instituto do paternalismo jurídico. 

Assim, o presente trabalho teve como objetivo geral analisar qual direito prevalece diante do embate entre o poder familiar e o poder de intervenção do Estado, uma vez que diante da incapacidade civil do menor é inviável que este possa decidir a respeito da sua vacinação, principalmente quando trata-se de crianças, sem a capacidade necessária de discernimento para esta escolha.

Teve como objetivos específicos discorrer sobre a vacinação no ordenamento jurídico brasileiro, compreender qual a extensão do Poder Familiar na tutela da criança e do adolescente e entender o Poder de Intervenção do Estado na tutela das crianças e adolescentes.

Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico e documental, e utilizou-se, portanto, de doutrina, artigos científicos, leis e jurisprudências, com propósito exploratório e abordagem qualitativa.

O capítulo 2 aborda, primeiramente, o contexto histórico do surgimento da vacinação, como forma de levar o leitor a compreender quais fatos históricos levaram à hesitação vacinal que faz com que os pais não vacinem seus filhos. Posteriormente é abordado o histórico das políticas de vacinação no Brasil, como maneira de elucidar o funcionamento da vacinação no Brasil e o que levou às políticas de vacinação atuais. Disserta-se, ainda, a respeito das medidas coercitivas regulamentadas para obrigatoriedade da vacinação e ao final do capítulo é discutido o declínio no número de imunizações e suas causas ideológicas.

No capítulo 3 é delineada a definição de poder familiar, como maneira de levar o leitor a compreender melhor a respeito deste instituto jurídico. Posteriormente é abordado os deveres do exercício do poder familiar para ajudar a definir sua extensão, e com este mesmo objetivo, é abordado as liberdades e limitações no exercício do Poder Familiar.

Já no capítulo 4, último capítulo, é discutido a saúde pública como bem comum a ser zelado, como forma de evidenciar o dever e função da sociedade na manutenção da saúde pública. Na sequência é explanado a importância da vacinação infantil na manutenção da saúde pública, é abordado o princípio do melhor interesse do menor objetivando compreender como este princípio influencia a intervenção do Estado na tutela  da criança e do adolescente e, por fim, são colacionadas jurisprudências brasileiras a respeito da vacinação infantil obrigatória.

 

2 A VACINAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 Breve história do surgimento da vacina

Primeiramente, faz-se necessário entender o surgimento e evolução da vacinação, uma vez que a recusa à imunização ocorre também por fatores históricos e políticos que influenciam até os dias de hoje.

A primeira vacinação formal ocorreu após experimento de Edward Jenner em meados de 1796, em que ele observou que as ordenhadeiras contaminadas com a varíola bovina tempo depois apresentavam imunidade à doença ou contraíam novamente, mas de forma mais branda. Desta forma, ele decidiu inocular material purulento da ferida de uma ordenhadeira que contraíra a varíola em uma criança de oito anos e tempos depois comprovou que a criança estava imune contra a varíola humana. (FERNANDES et al., 2022, p. 15)

A vacinação de Edward Jenner foi  considerada a primeira formal por conta do reconhecimento e da influência do feito na medicina, mas há outros registros de inoculação de vírus ao longo da história, utilizados como forma de prevenção de doenças infecciosas como a varíola.

Mais tarde, Louis Pasteur testou a teoria de Jenner ao atenuar cepas de uma bactéria para a imunização de galinhas contra a cólera aviária. Ele chamou essa cepa atenuada de vacina, derivado do latim vacca, que significa vaca, em referência ao experimento realizado por Edward Jenner. (FERNANDES et al., 2022, p.15).

Atualmente está claro que o método da inoculação na vacinação não é totalmente seguro, mas ao ser utilizado experimentalmente foi efetivo e utilizado por vários outros médicos e pesquisadores durante algum tempo como forma de prevenção de doenças infecciosas. 

A vacinação, ainda no seu surgimento, não foi totalmente aceita, alguns acreditavam que a varíola era um castigo divino e por isso não deveria ser tratada, outros alegavam haver mudanças de comportamento após a vacinação, deixando as pessoas “berrando como uma vaca e atacando como um touro”. Em alguns lugares a vacinação por inoculação chegou a ser proibida (ERMAN, 2022).

Isto mostra que a vacinação, desde o seu surgimento, enfrentou dificuldade com posicionamentos contrários e contradições quanto a sua eficácia, bem como notícias falsas e sem comprovação científica, principalmente em uma época que não havia aparatos científicos suficientes para pesquisa ou meios de comunicação suficientes para propagação de informações.

Ainda assim, em alguns lugares como na Rússia, em 1814, a vacinação foi aceita pelo Império Russo e foi criada a Comissão da Vacinação contra Varíola, instituindo a vacinação opcional e em 1813, nos Estados Unidos, foi instituída a Agência Nacional de Vacinas. Na Grã-Bretanha, em 1853, as crianças deveriam ser vacinadas durante os três primeiros meses de vida, ou os pais seriam multados ou presos. Assim, a vacinação tornou-se obrigatória pela primeira vez no mundo (ERMAN, 2022).

Com estas medidas, as autoridades sanitárias de  diversos países passaram a ver diminuição no número de casos das doenças que contavam com vacinação, assim a imunização foi aceita quase que mundialmente e teve reconhecida a sua importância para a saúde pública.

 

2.2 Histórico das políticas de vacinação no Brasil

 

É necessário entender a evolução das políticas de vacinação brasileira até os dias atuais, uma vez que esta pesquisa é voltada para o ordenamento jurídico brasileiro. Assim como no resto do mundo, o Brasil teve uma relação conturbada com a política de vacinação obrigatória. 

A vacina foi trazida ao Brasil pelo Marquês de Barbacena, utilizando-se do método de Edward Jenner, criador da vacina da varíola, e do método seguro de vacinação e precursor do utilizado nos dias atuais. Diferentemente do que, na mesma época, era realizado por Francisco Mendes que praticava inoculação, método não seguro, de introduzir na pele material contaminado com vírus atenuado (BUTANTAN, 2021).

Há controvérsias quanto quem foi responsável pela chegada da vacinação no Brasil, assim como há quanto a própria invenção da vacina, porém considera-se o Marquês de Barbacena o responsável, por utilizar-se de método seguro e institucionalizado.

A primeira política de vacinação obrigatória no Brasil aconteceu em 1837, no Brasil Imperial, no qual foi estabelecida a imunização compulsória das crianças contra a varíola. Mais tarde, em 1846, foi criado o Instituto Vacínico do Império, regulamentado pelo Decreto nº 464, de 17 de Agosto de 1846 (BRASIL, 2017).

 Em 1904, no Brasil república, diante da epidemia de varíola que assolava o território brasileiro e diversos outros países, além de questões políticas e problemas de saneamento básico na cidade do Rio de Janeiro, se fez obrigatória a vacinação contra esta infecção (SEVCENKO, 2013, p. 8).

Segundo o que conta Úrsula de Azevedo (2022, p. 1120): 

 

As brigadas sanitárias da época adentravam as casas e vacinavam as pessoas sem o consentimento delas. Mesmo com a oposição dos meios de comunicação da época e da manifestação popular, Oswaldo Cruz foi o responsável pela medida radical e obrigatória e acabou por ocupar uma posição política que lhe possibilitou trabalhar na estruturação da Saúde Pública do Brasil. Oswaldo Cruz então assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública, cargo que na época equivalia ao de ministro da Saúde, e torna a cidade do Rio de Janeiro um grande laboratório de combate a doenças infectocontagiosas.

 

Porém, tal obrigatoriedade e “brutalidade” da campanha comandada por Oswaldo Cruz enfureceu boa parte da população e resultou na conhecida e histórica Revolta da Vacina.

Segundo a oposição ao governo vigente da época, os métodos utilizados pelos agentes sanitários eram truculentos (SEVCENKO, 2013, p. 8). Ainda segundo Úrsula de Azevedo (2022), a revolta resultou em  23 mortos, 67 feridos e 945 pessoas presas e transferidas para o estado do Acre e submetidas a trabalhos forçados.

Diante da insatisfação da sociedade o governo foi obrigado a suspender a obrigatoriedade da vacina e declarar estado de sítio em 16 de novembro de 1904, porém aqueles que quisessem casar, estudar ou trabalhar deviam estar vacinados para ter estes direitos (CASSIANO, 2022). A vacinação tornou-se, portanto, compulsória por meio de medidas coercitivas.

Assim, percebe-se que a vacinação obrigatória não é algo atual, principalmente a vacinação compulsória de crianças. Porém, diante das tragédias ocorridas em meio a Revolta da Vacina, criou-se uma hostilidade com a vacinação obrigatória ou medidas coercitivas que as façam necessárias. 

Desta forma, foi necessário uma manutenção da saúde e das aplicações de vacina em massa sem uso coercitivo da força, utilizando-se, agora, de campanhas publicitárias eficientes que chegassem a todos de forma objetiva e clara, no propósito de serem compreendidas por todos os públicos, independente da faixa etária, evitando o receio da população contra a vacinação (CASSIANO, 2022).

Este foi o início de uma nova abordagem de imunização em que diferentemente de  1904, o foco estava em conscientizar a população a respeito dos benefícios da vacina, e não impor a imunização, dando maior liberdade para que os cidadãos pudessem decidir se imunizar.

Em 1971, o Brasil obteve o certificado de erradicação da Varíola e nesta oportunidade foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI), instituído pela Portaria nº 311, de 9 de novembro de 1973. Com a criação do referido programa, o próximo passo a ser tomado foi o da promulgação da Lei nº 6259/1975 regulamentando o Programa Nacional de Imunizações e tornando obrigatória a vacinação básica no primeiro ano de vida (FERNANDES et al., 2022, p. 61). 

A obrigatoriedade da vacinação básica no primeiro ano de vida é fator importante na redução da mortalidade infantil, de modo que a aplicação desta medida foi eficiente neste fim, assim como contribuiu na diminuição de endemias e epidemias.

O PNI é responsável pela distribuição de vacinas em todo território nacional, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilizando gratuitamente 45 imunobiológicos para diferentes faixas etárias. Porém, é o Instituto Butantan responsável por produzir os imunizantes fornecidos pelo PNI. O instituto é o maior produtor de vacinas da América Latina atualmente, sendo responsável por produzir oito tipos diferentes de vacinas (contra raiva, HPV, Hepatite A, Hepatite B, Influenza Trivalente, H1N1, DTPa e Covid-19), (BUTANTAN, 2021).

Isso se dá porque o Programa Nacional de Imunizações é responsável por instituir políticas de organização das vacinações, como o calendário vacinal, mas o Instituto Butantan é um instituto de pesquisa responsável pela pesquisa e produção dos imunobiológicos, tal como ocorreu na pandemia do covid-19, em que o Instituto em parceria com laboratório internacional foi responsável pela criação da vacina CoronaVac. 

Em 1976, foi criado o Programa Ampliado de Imunização das Américas (PAI) para ajudar os países da América a criarem seus programas de imunização, uma vez que o Brasil já era exemplo com a criação do PNI e as vacinações em massa nas epidemias de meningite e poliomielite (BRASIL, 2013).

A esta altura o Brasil já era mundialmente reconhecido pelo seu programa de vacinações e suas conquistas sanitárias. O programa de imunizações do Brasil é exemplo para diversos países.

Mais tarde, a obrigatoriedade da vacinação básica às crianças foi instituída no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8069, promulgado em 13 de julho de 1990, de modo que a inobservância das normas instituídas nesta lei acarretam no cometimento de infração sanitária e possíveis penalidades previstas em lei (BRASIL, 1990).

Além disso, o Brasil foi reconhecido pela Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) por estabelecer uma estrutura capaz de proporcionar a vacinação no combate a doenças infecciosas em um país extenso e populoso. A estratégia de vacinação do Brasil, foi capaz ainda de contribuir para a implementação do plano de erradicação da poliomielite no continente americano entre 1985 e 1994. Não obstante, o Brasil recebeu, ainda, certificado de erradicação da transmissão autóctone do polivírus selvagem, cumprindo critérios estabelecidos por comissão internacional (BRASIL, 2013).

Percebe-se, portanto, o reconhecimento internacional das políticas de vacinação brasileiras e o quão sua eficácia foi capaz de inspirar os programas de imunização de outros países da América. 

A estruturação de um programa de imunização com regulamentação de medidas coercitivas de vacinação proporcionou marcos sanitários importantes para o país, o que mostra que apesar das críticas e movimentos contrários ao programa de imunização nacional, os estudos comprovam a necessidade destas políticas como forma de defesa da saúde pública no combate a doenças infecciosas.

A efetividade do Programa Nacional de Imunizações comprova-se na redução de ocorrência de doenças como difteria, coqueluche e tétano neonatal, bem como a eliminação de doenças como a febre amarela urbana e poliomielite e a diminuição expressiva do número de internações e de óbitos na população infantil por doenças imunopreveníveis (FERNANDES et al., 2022, p. 66).

Atualmente, diante da pandemia da COVID-19, momento em que o Estado decretou calamidade pública, as vacinas contra o vírus foram oferecidas pelo SUS, priorizando os grupos de risco da doença, além de ter sido instituída a sua compulsoriedade por meio da exigência do “passaporte vacinal” para que os cidadãos possam executar algumas atividades, tais como a de viajar em companhias aéreas e adentrar alguns estabelecimentos comerciais e lugares fechados.

 

2.3 Medidas coercitivas regulamentadas para obrigatoriedade da vacinação

 

Atualmente, além das campanhas de conscientização alertando a respeito da importância da vacinação, o Estado conta com medidas coercitivas como forma de incentivo à vacinação e forma de promover a saúde pública, de forma que o exercício de certos direitos ficam condicionados ao cumprimento do dever como cidadão no combate a doenças infecciosas e imunopreveníveis, seja se vacinando, como vacinando os seus filhos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069/1990), lei que dispõe sobre a proteção deste grupo, em seu art. 14, § 1º, torna obrigatória a vacinação infantil: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.” (BRASIL, 1990).

A vacinação de adultos não se mostra obrigatória na legislação brasileira da mesma forma que o caso da imunização infantil. Isto se dá pelo dever do Estado de assegurar o direito à saúde ao incapaz prioritariamente. A vacinação compulsória de adultos se dá em casos específicos de risco à saúde pública, como no caso da pandemia da COVID-19.

Ainda no ECA, os pais são responsáveis por assegurar os direitos, previstos em lei, da criança e do adolescente, guardar e cuidar destes, conforme declara o seu art. 22 (BRASIL, 1990), em conformidade com a Constituição Federal que em seu art. 227 já expressa que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e outros (BRASIL, 1988).

Estas normas são responsáveis por levar aos pais a vacinarem seus filhos por força da lei, seja pela norma específica como é o caso do ECA, seja como forma de manutenção do direito constitucional à saúde e vida do menor.

É estabelecido, ainda, sanções penais diante do descumprimento dos deveres incumbidos legalmente ao poder familiar, aplicando-se pena de “multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”, conforme art. 249 do ECA (BRASIL, 1990).

É perceptível, portanto, que a obrigatoriedade na imunização básica das crianças é dever do Estado e de quem exerce o poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente endossa a necessidade do cumprimento deste dever, uma vez que o Estado já busca fornecer a todos o acesso gratuito aos imunizantes.

 Do mesmo modo entende a lei que regulamenta o Programa Nacional de Imunizações, a lei n. 6259/1975: “art. 3º Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório” (BRASIL, 1975).

Ou seja, o PNI é o responsável por definir a recomendação das autoridades sanitárias a respeito das vacinas que são obrigatórias, gerando força à norma do art. 14, § 1° do Estatuto da Criança e do Adolescente e complementando-a. 

Diante do sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e a disponibilidade das vacinas do SUS é comprovado o cumprimento do Estado quanto a disponibilização de imunização gratuita e eficaz.

Porém, diante da recusa e não adesão da vacinação pelo público os números de cobertura vacinal vem caindo, o que torna necessário endossar as políticas coercitivas de vacinação já que ao longo do tempo estas têm se tornado mais flexíveis.

Assim, ainda na Lei n. 6259/1975, em seus demais artigos, é reforçada a necessidade da fiscalização do cumprimento do programa de imunização no que tange as vacinações obrigatórias, vejamos: “Art. 5º O cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado através de Atestado de Vacinação.” (BRASIL, 1975).

O Estado, no dever de oferecer e prestar serviços públicos de saúde, pretende também comprovar a sua eficácia por meio da fiscalização.

Além disso, como medida coercitiva para vacinação o art. 5º, §3º da Lei do Programa Nacional Imunizações condiciona o pagamento do salário-família aos seus beneficiários à comprovação de atestado de vacinação com as vacinas obrigatórias do Programa de Imunização (BRASIL, 1975).

Ou seja, para que o Estado preste de forma efetiva os demais serviços e benefícios públicos garantidos por lei é necessário que o indivíduo cumpra o seu dever como cidadão e colaborador do Poder Público.

Ademais, a Lei n. 6259/1975 no art. 6º, de âmbito nacional, dá anuência para que governos estaduais, após prévia audiência do Ministério da Saúde, possa propor medidas legais com o objetivo de maior cumprimento das vacinações obrigatórias dentro de seu território e por parte de sua população (BRASIL, 1975).

Como exemplo de políticas estaduais há a do estado de São Paulo que condicionam as matrículas de alunos com até 18 anos de idade, nas escolas públicas e privadas no Ensino Básico, à apresentação da carteira de vacinação (BBC, 2022). Outros estados como Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco e Roraima, diante da queda da cobertura vacinal, implementaram leis estaduais nas quais está previsto que as crianças só poderão frequentar as escolas se estiverem com a carteira de vacinação devidamente atualizada (FERNANDES et al., 2022, p. 78).

Ainda de acordo com a BBC News (2022), a legislação prevê multa aos pais que descumprirem tais normas sanitárias, sob possível acusação de negligência ou até homicídio doloso, nos casos em que ficar comprovado que a criança veio a óbito pela falta da vacina. 

Neste mesmo sentido prevê o art. 10º, VIII, da Lei nº 6437/1977, dispositivo que institui a aplicação de advertência, interdição, cancelamento de licença ou autorização, e/ou multa a quem dificulta ou opõe-se à execução de medidas sanitárias que visem a prevenção das doenças transmissíveis (BRASIL, 1977).

Porém, sabe-se que apesar da previsão legislativa de sanções aos que deixam de vacinar as crianças com as vacinas obrigatórias, a fiscalização e aplicação destas sanções ainda são raras. As medidas coercitivas que obrigam a apresentação de carteira de vacinação para realização de certos procedimentos, como matrícula no ensino básico ou para conseguir acesso a programas sociais do governo, costumam ser mais efetivas.

Ainda, na esfera criminal, o Código Penal Brasileiro prevê em seu art. 268, a responsabilização penal a quem infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, com pena de detenção, de um mês a um ano, e multa (BRASIL, 1940). Esta “determinação do poder público” pode se referir às imunizações consideradas obrigatórias pelo Programa Nacional de Imunizações.

Sobre este dispositivo legal, Masson (2018) afirma que a expressão “determinação do poder público” representa uma ordem emanada das autoridades responsáveis pela realização das finalidades do Estado, tais como: leis, decretos, portarias, resoluções e outros, voltada a preservar a saúde pública.

Neste sentido a portaria nº 597, de 08 de abril de 2004, institui o Calendário de Vacinação Básico com as vacinas consideradas obrigatórias, sendo, portanto, uma ordem a ser respeitada sob pena de incorrer no cometimento de infração de medida sanitária preventiva, art. 268 do Código Penal Brasileiro.

Há ainda projetos de lei em tramitação no congresso que propõem a vacinação obrigatória de forma mais incisiva e regulamentada explicitamente, porém ainda não fazem parte da realidade legislativa do Brasil.

Na esfera cível não há de se falar em dispositivo específico que defina a obrigatoriedade da vacinação, mas há a possível responsabilização dos pais que no exercício do poder familiar deixam de vacinar seus filhos, e disso resulta a contaminação de doença infecciosa, por negligência, omissão voluntária ou imprudência, incorrendo no cometimento de ato ilícito, conforme art. 186 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).

O STF, em decisão, afirmou que é constitucional que o Estado determine a vacinação compulsória dos cidadãos contra à covid-19, conforme prevê a lei n. 13.979/2020 e na recusa da vacinação o cidadão fica sujeito à multa, ao impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrícula em escolas (BRASIL, 2020).

Por conta da promulgação da Lei n. 13.979/2020, lei que busca amenizar os efeitos negativos da pandemia por meio da obrigatoriedade da vacinação, foram diversos os processos movidos contra a aplicação deste dispositivo, pois a fiscalização da vacinação se tornou muito mais efetiva diante da pandemia de COVID-19, infecção de alto risco de mortalidade.

Em outra ocasião, o STF em julgamento da ADPF 754, emitiu parecer favorável à compulsoriedade da vacinação, principalmente no que concerne à vacinação contra o vírus da COVID-19, causador de uma pandemia que acarretou em inúmeras mortes. Conforme acórdão da ADPF 754: 

 

A obrigatoriedade da vacinação é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou a frequência de certos locais por pessoas que não possam comprovar a sua imunização ou, então, que não são portadoras do vírus, conforme, decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 6.586/DF e 6.587/DF (BRASIL, 2022).

 

Desta forma, a compulsoriedade da vacinação no Brasil é uma realidade incontestável há anos e existem aparatos legais que aguardam, algumas vezes, apenas por uma complementaridade na legislação e fiscalização para que sejam executados. 

 

2.4 O declínio no número de imunizações e suas causas ideológicas

 

Apesar da obrigatoriedade da vacinação ser uma realidade no Brasil, como mencionado no tópico anterior, há ainda quem deixe de se vacinar, mesmo que o SUS ofereça as vacinas obrigatórias pelo PNI gratuitamente, por causas ideológicas. 

Acontece que por conta destas causas, os responsáveis pela guarda de criança ou adolescente deixam de vaciná-las também, uma vez que a criança não possui autonomia para tal decisão e a escolha fica por conta dos pais ou tutores que gozam do poder familiar.

Os pais podem decidir não vacinar seus filhos por motivos religiosos, filosóficos, crenças ou pelo fenômeno da hesitação vacinal, no qual as pessoas deixa-se de vacinar por desacreditar nos efeitos da vacina ou acreditar que os seus riscos são maiores que os benefícios.

A hesitação na vacinação e os movimentos antivacina não são atuais, uma vez que existem desde o século XVIII, com a introdução da vacina da varíola (FERNANDES et al., 2022, p. 76). Além de que, no Brasil, a Revolta da Vacina não trouxe boa popularidade às políticas de imunização.

A obrigatoriedade da vacinação sempre levou a protestos e movimentos contrários, muito por conta da desinformação e descrença nos métodos científicos, além, ainda, de teorias das conspirações a respeito da imunização.

Já no século XIX os movimentos antivacinas pautavam sua causa ideológica na liberdade civil de não vacinar-se, se opondo à vacinação obrigatória pelo Estado, assim como ocorre atualmente. Na cidade de Leicester, na Inglaterra, houve um protesto antivacina que reuniu dezenas de milhares de pessoas nas ruas e queimaram a Lei de Vacinação. Em outro protesto, em março de 1885, 80 mil pessoas se reuniram carregando cartazes antivacinação, caixões de crianças e um boneco queimado representando Edward Jenner (ERMAN, 2022).

Ou seja, a vacinação era vista como método invasivo, capaz de matar as pessoas, principalmente as crianças. Na época, parte desta preocupação era compreensível dado ao risco da vacinação por inoculação sem a devida higiene e aos métodos precários e ainda muito imaturos de realizar a imunização. Porém, ainda assim, a vacinação foi fator determinante na diminuição de epidemias da época.

Em 1988, o pesquisador Andrew Wakefield, em cooperação com outros pesquisadores, publicou estudo em conceituada revista científica britânica, a Lancet, em que suscitava a hipótese da vacina contra o sarampo ser responsável por desenvolver autismo em crianças, além de outras doenças. Apesar de não haver comprovação científica efetiva acerca desta hipótese, a publicação deste artigo foi suficiente para gerar uma “hesitação vacinal” mundo afora (CUNHA, 2020).

Assim, o fenômeno da “hesitação vacinal” ou como é comumente chamado, movimento antivacina, tomou força e foi considerado pela OMS uma entre as dez ameaças à saúde global em 2019 (World Health Organization, 2019). 

Além disso, a Organização Mundial da Saúde definiu a hesitação vacinal como: 

 

[...] atraso na aceitação ou recusa de vacinas, apesar da disponibilidade dos serviços de vacinação. A hesitação vacinal é complexa e específica ao contexto, variando ao longo do tempo, local e vacinas. Inclui fatores como complacência, conveniência e confiança (WHO, 2014 apud FERNANDES et al, 2022, p.77).

 

Ou seja, o déficit da imunização não se dá pela precariedade dos serviços públicos de fornecimento de vacinas ou dos serviços privados na fabricação dos imunizantes, mas sim na inércia da população na busca da vacinação.

Atualmente há evidências científicas que comprovam não haver nenhuma relação entre o autismo e as vacinas infantis contra o vírus do sarampo (CRENNA; OSCULATI; VISONÀ, 2018 apud CUNHA, 2020).  Além de que outros pesquisadores já constataram que a pesquisa de Wakefield foi conduzida de maneira “desonesta e irresponsável” (WATERMAN, 2015 apud CUNHA, 2020). Ainda assim, o movimento para a não vacinação de crianças segue forte. 

Diferente de como funcionavam as relações entre médico e paciente antigamente, como no período da Revolta da Vacina (1904), atualmente esta relação é caracterizada pela partilha das decisões médicas, dando autonomia aos pacientes e seus responsáveis e deste modo é concedido aos pais a decisão de vacinar ou não os filhos (FERNANDES et al., 2022, p. 74).

Veja bem, foi dado autonomia ao paciente e aos seus responsáveis no que diz respeito à relação médico paciente, no qual o médico não impõe com obrigatoriedade a vacinação, porém, como já dito anteriormente, há no Brasil um programa com vacinas obrigatórias a serem aplicadas e é de responsabilidade dos pais, segundo o ECA, que as crianças e adolescentes estejam devidamente imunizados com estas vacinas.

O movimento antivacina tem grande força na Europa, com destaque da França, e as causas para a intensidade deste movimento são diversas, como a segurança e a eficácia das vacinas, os efeitos adversos, o medo de expor o sistema imune a tantos antígenos, além da desconfiança com as indústrias das vacinas e crenças religiosas (LARSON et al., 2016 apud FERNANDES et al., 2022, p. 78).

A fim de verificar a confiança das pessoas em relação às vacinas foi realizado estudo com 65.819 pessoas em 67 países no de 2016 e comprovou-se que países com maior nível socioeconômico, melhor acesso a serviços de saúde e maior escolaridade apresentam menor confiança nas vacinas, já países com menos nível socioeconômico apresentam maior confiança nas vacinas (LARSON et al., 2016 apud FERNANDES et al., 2022, p. 78).

No Brasil o mesmo acontece, uma vez que o movimento antivacina no país engloba um público majoritariamente de classe média/alta e com alta escolaridade (FERNANDES et al., 2022, p. 78). 

É possível que tal desconfiança acerca das vacinas nestes grupos se dê à confiança ao acesso à saúde privada, de maior qualidade, além do distanciamento dos focos de disseminação de doenças infecciosas que ocorrem mais facilmente em locais com menor nível de saneamento básico.

Em 2019 foi divulgada pesquisa realizada em 2018 que conferia a  aprovação da vacinação infantil. Foi de apenas 79% a média da população mundial que aprova a vacinação infantil em meio a ameaça global de volta de doenças. A média brasileira de aprovação é superior à média mundial e a de países vizinhos, com 97%. No Japão a média é de apenas 34%, o país em 2019 já vivia o pior surto de sarampo da última década (ROBERTS, 2019).

 

Figura 1 - Resultados da pesquisa de confiança na vacinação infantil representados em gráfico

 

Fonte: Wellcome Global Monitor, Gallup World Poll (2018). In: BBC, (2019).

 

Como afirmam os cientistas ”as vacinas foram vítimas do seu próprio sucesso”, pois em locais onde as campanhas de vacinação foram tão eficazes para controlar uma doença, os seus benefícios foram esquecidos ao longo das gerações que não vivenciaram o impacto das vacinas sobre o controle e eliminação de certas doenças infecciosas (FERNANDES et al., 2022).

É por isso que anos depois da erradicação de diversas doenças, gerações recentes banalizam a necessidade da vacinação, o que resulta no aparecimento de focos epidêmicos de doenças já erradicadas e na regressão de marcos sanitários já alcançados.

Exemplo disto é que justamente países desenvolvidos da Europa, que foram primeiro beneficiados com a vacinação, hoje são os grandes responsáveis pelos grupos antivacinas. Já países subdesenvolvidos ou emergentes que há pouco tempo puderam conhecer o impacto da vacinação no controle de doenças infecciosas, contam com menor número de hesitação vacinal.

A queda da cobertura vacinal tem sido evidente, uma vez que em 2018 houveram novos surtos de sarampo em território brasileiro, inicialmente no Amazonas, Roraima e Pará e, posteriormente em São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados (FERNANDES et al., 2022, p. 78).

Sobre a queda da cobertura vacinal infantil no Brasil o Ministério da Saúde disserta: 

 

Apesar do Programa Nacional de Imunização (PNI) ser referência e exemplo mundial. Em 2021, três a cada 10 crianças não foram vacinadas contra a poliomielite. Paula acredita que essa baixa adesão à vacinação é pelo fato de algumas pessoas não terem visto a doença no Brasil. “Justamente por já ter sido erradicada do país e estarmos livres da circulação da doença, tem pessoas que nunca viram. Então, as pessoas têm a sensação de que estão totalmente protegidas, mas esquecem que alguns países ainda são endêmicos para esse vírus e ele pode ser reintroduzido no Brasil”, explicou a infectologista pediátrica do HFSE (BRASIL, 2022).

 

Esta queda no número de vacinação contra a poliomielite, causadora da paralisia infantil, já era perceptível em 2016, como é possível observar na figura a seguir: 

 

Figura 2 - Taxa de vacinação para a poliomielite em 2016 foi a menor em 12 anos

 

Fonte: Programa Nacional de Imunização/Datasus (dados atualizados até 19/10/2016). In: BBC (2017).

 

Outro fator além da desinformação e desconhecimento da gravidade destas doenças infecciosas levam os pais a tomar a decisão de não vacinar os filhos, é o caso das fake news, propagadas em mídias sociais e outros meios de comunicação. As falsas informações que já eram repassadas oralmente, o famoso boca a boca, agora tem alcance muito maior com o uso da internet.

Como afirma Úrsula de Azevedo (2022), as informações falsas na mídia são responsáveis por induzir um novo movimento antivacina, pois estas fake news, associadas à falta de informação, contribuem na queda da cobertura vacinal, o que resulta no ressurgimento de doenças já erradicadas no Brasil, como o sarampo, poliomielite, difteria e rubéola.

O Brasil é considerado um dos países em que mais se produz fake news no mundo e quando se trata das vacinas a fake news disseminada é a de que existe um acordo das indústrias farmacêuticas com o Estado para esconder os efeitos colaterais da vacina, utilizando-se, ainda do estudo de Andrew Wakefield em que associa-se as vacinas ao autismo em crianças, estudo este que já foi apontado como fraude científica e que implicou na cassação da licença médica do autor (FERNANDES et al., 2022, p. 79).

Apesar de existir legislação vigente proibindo o compartilhamento de informações falsas na internet é impossível ter o controle de todas as informações compartilhadas, bem como de quem as compartilha. Por isso, o foco do Estado, no seu dever de promover a saúde, também deve ser o de fornecer informações e desmistificar crenças sobre as vacinas.

Os pesquisadores Fernandes e Montuori (2020) afirmam que há um padrão nas notícias falsas compartilhadas no Facebook que se resumem em quatro categorias: a) as vacinas não funcionam; b) as vacinas causam mortes ou trazem algum dano aos usuários; c) as vacinas beneficiam as indústrias farmacêuticas; e d) não vacinar permite maior imunização aos indivíduos (apud FERNANDES et al., 2022, p. 81).

Além disso, há ocorrências de informações como a relação de casos de paralisia temporária com a vacina contra o vírus papiloma humano (HPV), exacerbação doenças autoimunes, ocorrência de doenças neurológicas como Alzheimer e as síndromes incluídas no Transtorno de Espectro Autista (TEA) relacionadas a outras vacinas. Todas estas sem nenhuma comprovação científica (APS et al., 2018). 

O aumento no número de fake news vem ocorrendo por conta do fenômeno da pós-verdade definido pelo dicionário Cambridge ([2022], tradução nossa) como “relativo à situação no qual as pessoas estão mais suscetíveis a aceitar um argumento baseado nas suas emoções e crenças, do que um baseado em fatos”. Ou como é colocado como exemplo pelo dicionário Oxford ([2022], tradução nossa), “nesta era de políticas pós-verdade, é fácil escolher a dedo informação e chegar a conclusão que quiser”.

Assim, artigos como o de Andrew Wakefield, ainda que seja um caso isolado de publicação a respeito da vacina ser capaz de causar Transtorno de Espectro Autista (TEA) em crianças e ter sido publicado há décadas, ainda é utilizado como embasamento pelos grupos antivacinas, o que demonstra uma situação de pós-verdade, no qual as pessoas escolhem no que acreditar baseado em suas emoções e crenças e ignoram os fatos.

Isso demonstra a importância da mídia na divulgação das campanhas vacinais e informações a respeito da segurança na imunização, de modo que uma pesquisa realizada em 1984 já comprovava a relevância dos meios de comunicação na divulgação de campanhas vacinais. Em pesquisa de campo realizada com mães sobre a vacinação de seus filhos Silvia Ferreira (1983, p. 74, 75) concluiu: 

 

Observa-se que os folhetos distribuídos na maternidade também foram indicados por grande parte das mães. Muitas dessas mães compareciam ao setor de vacinação com este folheto onde está impressa a época e o tipo de vacina para o primeiro ano de vida. A propaganda em rádio e TV obteve um elevado percentual.

 

Sendo assim, nota-se que com a globalização e a criação de redes sociais as informações falsas e sem comprovação científica passaram a ter um alcance maior que anteriormente era predominantemente de informações de conscientização do governo, com base em dados científicos. As falsas notícias, junto a falta de informação por parte da população de como as vacinas funcionam, resultam na hesitação vacinal.

 

3 A EXTENSÃO DO PODER FAMILIAR NA TUTELA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.1 Definição de Poder Familiar

 

As crianças e adolescentes, por serem incapazes, são tutelados por seus pais que por gozarem de poder familiar são responsáveis por zelar pelo bem estar de seus filhos, bem como tomar decisões que garantam sua integridade física e psíquica, como é o caso da vacinação.

Assim, é necessário definir o que é o poder familiar e qual o seu entendimento doutrinário sobre este termo utilizado no direito e que indica a autoridade dos pais sobre menores de idade.

Cabe aqui apontar que o termo “poder familiar”, não aceito por diversos doutrinadores, é aqui empregado devido ao seu uso pelo Código Civil Brasileiro, embora atualmente a doutrina prefira os termos “autoridade familiar”, “responsabilidade familiar” ou “cuidado familiar”, uma vez que “poder” traz o sentido de posse e não traduz da melhor forma a intenção de atender ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, conforme declara Rodrigo Pereira (2021, p. 648).

Historicamente o poder familiar sofreu diversas mudanças no que tange a sua extensão, o seu objetivo, os seus direitos e até mesmo os seus deveres em relação aos filhos e isso se altera de acordo com a percepção do direito sobre os direitos da criança e do adolescente.

Conforme Pereira (2021, p. 647), o poder familiar na Roma já chegou a dar o direito aos pais romanos de matar os seus filhos sem sofrer punição, este poder incontestável era denominado pater familiae e permitia, ainda, a venda dos filhos (ius vendendi) de forma temporária como meio de suprir dificuldades financeiras da família ou a venda definitiva como forma de compensação por um dano causado pelo próprio filho, e a faculdade de abandonar o filho recém nascido (ius exponendi).

Ou seja, o poder familiar em sua raiz se configurava como um direito de posse, dando aos pais direitos ilimitados a respeito do que fazer com seus filhos sem sofrer nenhum tipo de intervenção do Estado.

Assim, o poder familiar, anteriormente chamado de pátrio poder pelo Código Civil de 1916, conferia ao homem casado autoridade não só sobre seus filhos como sobre sua cônjuge. A mulher não exercia o poder parental sobre seus filhos, porém isto mudou com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) e a mulher passou a ajudar no exercício do poder familiar dos filhos, contudo em casos de divergências entre os pais prevalecia a decisão do pai (PEREIRA, 2021, p. 648).

Ao longo da história o poder familiar sofreu alterações, transformando-o em um direito protetivo em favor das crianças, de forma que os pais deixaram de ser “proprietários” de seus filhos e agora possuem o dever de zelar pelo bem estar de seus filhos. Este novo conceito de poder familiar com foco no melhor interesse da criança, é o que perpetua até os dias atuais e que está previsto na Constituição Federal Brasileira, em seu art. 227 e 229 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Segundo, Rodrigo Pereira (2021, p. 647), atualmente o poder familiar consiste no conjunto de direitos e deveres de cuidar, criar, educar, dar assistência material e psíquica. É, ainda, o dever de assistir os filhos, exercer sua proteção, mantê-los sob a sua guarda, segurança e companhia, conforme afirma Madaleno (2020, p. 1212).

Assim, o poder familiar não se resume na autoridade familiar, na tomada de decisões da vida do incapaz, porém também incumbe no cumprimento de deveres muitas vezes ignorados pelos pais, mas que estão previstos legalmente e são obrigatórios.

Todos estes deveres e outros mais estão presentes na legislação brasileira, mais especificamente no art. 226, § 7º, arts. 227 e 229 da Constituição Federal de 1988 e o art. 1.634 do Código Civil de 2002 que define os deveres e direitos dos pais no exercício do poder familiar sob o prisma do direito civil, além, ainda, do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).

Segundo Rossato, Lépore e Cunha (2019, p. 129), o poder familiar, em regra, é exercido pelos líderes de uma família natural, os pais, e uma vez que o poder familiar é de exercício obrigatório, o Estatuto admite sua perda ou suspensão em certas hipóteses, em procedimento próprio, que pode ser provocado pelo Ministério Público ou qualquer outro interessado.

Percebe-se, portanto, que o poder familiar é um instituto reconhecido juridicamente que dá legitimidade aos direitos dos pais sobre os filhos, assim como legitima os seus deveres e os torna responsáveis por seus filhos de acordo com o que institui a lei. Porém, é necessário compreender qual tipo de relação jurídica configura o poder familiar.

De acordo com Paulo Nader (2016, p. 554), o poder familiar é um instituto de ordem pública que não pode ser classificado como uma modalidade contratual, pois não necessita consentimento e o seu elo não possui natureza predominantemente jurídica ou moral, mas sim de afeto e sentimento.

O poder familiar é instituto jurídico anterior à legislação. Por isso, a sua definição é baseada no afeto e sentimento. É também por este motivo que o direito civil reconhece, por vezes, a paternidade ou maternidade por vínculo afetivo, legitimando o poder familiar no laço formado por sentimento.

Para Pérez Gomes, o poder familiar não é concedido pela lei, ele é apenas reconhecido por esta, sendo uma consequência natural da paternidade, de modo que há um dever natural dos pais em desempenhar este papel (apud NADER, 2016, p. 554).

Desta forma, o poder familiar surge compulsoriamente com o nascimento da prole, de modo que o indivíduo ao ter reconhecida a sua paternidade assume estes deveres sem a necessidade de consentimento.

Segundo Miguel Reale, o poder familiar se enquadra juridicamente como  situação subjetiva em que seu titular dispõe de atribuição ou competência, mas não de pretensão. Assim, há uma relação jurídica do tipo poder-sujeição, com denominação imprópria de direito prestativo (apud NADER, 2016, p. 556).

Observa-se, portanto, que neste caso a relação jurídica de pais e filhos se dá com os pais no polo de poder e dos filhos no polo de sujeição, em consonância com o que rege o art. 1.634 do Código Civil Brasileiro.

Todavia, ainda que os filhos devam sujeitar-se aos pais e de acordo com a lei, devam obediência, o poder familiar é uma relação jurídica que possui um fim a ser alcançado. Segundo Paulo Nader (2016, p. 556, 557), o instituto do poder familiar ao longo do tempo foi definido como voltado exclusivamente para a satisfação de seu titular. Na Roma, ao longo do tempo, os juristas definiram como fim do poder familiar o interesse do filho e, em segundo lugar, o da comunidade familiar à qual pertencia (JOSSERAND apud NADER, 2016, p. 557).

Assim, o poder dos pais não se concretiza sem que haja a obrigação de atender ao fim, assim como a sujeição dos filhos não se concretiza sem que seja para atender, também, ao fim do interesse do menor. 

Por fim, Paulo Nader (2016) caracteriza o poder familiar como irrenunciável, indivisível, personalíssimo, intransferível e temporário. Isso se dá porque não é possível exonerar-se dos deveres do poder familiar, não podem passar a terceiros, mas trata-se de uma situação jurídica que se encerra na maioridade do filho.

 

3.2 Deveres do exercício do Poder Familiar

 

Como já visto, o poder familiar é exercido também através de deveres impostos legalmente pelo Estado que visam garantir o bem estar da criança e do adolescente.

Desta forma, a Constituição Federal Brasileira de 1988, visando resguardar os direitos dos incapazes, institui, no art. 227, caput, como dever da família: 

 

[...] assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

 

Sendo assim, observa-se que os direitos das crianças e adolescentes devem ser garantidos dentro e fora da relação de poder familiar, pelo Estado e pela sociedade. 

A garantia destes direitos se dá porque entende-se que a criança, por se tratar de um ser humano em desenvolvimento, faz jus a um tratamento diferenciado e, por isso, são possuidoras de mais direitos que os adultos. Pela comunidade internacional de direitos humanos, a criança e o adolescente não são só sujeitos de direitos, como também são sujeitos de proteção (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2019, p. 49).

Por este motivo, a vacinação obrigatória de crianças e adolescentes foi categoricamente instituída, até mesmo antes da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como forma de proteger direitos fundamentais destes, tais como o direito à vida e à saúde.

Já o art. 229, também da Constituição Federal, define os deveres específicos dos pais, detentores naturais do poder familiar: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL, 1988).

O referido artigo define alguns dos deveres dos pais em gozo do poder familiar, em contrapartida define também os deveres do filhos para com os seus pais quando estes também não estiverem em sua integral capacidade, o que remonta que o poder familiar é muito mais uma relação de afeto e sentimento do que um relação jurídica, dando aos filhos o dever de retribuição, uma vez que existe o vínculo biológico e/ou afetivo.

Além disso, o Código Civil Brasileiro define os deveres do poder familiar em seu art. 1.634, vejamos a seguir:

 

Art. 1.634 Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajar para o exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002)

 

O Código Civil, portanto, aborda brevemente os direitos fundamentais, tais como o de dirigir a criação e educação, mas aborda predominantemente os direitos e deveres civis dos pais quanto detentores do poder familiar, evidenciando a tutela que os pais mantém sobre os interesses civis da vida do incapaz.

Desta forma, como é possível observar, as obrigações do poder familiar dividem-se em zelar pela criação e educação do menor e a de administrar seus bens ou patrimônio, se houver. Por isso, trata-se de relação pessoal e relação patrimonial (NADER, 2016).

As obrigações do poder familiar se dão com o resguardo de direitos fundamentais da criança e do adolescente, pessoa em desenvolvimento. São direitos resguardados no âmbito público pelo Estado e no âmbito particular, e de forma mais íntima, pelos pais ou qualquer ente que exerça o poder familiar.

Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) define em seu art. 22, caput: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” (BRASIL, 1990). 

Desta forma, o direito à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária que são direitos fundamentais da criança e do adolescente, devem ser resguardados pelos pais no exercício do poder familiar.

Especificamente os direitos à vida e à saúde estão diretamente ligados à vacinação, portanto cabe aqui dissertar apenas sobre estes direitos fundamentais.

 O direito à vida, segundo José Afonso da Silva (2005), engloba também os direitos à existência, integridade física e integridade moral. A existência se dá com o direito de estar vivo e permanecer vivo, além do direito de ter uma existência digna, englobando ainda o direito à dignidade humana. 

Os pais, no exercício do poder familiar têm, portanto, deveres de proteger e garantir a integridade física e psíquica, bem como tudo que engloba o direito à dignidade da pessoa humana. Por isso, como já visto anteriormente, existem sanções para os pais que não cumprem com seus deveres, como por exemplo a imputação por homicídio culposo caso seja comprovado que a ausência de imunização resultou no óbito da criança e do adolescente.

Além disso, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a qual o Brasil ratificou, define em seu art. 6º que os Estados Partes devem reconhecer à criança o direito à vida, bem como assegurar na máxima medida possível a sobrevivência e o desenvolvimento da criança (UNICEF, 2019). 

Rossato, Lépore e Cunha (2019, p. 74) definem o direito à saúde como típico direito social, portanto o Estado tem o dever de realizar prestações positivas, valendo-se de políticas públicas, de forma que o Estado deve fornecer condições mínimas para que os indivíduos alcancem uma vida digna.

Assim, o direito à saúde como direito social é fornecido pelo Estado, como forma de políticas públicas. Porém para que as crianças tenham o acesso integral a estas prestações positivas do Estado é necessário também que os pais, no exercício do Poder Familiar, tenham o cuidado e o zelo de atender às necessidades da criança, levando-as para consultas, campanhas de vacinação, bem como tomando medidas preventivas de saúde.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, em seu art. 24, define que os Estados Partes devem reconhecer à criança o direito a gozar do melhor estado de saúde possível e a beneficiar de serviços médicos e de reabilitação, bem como devem velar pela garantia de que nenhuma criança seja privada do direito de acesso a tais serviços de saúde (UNICEF, 2019). 

Além disso, no mesmo artigo da convenção, define que os Estados Partes devem tomar medidas adequadas para: 

 

a) Fazer baixar a mortalidade entre as crianças de tenra idade e a mortalidade infantil; b) Assegurar a assistência médica e os cuidados de saúde necessários a todas as crianças, enfatizando o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários; c) Combater a doença e a má nutrição, no quadro dos cuidados de saúde primários, graças nomeadamente à utilização de técnicas facilmente disponíveis e ao fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em consideração os perigos e riscos da poluição do ambiente; d) Assegurar às mães os cuidados de saúde, antes e depois do nascimento; e) Assegurar que todos os grupos da população, nomeadamente os pais e as crianças, sejam informados, tenham acesso e sejam apoiados na utilização de conhecimentos básicos sobre a saúde e a nutrição da criança, as vantagens do aleitamento materno, a higiene e a salubridade do ambiente, bem como a prevenção de acidentes; f) Desenvolver os cuidados preventivos de saúde, os conselhos aos pais e a educação sobre planeamento familiar e os serviços respectivos.

 

Sendo assim, é possível notar que a própria CSDC determina que o Estado deve assegurar que os pais sejam informados com os conhecimentos básicos sobre a saúde da criança, reafirmando que em âmbito particular a saúde da criança também deve ser zelada. Os direitos fundamentais do incapaz, portanto, devem ser garantidos pelo Estado e pelos pais ou qualquer ente que esteja no exercício do poder familiar.

 

3.3 Liberdades e limitações no exercício do Poder Familiar

 

Diante da incapacidade das crianças e adolescentes são os pais, no exercício do poder familiar, os responsáveis por tomar decisões a respeito da vida do incapaz, como o modelo de criação, educação, ensino religioso, horários, costumes, vestimentas e outros aspectos. Porém, deve-se entender quais as liberdades e limitações do exercício do poder familiar e quais escolhas da vida da criança não são encargo de quem exerce o poder familiar.

Para Rossato, Lépore e Cunha (2019, p. 116), “a liberdade de exercício do poder familiar só pode existir na medida do respeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes''.

Assim, quando um sujeito no exercício do poder familiar priva a criança ou adolescente do acesso à educação, esta não é uma escolha válida, uma vez que legalmente e constitucionalmente é instituído que as crianças e adolescentes têm direito à educação garantido.

É por isso que no modelo atual de poder familiar é possível a suspensão ou extinção deste poder por decisão judicial a depender das ações dos pais. Assim o art. 1.637 do Código Civil define: 

 

Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (BRASIL, 2002)

 

Percebe-se, portanto, que o poder familiar está condicionado ao cumprimento de suas funções, uma vez que a falta aos deveres estabelecidos em lei como inerentes do exercício do poder familiar pode resultar na suspensão do poder. 

Ainda no Código Civil, é estabelecido as causas da extinção do poder familiar: 

 

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente; V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (BRASIL, 2002)

 

O artigo dá ainda, no seu parágrafo único, outras hipóteses de perda do poder familiar, decorrente do cometimento de crimes tipificados penalmente.

O ECA legisla, também, a respeito da perda ou suspensão do poder familiar nos casos de condenação criminal e a respeito dos casos de falha no exercício do poder familiar, no art. 24: 

 

A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. (BRASIL, 1990)

 

Assim, o poder familiar não é absoluto e pode ser retirado pelo Estado. Há escolhas a respeito da vida da criança e do adolescente que não são de condão dos pais ou de quem exerce o poder familiar. Quando se trata de direitos fundamentais, existem ações que devem ser obrigatoriamente realizadas para garantir o bem estar do incapaz na forma da lei.

Assim, de acordo com Kipper (2015, p. 44), “a autoridade dos pais não é absoluta, quando sua escolha contraria os melhores interesses da criança, o Estado pode intervir, agindo segundo a doutrina parens patriae”. Para Kopelman e Deville (apud KIPPER, 2015, p. 45) a interferência coercitiva do Estado na tomada de decisões dos pais só é justificada quando há evidência convincente de que as ações ou decisões representam sério risco para os filhos. Já para Sher (apud KIPPER, 2015, p. 45), esta interferência pode acontecer quando os pais falham em prover um mínimo de qualidade de cuidado que a comunidade pode suportar.

Que o exercício do poder familiar é limitado é evidente, porém, como foi citado, qual o limite deste poder ainda é discutido doutrinariamente. Percebe-se que o melhor medido é o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, mas é necessário definir também o que seria atender a este melhor interesse, pois os pais podem tomar decisões questionáveis do ponto de vista jurídico julgando estar assegurando o melhor interesse da criança. 

Um exemplo disto vem da perspectiva religiosa quanto à transfusão de sangue, uma vez que em algumas religiões não é permitido, os pais acreditam, do ponto de vista religioso, estar atendendo ao melhor interesse do filho ao não permitir a transfusão ainda que sua vida esteja em risco. Porém, pela perspectiva religiosa que impede a transfusão, o melhor interesse para a criança seria o de garantir sua salvação e “vida eterna ao lado do criador “, ainda que isto implique na perda de vida material (KIPPER, 2015).

Portanto, o melhor interesse da criança e do adolescente é definido pelo Estado e pelo direito internacional dos direitos fundamentais garantidos a estas, de maneira que cabe avaliar judicialmente, por meio de uma ponderação, qual direito deve prevalecer, seja este o da liberdade religiosa, como no caso citado, ou qualquer outro que coloque em xeque direito fundamental do incapaz. 

Ademais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é composto por princípios derivados. Um destes princípios é o da responsabilidade primária e solidária do Poder Público. Este princípio determina que é responsabilidade primária e solidária das esferas do governo efetivar os direitos assegurados a crianças e adolescentes em todo o ordenamento jurídico (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2019, p. 52).

Desta forma, quando um direito não é efetivado e garantido pelos pais, cabe obrigatoriamente ao Estado tomar medidas para que ocorra a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Porém, muitas famílias se valem judicialmente do princípio da intervenção mínima, como forma de se esquivar da intervenção do Estado na tutela do incapaz. Acontece que o princípio da intervenção mínima assegura que a intervenção “somente se dá por meio de entidades e instituições cuja a ação seja indispensável à efetiva promoção e proteção dos direitos das pessoas em desenvolvimento” (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2019, p. 52).

Sendo assim, após análise legislativa e doutrinária, é possível notar que o exercício do poder familiar é limitado ao dever de resguardar e garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente. O novo modelo de poder familiar não admite o tratamento do incapaz como posse, de forma que os pais não possuem poder ilimitado a respeito da vida dos filhos. 

Exemplo disso é que os pais possuem o poder de escolher qual a instituição de ensino do filho ou onde deseja que sua saúde seja cuidada, no hospital particular ou público, porém é imprescindível que a criança tenha acesso à educação e saúde. As garantias mínimas que oferecem dignidade de vida ao incapaz não podem ser mitigadas.

 

4 O PODER DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA TUTELA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

4.1 A saúde pública como bem comum a ser zelado

 

O direito à saúde é um direito social, garantido pelo art. 6º da Constituição Federal Brasileira, portanto, trata-se de um direito de 2º geração, segundo a teoria do jurista Karel Vasak, e apesar de ter uma dimensão individual, tem também uma dimensão coletiva, a saúde pública que é um bem comum a ser zelado.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a consagrar o direito fundamental à saúde (MENDES, BRANCO, 2015). Esta constituição é classificada como uma constituição dirigente, ou seja, possui conteúdo social estabelecendo normas programáticas, que propõem deveres omissivos e comissivos ao Estado, além de oferecer os direitos sociais aos cidadãos. Esta forma de constituição tem embasamento no neoconstitucionalismo, no qual há a positivação e concretização dos direitos fundamentais (LENZA, 2022).

Assim, o direito à saúde como um direito de dimensão coletiva e constitucionalmente resguardado é conteúdo de normas que visam resguardá-lo e assegurá-lo. Atualmente, a saúde não se trata mais de uma preocupação particular, é reconhecido como um direito que deve ser garantido pelo Estado. 

O dever do Estado no oferecimento está explícito no art. 196 da CRFB/88: 

 

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

 

Segundo Mendes e Branco (2015), o primeiro elemento deste artigo é a coletividade do direito de proteção à saúde. O segundo elemento é o dever fundamental do Estado na prestação da saúde. O terceiro elemento é a garantia mediante políticas sociais e econômicas, de maneira que é necessário a formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde, pois este direito provêm de norma programática, pois a medicina está sempre mudando e há novos objetivos sanitários a serem alcançados. O quarto elemento são as políticas de redução do risco de doença e outros riscos que se dá por meio da prevenção que é considerada ação prioritária da área da saúde no art. 198, II, da CRFB/88. O quinto elemento é o acesso universal e igualitário, fator importante no acesso aos serviços públicos de saúde. O sexto e último elemento são as ações para promoção, proteção e recuperação da saúde, o que implica em melhorias nas políticas orçamentárias e na implementação das políticas públicas.

O Estado, portanto, na responsabilidade de assegurar este direito à todos os cidadãos estabelece normas que visam a prestação do serviço de saúde gratuito e amplo, mas também estabelece deveres aos cidadãos para que estes não comprometam o direito fundamental de outrem.

A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, conteúdo da Portaria nº 1.820 de 2009, estabelece que: 

 

Art. 5º Toda pessoa deve ter seus valores, sua cultura, crença e seus direitos respeitados na relação com os serviços de saúde, garantindo-lhe: V- o consentimento livre, voluntário e esclarecido, a quais- quer procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos, salvo nos casos que acarretem risco à saúde pública, considerando que o consentimento anteriormente dado poderá ser revogado a qualquer instante, por decisão livre e esclarecida, sem que sejam imputadas à pessoa sanções morais, financeiras ou legais.” (BRASIL, 2012)

 

Observa-se que o conteúdo da carta assegura o direito à liberdade ao cidadão no que concerne a saúde individual, desde que a saúde pública não seja prejudicada.

Isso ocorre porque o Estado tutela a liberdade individual e por vezes retira o poder de escolha do indivíduo como forma de proteção à um direito fundamental. Este mecanismo é chamado de paternalismo jurídico, no qual o Estado possui legitimidade para tomar decisões do âmbito privado restringindo algum direito fundamental em detrimento de outro.

A respeito do paternalismo jurídico Luís Roberto Barroso (2018, p. 155) afirma:

 

[...] toda sociedade, por mais liberais que sejam seus postulados, impõe coercitivamente um conjunto de valores que correspondem à moral social compartilhada. [...] A imposição coercitiva de valores sociais – em geral pelo legislador, eventualmente pelo juiz – exige fundamentação racional consistente e deve levar seriamente em conta: a) a existência ou não de um direito fundamental em questão; b) a existência de consenso social forte em relação ao tema; e c) a existência de risco efetivo para o direito de outras pessoas.

 

Desta forma, assim como foi estabelecido na Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, o Estado só deve exercer o paternalismo jurídico quando há um risco efetivo para o direito de outras pessoas, como é o caso da saúde pública. O Estado não pode ser paternalista quando o único ônus sofrido é pelo próprio titular do direito.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, como relator do AgR-RE 271 .286-8 / RS, reconheceu o direito à saúde como um direito coletivo, uma vez que deve ser assegurado à generalidade das pessoas, e que por ser bem jurídico constitucionalmente tutelado, o Poder Público deve zelar formulando e implementando políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar (BRASIL, 2000).

O ministro assevera, portanto, a coletividade do direito à saúde instituída pelo art. 196 da Constituição Federal. 

Além disso o ministro Ricardo Lewandowisk, como relator da ADI 6586, destacou o dever da sociedade na manutenção da saúde pública afirmando que “o direito à saúde pública que, por ser direito de todos, deve ser por todos cuidada em espírito de solidariedade” (BRASIL, 2018, p.140).

Neste mesmo sentido entendem Sarlet e Figueiredo, ao afirmar que os particulares (pessoas físicas e jurídicas) também possuem deveres em relação à saúde de terceiros e até mesmo em relação à própria saúde. O doutrinador assevera, ainda, que por conta do princípio da solidariedade, toda a sociedade é responsável pela efetivação e proteção do direito à saúde de todos. Trata-se de uma responsabilidade compartilhada. (CANOTILHO et al, 2018).

Este entendimento doutrinário está, inclusive, presente na fundamentação do ministro Ricardo Lewandowisk na ADI 6586, do qual é relator.

Deste modo, a Constituição Federal deixa explícito o dever do Estado na promoção da saúde, mas é vaga sobre o dever da sociedade na sua manutenção. Porém, a doutrina e a jurisprudência entendem que a sociedade também tem dever na promoção e manutenção da saúde pública, de maneira que nada adianta o SUS disponibilizar imunizantes para a vacinação se os cidadãos não buscam se vacinar.

O dever do Estado na promoção da saúde só é totalmente cumprido se os cidadãos estão efetivamente protegidos. Este é um dos motivos de o Estado exercer o paternalismo jurídico.

A vacinação, por exemplo, é uma grande missão coletiva em prol da saúde pública que segundo Fernandes et al. (2022, p. 43) é:

 

[...] uma responsabilidade coletiva e engloba a união de diversas esferas: a) o indivíduo e sua comunidade, que, como cidadãos possuem direitos e deveres para cumprir em sociedade; b) os profissionais da saúde, que lidam diretamente com os pacientes e têm uma responsabilidade a zelar cuidando da sua própria saúde; c) as diferentes esferas governamentais – municipais, estaduais, federais - com políticas públicas voltadas para a prevenção de doenças e campanhas de vacinação; e d) a indústria de produção de vacinas, com seu papel de fornecer um produto aprovado por ensaios clínicos rigorosos que comprovam sua segurança e eficácia.

 

Isto demonstra que a saúde pública é um sistema que necessita de incentivos e cumprimento de deveres de diferentes entes, sejam estes privados ou públicos, para que seja garantida e efetivada. Ainda que o Estado busque garantir por meio de leis o direito à saúde aos cidadãos, a sua efetivação depende de diversos outros fatores, inclusive a colaboração da esfera privada.

Os juristas Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo afirmam que no que diz respeito à responsabilidade (dever) de cada pessoas por sua própria saúde (vida, integridade física e dignidade pessoal) é possível, a depender das circunstâncias, é possível justificar até mesmo uma intervenção estatal objetivando a proteção da pessoa contra si mesma, em homenagem ao caráter (em parte) irrenunciável da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, como ocorre, por exemplo, nos casos de internação compulsória, situação em que há conflito entre direitos e deveres relativos à saúde com outros bens fundamentais (CANOTILHO et al, 2018).

Assim, quando há conflito entre direitos fundamentais, segundo Robert Alexy (2008, p. 93 e 94), um dos princípios terá que ceder. Assim, um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Para o autor, “os princípios têm pesos diferentes e os princípios com o maior peso têm precedência”.

No caso do dever de manutenção à saúde e o direito à liberdade a justiça tende a dar precedência ao dever de manutenção à saúde como forma de assegurar este direito. Isso se dá porque o direito à saúde está diretamente ligado ao direito à vida e a aplicação de medidas sanitárias tais como a imunização compulsória implicam na invalidez do direito à liberdade. 

Conforme afirmou o ex-ministro Alexandre de Moraes, na posição de relator do Habeas Corpus 195.045, as autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, devem adotar todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e a manutenção das atividades do SUS, sempre com absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes (BRASIL, 2021).

Sendo assim, é plausível a coercitividade nos deveres dos cidadãos para com a saúde pública, quando há respeito e equilíbrio, tendo em vista garantir a dignidade à vida e integridade física do próprio indivíduo e de outras pessoas. A saúde pública além de ser direito social é também um dever social, bem comum a ser zelado, seguindo o princípio da solidariedade para que haja o respeito à dignidade da vida humana. A intervenção estatal na tutela da saúde da criança e do adolescente, é portanto, compreensível dentro do contexto do neoconstitucionalismo.

 

4.2 Importância da vacinação infantil na manutenção da saúde pública

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente obriga, em seu art. 14, § 1º, a vacinação  das crianças nos casos recomendados pelas autoridades. A vacinação infantil mostra-se relevante para o Programa de Imunizações Nacional (PNI) e para o Ministério da Saúde. Por isso, se faz necessário discorrer a respeito da importância da vacinação infantil e entender o que motiva a criação de tal artigo do ECA.

Ao longo do tópico 2.1 foi abordado brevemente como as vacinas são produzidas. Porém ao longo do tempo com os avanços tecnológicos, houveram mudanças na sua produção. Portanto, cabe aqui mencionar como ocorre atualmente a imunização: 

As vacinas são produzidas a partir de organismos enfraquecidos, mortos ou algum dos seus derivados. Quando a pessoa é vacinada, o seu corpo detecta a substância da vacina e produz uma defesa, anticorpos. Estes anticorpos permanecem no organismo e evitam que a doença ocorra no futuro. Isso se chama imunidade (UNIMED, [20--]).

 

A vacinação infantil é importante pois bebês e crianças possuem um sistema imunológico extremamente imaturo e a vacinação apresenta microrganismos ao sistema que as crianças nunca tiveram contato (BRASIL, 2022). Este contato realizado de forma atenuada gera resposta imunológica, como mostrado anteriormente.

Além disso, a vacinação infantil promove o melhor desenvolvimento da criança, uma vez que esta não precisa lidar com as sequelas, algumas vezes permanentes, das doenças infecciosas para obter a imunidade necessária. Tal como é o caso da poliomielite que pode resultar na paralisia infantil (BRASIL, 2022).

Ademais, a vacinação infantil é um dos maiores determinantes na diminuição da mortalidade infantil. A vacinação promoveu a erradicação de diversas doenças infecciosas que resultavam no óbito de crianças devido a fragilidade do seu sistema imune.

Segundo Fernandes (et al., 2022), a maioria das mortes por doenças imunopreveníveis ocorre predominantemente na população infantil. Por este motivo, ainda segundo os autores, “o ato de vacinar é um cuidado em saúde e representa uma responsabilidade e um relacionamento afetivo com a criança.”

A queda da cobertura vacinal que vem ocorrendo nos últimos tempos, devido à hesitação vacinal, tem causado a volta de surtos de doenças em diversas partes do Brasil e do mundo, com elevada morbidade e óbitos, principalmente em crianças menores de 1 ano (FERNANDES et al., 2022).

As crianças são grupos de riscos de diversas doenças infecciosas e é por este motivo que as vacinas são fundamentais para esta faixa etária. Além disso, o ambiente escolar é um ambiente de difícil controle de higiene, no qual há grande capacidade de transmissão de doenças entre as crianças e adolescentes. Há uma constante socialização nesta fase, por este motivo é conhecida até os dias atuais como a fase da vida comum de se contrair doenças tais como a varicela (comumente conhecida como catapora) ou até mesmo parasitas, como é o caso dos piolhos.

Sendo assim, no controle de epidemias é fundamental que haja a imunização de crianças e adolescentes, algumas destas antes da exposição ao constante contato social, evitando a propagação de doenças e a mortalidade infantil.

É necessário observar dados que demonstram a diminuição da mortalidade infantil ao longo dos anos, como pode ser notado na figura a seguir:

 

Figura 3 - Taxa de mortalidade infantil (por mil NV). Brasil, 1990 a 2019

 

Fonte: Sinasc/ SIM/ Projeto de Busca Ativa (2021). In: BRASIL (2021).

 

Como é possível observar no gráfico, é perceptível a queda da taxa de mortalidade infantil no Brasil ao longo de quase três décadas, e alguns autores atribuem isto a melhorias nos serviços de atenção primária à saúde como o aumento da cobertura vacinal, acesso ao pré-natal, promoção do aleitamento materno e outros fatores (BRASIL, 2021).

Este número repercute diretamente no desenvolvimento saudável da população e consequentemente no crescimento econômico do país. Exemplo disto é a diminuição de gastos do governo com a saúde pública quando há prevenção das doenças.

Muito disso foi perceptível durante o ápice da pandemia do vírus COVID-19. Os gastos com tratamentos e formas de conter as sequelas da doença foram muitos, desde a construção e manutenção de novos leitos de internação e UTI, bem como equipamentos EPI para as equipes médicas, a compra de tubos de oxigênio, medicamentos e materiais, além do uso de respiradores e diversos outros itens necessários.

A vacinação fornecida pelo Estado, apesar de gerar gastos a curto prazo, a médio e longo prazo, implica diretamente na diminuição de gastos públicos com saúde. Em 2020, auge da pandemia do COVID-19, no qual não havia vacinação, segundo o Tesouro Nacional, foram gastos 524,0 bilhões de reais no combate à pandemia. Já em 2021, ano em que as vacinações iniciaram-se, os gastos foram de 121,4 bilhões de reais. No presente ano de 2022, até o mês de setembro, foram gastos apenas 19,4 bilhões de reais (BRASIL, 2022).

A vacinação é uma medida de prevenção de baixos riscos comprovados, apenas alguns grupos bem seletos possuem contraindicação para tomar alguns dos imunizantes, conforme indicam as bulas. Além disso, ela é tão importante como qualquer outra medida de prevenção, tal como a do combate ao mosquito Aedes Aegypti (transmissor de doenças como a dengue, chikungunya e febre amarela) em que há o controle de focos de reprodução do mosquito.

Desta forma, a vacinação infantil é de extrema importância na manutenção da saúde pública, pois como comprovado, diminui a taxa de mortalidade infantil, o risco do surgimento de endemias e epidemias, e diminui os gastos públicos com o tratamento de doenças infecciosas, proporcionando orçamento disponível para outras demandas da saúde.

 

4.3 Princípio do melhor interesse do menor

 

O princípio do melhor interesse do menor é o princípio fundamental que rege os conflitos de direitos que envolvem as crianças e adolescentes, uma vez que todas as decisões a respeito da vida destas devem atender a este princípio. Por isso, é necessário entender melhor este princípio capaz de decidir o embate entre o poder familiar e a intervenção do Estado na tutela da criança e do adolescente na vacinação infantil.

O princípio do melhor interesse do menor tem raiz na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 20 de novembro de 1959 e assim este princípio foi incorporado à legislação brasileira no revogado Código do Menor, lei n. 6.697/1979 (BARBOZA, 2000). No art. 5º da referida lei era aplicado o princípio da seguinte maneira: “na aplicação desta Lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado” (BRASIL, 1979).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 este princípio foi incorporado como direito fundamental da criança e do adolescente no art. 227 e posteriormente incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente promulgado em 1990 que revogou o Código do Menor.

Como afirma Madaleno (2020), o Estatuto da Criança e do Adolescente tem sempre como objetivo o princípio do melhor interesse do menor. E é por isto que é instituído às crianças e adolescentes gozar dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral do ECA.

Tal princípio é ainda utilizado em outras legislações que regem direitos da criança e do adolescente, como no caso do direito civil aonde é assegurado o melhor interesse da criança na definição da guarda, regulamentação de visitas, fixação de alimentos, declaração de paternidade entre outros. No direito do trabalho há a limitação das condições de trabalho para crianças e adolescentes e são diversos os exemplos.

Ou seja, o princípio do melhor interesse do menor, por ser direito fundamental, é aplicado em todas as esferas do direito, por isso não deve ser diferente em relação às decisões judiciais a respeito da obrigatoriedade da vacinação infantil.

Além disso, o princípio do melhor interesse do menor conta com princípios derivados, sendo estes a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, a responsabilidade primária e solidária do Poder Público, a privacidade, a intervenção precoce, a intervenção mínima, a proporcionalidade e atualidade, a responsabilidade parental, a prevalência da família e a obrigatoriedade da informação, oitiva obrigatória e participação (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2022).

E assim como ocorre na prestação do Estado ao direito à saúde, o Estado só garante a efetividade do direito se por vezes intervém, até mesmo quando se trata dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. É o que trata os princípios derivados da responsabilidade primária e solidária do Poder Público e da intervenção precoce, dando à administração pública o dever de conferir plena efetivação aos direitos assegurados a crianças e adolescentes em todo o ordenamento jurídico e de intervir em situações de riscos para a criança, respectivamente (ROSSATO, LÉPORE E CUNHA, 2022).

Dessa forma, para que o princípio do melhor interesse do menor seja aplicado é necessário que haja, também, a aplicação do princípio derivado da intervenção precoce do Estado, no qual há uma intervenção diante de risco a um direito fundamental do menor, como é o caso da hesitação vacinal que oferece risco ao direito à saúde e à vida do menor, bem como é necessário a aplicação do princípio derivado da responsabilidade primária e solidária do Estado. Seguindo a lógica destes princípios, compreende-se porque o Estado legisla tornando obrigatória a vacinação infantil.

Além disso, a doutrinadora Maria Berenice Dias (2017, p. 488) afirma que “a autonomia da família não é absoluta, sendo cabível – e vez por outra até salutar – a intervenção subsidiária do Estado”. 

A legislação, por meio do poder de intervenção do Estado, complementa o poder parental na guarda e tutela da criança e do adolescente quando se faz necessário.

É, portanto, aplicável novamente o instituto do paternalismo jurídico como maneira de proteger e resguardar o bem estar do menor.  Se há risco para a saúde do menor, o que implica também em risco para a sua vida, o Estado legalmente possui direito e dever de intervir precocemente, conforme o art. 100, parágrafo único, VI do ECA (BRASIL, 1990).

 

4.4 Posicionamento jurisprudencial brasileiro a respeito da vacinação infantil obrigatória

 

Durante a pandemia do COVID-19 a questão da obrigatoriedade da vacinação foi levantada mais que o usual, levando demandas ao judiciário a respeito da colisão de direitos fundamentais tais como da liberdade versus o direito à saúde.

Neste sentido houve a impetração de Habeas Corpus ao STF. Habeas Corpus 195.045, segundo o qual: 

 

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de TODOS OS CIDADÃOS BRASILEIROS na acepção jurídica do termo, e todos os habitantes em território nacional, inclusive estrangeiros com residência fixa no Brasil, que possam vir a ser constrangidos em sua SAGRADA LIBERDADE, DIREITO À VIDA, SAÚDE, E INVIOLABILIDADE DE SEUS CORPOS, por atos legislativos, administrativos, promulgação de norma jurídica em sentido amplo ou estrito, ou, com força de lei ou não, ou ainda atos administrativos ou concretos, por justificativa de ‘poder de polícia’, ‘poder de Estado’ ou ‘poder jurídico’, ‘preservação da saúde pública’ ou quaisquer outras justificativas (...) no sentido de compelir ou obrigar qualquer cidadão Brasileiro ou habitante do território nacional, a ser vacinado, por vacina que não tenha desenvolvido/concluído sua fase IV de testes clínicos. (BRASIL, 2020).

 

A referida demanda além de possuir vícios formais, conforme foi alegado pelo então relator desta, o ministro Alexandre de Moraes, não foi apresentado constrangimento ilegal que implique na coação ou iminência direta de coação à liberdade de ir e vir, uma vez que a vacinação obrigatória, na forma da lei, não é capaz ameaçar violar ou coagir a liberdade de locomoção de alguém (BRASIL, 2020). 

Ainda segundo o relator do Habeas Corpus:

 

Não bastasse isso, como tenho salientado em inúmeros julgamentos, a gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de COVID-19 (BRASIL, 2020).

 

Assim, o habeas corpus não foi conhecido, bem como foi demonstrado pelo tribunal que a vacinação compulsória não oferece risco à liberdade locomoção.

Em outra ocasião, houve a ADI 6586:

 

AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. VACINAÇÃO COMPULSÓRIA CONTRA A COVID-19 PREVISTA NA LEI 13.979/2020. PRETENSÃO DE ALCANÇAR A IMUNIDADE DE REBANHO. PROTEÇÃO DA COLETIVIDADE, EM ESPECIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS. DIREITO SOCIAL À SAÚDE. PROIBIÇÃO DE VACINAÇÃO FORÇADA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CONSENTIMENTO INFORMADO DO USUÁRIO. INTANGIBILIDADE DO CORPO HUMANO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, LIBERDADE, SEGURANÇA, PROPRIEDADE, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. VEDAÇÃO DA TORTURA E DO TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE. COMPULSORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO A SER ALÇANÇADA MEDIANTE RESTRIÇÕES INDIRETAS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E ANÁLISES DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SEGURANÇA E EFICÁCIA DAS VACINAS. LIMITES À OBRIGATORIEDADE DA IMUNIZAÇÃO CONSISTENTES NA ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA CUIDAR DA SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA. ADIS CONHECIDAS E JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis. II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes. IV – A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no exercício do poder-dever de “cuidar da saúde e assistência pública” que lhes é cometido pelo art. 23, II, da Constituição Federal. V - ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

 

(STF - ADI: 6586 DF 0106444-70.2020.1.00.0000, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/12/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/04/2021) (grifo nosso)

 

Desta forma, como é possível observar na ementa, deve haver a proteção da coletividade, em especial das crianças e adolescentes. Além disso, a coercibilidade da vacinação é legítima quando não força a vacinação, mais determina medidas que incentivam a imunização. 

Não há mais de se falar em uma vacinação forçada nos moldes da Revolta da Vacina, de 1904. A legislação brasileira atual busca respeitar todos os direitos humanos da melhor maneira possível. 

O relatório da ADI 6586, reforça a obrigatoriedade da vacinação infantil instituída pelo ECA, ressaltando que não se trata de uma vacinação forçada, mas de um dever inerente ao poder familiar e que o seu descumprimento pode acarretar em penas pecuniárias, conforme imposto legalmente (BRASIL, 2021).

Ademais, ainda neste relatório, é afirmado que a imunidade rebanho é de suma importância para a proteção de pessoas, que por alguma razão, não podem ser imunizadas, tais como as crianças que ainda não alcançaram idade suficiente para imunização contra COVID-19, bem como as pessoas cujo o sistema imunológico não responde bem à vacina (BRASIL, 2021).

A decisão lembra ainda que o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no qual em seu art. 2, a, institui que o Estado deve assegurar a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento das crianças (BRASIL, 1992 apud BRASIL 2021).

Em outra ocasião o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF 754: 

 

TUTELA DE URGÊNCIA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONCESSÃO MONOCRÁTICA PARCIAL. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DA COVID-19. NOTAS TÉCNICAS 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS E 1/2022/COLIB/CGEDH/SNPG/MMFDH. ATOS DO PODER PÚBLICO QUE PODEM, EM TESE, AGRAVAR A DISSEMINAÇÃO DO NOVO COTRONAVÍRUS. CONHECIMENTO DO PEDIDO. ATUAÇÃO DA SUPREMA CORTE EM DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA VIDA E DA SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA ACERCA DA EFICÁCIA E SEGURANÇA DAS VACINAS. REGISTRO NA ANVISA. CONSTITUCIONALIDADE DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA. SANÇÕES INDIRETAS. COMPETÊNCIA DE TODOS ENTES FEDERATIVOS. ADIS 6.586/DF e 6.587/DF E ARE 1.267.879/SP. PRINSCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO. ABSTENÇÃO DE ATOS QUE VISEM DESESTIMULAR A IMUNIZAÇÃO. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO SOBRE O ENTENDIMENTO DO STF. DESVIRTUAMENTO DO CANAL DE DENÚNCIAS ‘DISQUE 100’. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO. I - Trata-se da Décima Sexta Tutela Provisória Incidental – TPI formulado por agremiação política no bojo da presente ADPF, que merece ser conhecido por dizer respeito a atos do Poder Executivo Federal praticados no contexto do período excepcional da emergência sanitária decorrente da disseminação ainda incontida da Covid-19, os quais têm o condão de, em tese, fragilizar o direito fundamental à saúde e à vida abrigados nos arts. 5°, 6° e 196 da Lei Maior, configurando atos derivados de autoridades públicas, passíveis, portanto, de impugnação por meio do controle concentrado de constitucionalidade. II - As crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e destinatários do postulado constitucional da “prioridade absoluta”, de maneira que a esta Corte cabe preservar essa diretriz, garantindo a proteção integral dos menores segundo o seu melhor interesse, em especial de sua vida e saúde, de forma a evitar que contraiam ou que transmitam a outras crianças – além das conhecidas doenças infectocontagiosas como o sarampo, caxumba e rubéola – a temível Covid-19. III – Como os menores não tem autonomia, seja para rejeitar, seja para consentir com a vacinação, revela-se indiscutível que, havendo consenso cientifico demonstrando que os riscos inerentes à opção de não vacinar são significativamente superiores àqueles postos pela vacinação, cumpre privilegiar a defesa da vida e da saúde, em prol não apenas desses sujeitos especialmente protegidos pela lei, mas também de toda a coletividade. IV - Constitui obrigação do Estado, inclusive à luz dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, proporcionar à toda a população indicada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19, de forma universal e gratuita, em particular às crianças de 5 a 11 anos de idade, potenciais vítimas - aliás, indefesas -, e propagadoras dessa insidiosa virose, sobretudo porquanto já há comprovação científica acerca de sua eficácia e segurança atestada pelo órgão governamental encarregado de tal mister, qual seja, a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. V - Com a vacinação em massa reduz-se ou elimina-se a circulação do agente infeccioso no ambiente e, por consequência, protege-se a coletividade, notadamente os mais vulneráveis. Além disso, a legitimação tecnológica e cientifica dos imunizantes contribuiu para o seu emprego generalizado e intensivo em diversos países, pois os programas de vacinação são considerados a segunda intervenção de saúde mais efetiva hoje existente, figurando o saneamento básico na primeira posição. VI - Há fundamentos constitucionais relevantes para sustentar a compulsoriedade da vacinação, por tratar-se de uma ação governamental que pode contribuir significativamente para a imunidade coletiva ou, até mesmo, acelerá-la, de maneira a salvar vidas, impedir a progressão da doença e proteger, em especial, os mais vulneráveis. VII - A obrigatoriedade da vacinação é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou a frequência de certos locais por pessoas que não possam comprovar a sua imunização ou, então, que não são portadoras do vírus, conforme, decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 6.586/DF e 6.587/DF. VIII - A defesa da saúde compete a qualquer das unidades federadas, seja por meio da edição de normas legais, seja mediante a realização de ações administrativas, sem que, como regra, dependam da autorização de outros níveis governamentais para levá-las a efeito, cumprindo-lhes, apenas, consultar o interesse público que tem o dever de preservar. Precedentes. IX - Neste momento de enorme sofrimento coletivo, não é dado aos agentes públicos tergiversar no tocante aos rumos a seguir no combate à doença, cumprindo-lhes pautar as respectivas condutas pelos parâmetros estabelecidos na legislação aplicável, com destaque para o rigoroso respeito às evidências científicas e às informações estratégicas em saúde, conforme determina o art. 3°, § 1°, da Lei 13.979/2020, cuja constitucionalidade o STF já reconheceu no julgamento da ADI 6.343-MCRef/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. X - Estando em jogo a saúde das crianças brasileiras, afigura-se mandatório que os princípios da prevenção e da precaução sirvam de norte aos tomadores de decisões no âmbito sanitário. E, neste aspecto, as orientações e os consensos da Organização Mundial de Saúde – OMS, bem assim as recomendações de outras autoridades médicas nacionais e estrangeiras, têm destacada importância, representando – conforme entendimento jurisprudencial do STF - diretrizes aptas a guiar os agentes públicos na difícil tarefa de tomada de decisão diante dos riscos a saúde colocados pela pandemia, que não poderão ser ignoradas quando da elaboração e execução de políticas no combate à Covid-19, sob pena de configuração de dolo ou, quando menos, de erro grosseiro. XI - Constata-se que, conquanto tenha havido um decréscimo relativo de mortes causadas pela Covid-19, a situação, de modo geral, ainda é preocupante, justificando a tomada de medidas enérgicas para debelar a doença, que tem imposto um pesado ônus para a sociedade, sobretudo em termos da perda de preciosas vidas humanas. XII - Não é possível admitir qualquer recuo no tocante a vacinação, já de longa data rotineiramente assegurada pelo Estado a todas as crianças, exigindo-se do Poder Público que aja com lealdade, transparência e boa-fé, sendo-lhe vedado modificar a conduta de forma inesperada, anômala ou contraditória, de maneira a surpreender o administrado ou frustrar as suas legítimas expectativas. XIII - Não se mostra admissível que o Estado, representado pelos Ministérios da Saúde e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, agindo em contradição ao pronunciamento da Anvisa, a qual garantiu formalmente a segurança da Vacina Comirnaty (Pfizer/Whyet) para crianças, além de contrariar a legislação de regência e o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, venha, agora, adotar postura que desprestigia o esforço de vacinação contra a Covid- 19, sobretudo porque, com tal proceder, gerará dúvidas e perplexidades tendentes a impedir que um número considerável de menores sejam beneficiados com a imunização. XIV - Embora ainda em uma análise preambular, as Notas Técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos - considerada a ambiguidade com que foram redigidas no tocante a obrigatoriedade da vacinação -, podem ferir, dentre outros, os preceitos fundamentais que asseguram o direito à vida e à saúde, além de afrontarem entendimento consolidado pelo Plenário do STF no julgamento das ADIs 6.586/DF e 6.587/DF e do ARE 1.267.879/SP. XV - De uma leitura mesmo superficial da Nota Técnica do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, percebe-se que a Pasta trata como violação de direitos humanos justamente aquilo que esta Suprema Corte, em data recentíssima, reputou constitucional, a saber: “a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares” imposta àqueles que se negam, sem justificativa médica ou científica, a tomar o imunizante ou a comprovar que não estão infectadas. XVI - Afigura-se ainda mais grave a possibilidade de desvirtuamento do canal de denúncias “Disque 100”, que, de acordo com as informações colhidas no sítio eletrônico do Governo Federal, “é um serviço disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos.” XVII - Medida cautelar referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para, considerando, especialmente, a necessidade de esclarecer-se, adequadamente, os agentes públicos e a população brasileira quanto à obrigatoriedade da imunização contra a Covid-19, determinar ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que façam constar, tão logo intimados, das Nota Técnicas 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS e 1/2022/COLIB/CGEDH/SNPG/MMFDH, a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 3°, III, d, da Lei 13.979/2020, no sentido de que (i) “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”, esclarecendo, ainda, que (ii) “tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”, dando ampla publicidade a retificação ora imposta. XVIII - O Plenário também determinou ao Governo Federal que se abstenha de utilizar o canal de denúncias “Disque 100” fora de suas finalidades institucionais, deixando de estimular, por meio de atos oficiais, o envio de queixas relacionadas às restrições de direitos consideradas legítimas por esta Suprema Corte no julgamento das ADIs 6.586/DF e 6.587/DF e do ARE 1.267.879/SP. 

 

(ADPF 754 TPI-décima sexta-Ref, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 Divulgado em: 25/05/2022. Data de Publicação: 26/05/2022) (grifo nosso)

 

A decisão demonstra a importância da vacinação infantil, pois trata-se da imunização de pessoas em desenvolvimento, além de ser medida para assegurar saúde pública. Mais uma vez o tribunal destaca que a obrigatoriedade da vacinação é totalmente legítima, uma vez que não se trata de vacinação forçada. 

No mesmo sentido decidiu o ministro Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Extraordinário com agravo  de nº 1.267.879 São Paulo, ementa a seguir: 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ILEGITIMIDADE DA RECUSA DOS PAIS EM VACINAREM OS FILHOS POR MOTIVO DE CONVICÇÃO FILOSÓFICA. 1. RECURSO CONTRA ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP) QUE DETERMINOU QUE PAIS VEGANOS SUBMETESSEM O FILHO MENOR ÀS VACINAÇÕES DEFINIDAS COMO OBRIGATÓRIAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE, A DESPEITO DE SUAS CONVICÇÕES FILOSÓFICAS. 2. A luta contra epidemias é um capítulo antigo da história. Não obstante o Brasil e o mundo estejam vivendo neste momento a maior pandemia dos últimos cem anos, a da Covid-19, outras doenças altamente contagiosas já haviam desafiado a ciência e as autoridades públicas. Em inúmeros cenários, a vacinação revelou-se um método preventivo eficaz. E, em determinados casos, foi a responsável pela erradicação da moléstia (como a varíola e a poliomielite). As vacinas comprovaram ser uma grande invenção da medicina em prol da humanidade. 3. A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente (art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores constitucionais. No caso em exame, a liberdade de consciência precisa ser ponderada com a defesa da vida e da saúde de todos (arts. 5º e 196), bem como com a proteção prioritária da criança e do adolescente (art. 227). 4. De longa data, o Direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a Lei nº 6.259/1975 (Programa Nacional de Imunizações) e a Lei nº 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional. Mais recentemente, a Lei nº 13.979/2020 (referente às medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha. 5. É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos ( CF/1988, arts. 196, 227 e 229) (melhor interesse da criança). 6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.

(STF - ARE: 1267879 SP, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 17/12/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 08/04/2021) (grifo nosso)

 

Essa decisão é de repercussão geral tema 1.103, trata especificamente do caso da vacinação infantil e a liberdade de exercer o poder familiar de acordo com as suas convicções filosóficas e decide que como forma de proteção do direito à vida e da saúde de todos, principalmente das crianças, é legítimo a obrigatoriedade da vacinação ainda que vá de encontro com princípios e interesses dos pais.

A compulsoriedade da vacinação, portanto, tende a seguir a mesma lógica de outras normas que buscam proteger o direito individual e coletivo à vida ou à saúde, como é o caso da legislação que obriga o uso da cadeirinha em bancos traseiros para crianças em veículos, a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança em veículos para todos ou até mesmo o caso Lei Seca que proíbe que o indivíduo dirija alcoolizado.

Estes são casos em que o Poder Público intervém na segurança dos cidadãos como forma de garantir direitos fundamentais. Não é diferente quando se trata da obrigatoriedade da vacinação.

Juízos de tribunais estaduais também já decidiram no mesmo sentido a respeito da vacinação infantil obrigatória:

 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA DE PROTEÇÃO PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO À SAÚDE. VACINAÇÃO DE CRIANÇA, DE 01 (UM) ANO DE IDADE, DE ACORDO COM O PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA. OPÇÃO DOS GENITORES POR NÃO VACINAR O FILHO MENOR DE IDADE POR MOTIVOS DE RELIGIÃO, IDEOLOGIA E ESTILO DE VIDA QUE NÃO PODE SE SOBREPOR ÀS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA UTILIZADAS HÁ LONGOS ANOS. PREPONDERÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DO INFANTE. OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO DAS CRIANÇAS NOS CASOS RECOMENDADOS PELAS AUTORIDADES SANITÁRIAS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS QUE SE RESOLVE PELA SUPERIORIDADE DO DIREITO INDIVIDUAL DA CRIANÇA, AINDA SEM DISCERNIMENTO. MATÉRIA FIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL NO STF: TEMA 1. 103, É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida e à saúde à criança, ao adolescente e ao jovem, por disposição constitucional, a teor do que preveem os arts. 4º; 100, parágrafo único, II; e 227 da CF, reafirmada pelo art. 3º do ECA. As vacinas não são novas, nem experimentais, amplamente testadas por anos - pressuposto básico - passíveis de distribuição e aplicação aos usuários finais que não dispõem de capacidade ou discernimento para optarem pela não-vacinação e sofrerem eventuais consequências de não terem sido vacinados, não podendo os pais deixarem de vacinar seus filhos diante de tais circunstâncias. A vacinação das crianças é norma cogente, obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, aos responsáveis cumprindo observar o calendário estipulado pelo Ministério da Saúde, cuja proteção inicia-se aos nos recém-nascidos, tratando-se de vacinas existentes há longos anos, amplamente estudadas, observados todos os protocolos pertinentes. Ausência, no caso concreto, de qualquer contraindicação à vacinação do menor, de dois 2 (dois) ano de idade, circunstância que não dispensa a vacinação obrigatória do infante. Existência de laudo do Departamento Médico Judiciário no sentido de ser muito mais provável que uma pessoa adoeça por uma enfermidade evitável pela vacina do que pela própria vacina, superando em muito o risco os benefícios da imunização, ausentes motivos para descumprir o Calendário de Vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde, política pública de erradicação de doenças em massa, tratando-se de atuação protetiva a todas as crianças que nascem no país. Preponderância do melhor interesse do menino, resguardando-se plenamente seu direito à saúde, o que impede chancelar a conduta dos genitores que, por convicções pessoais, religiosas e de ideologia de vida, optaram por não vacinar o filho menor de idade. Ponderação de que eventual risco com a vacinação do protegido seria o mesmo a que se submetem todas as crianças submetidas ao calendário oficial de vacinação, preponderando, no aparente conflito de normas, o direito individual do menor, que não possui capacidade de discernimento. Aplicação do § 1º do art. 14 do ECA; do art. 3º, ?caput? e parágrafo único, da Lei nº 6.259/75; e do art. 29 do Decreto nº 78.231/76.Precedentes do TJMG e do TJSP determinando a vacinação de crianças em casos análogos. Reconhecimento de caráter constitucional e repercussão geral do tema. Análise direito à saúde da criança e do adolescente em consonância com julgamento com repercussão geral, Tema 1.103, do STF, publicado no DJe, em 08-04-2021.apelo não provido. Apelo desprovido.

(TJ-RS - AC: 70085193688 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 23/08/2021, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 25/08/2021)

Novamente discute-se a colisão de direitos, situação em que é necessário que haja uma preponderância. Neste caso, o juízo aplicou decisão já pacificada sobre o caso, expondo como outros tribunais estaduais já estão proferindo decisões neste mesmo sentido.

É possível constatar que há sempre destaque à incapacidade da criança e do adolescente em decidir pela vacinação. Comumente situações em que o incapaz não pode tomar determinada decisão fica a encargo dos pais decidir a respeito disso. Porém, não há lacuna na lei a respeito da vacinação infantil quando se trata das vacinas obrigatórias instituídas em Calendário Vacinal pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
 

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

Este trabalho tem propósito exploratório, pois como afirma Gil (2002), esse tipo de pesquisa tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições e costuma envolver levantamento bibliográfico.

Quanto à abordagem, é uma pesquisa de abordagem qualitativa que conforme explica Gil (2002), costuma envolver análise de conteúdo e análise de discurso e por isso é utilizada aqui como maneira de chegar ao resultado fazendo uso da análise de fatores subjetivos. O autor Severino discorre sobre o uso da abordagem qualitativa em pesquisas: 

 

São várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades metodológicas. (SEVERINO, 2014, p. 103)

 

Quanto à coleta de dados, foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica e documental, diante da necessidade da consulta de livros, artigos acadêmicos e científicos, legislação e afins. Desta forma define-se como pesquisa bibliográfica:

 

[...] é feita com base em textos, como livros, artigos científicos, ensaios críticos, dicionários, enciclopédias, jornais, revistas, resenhas, resumos. Hoje, predomina entendimento de que artigos científicos constituem o foco primeiro dos pesquisadores, porque é neles que se pode encontrar conhecimento científico atualizado, de ponta. (MARCONI, LAKATOS, 2017, p. 57)

 

Já quanto a coleta por meio de pesquisa documental é definida  por Marconi e Lakatos (2017, p. 208) da seguinte forma: 

 

[...] é tomar como fonte de coleta de dados apenas documentos, escritos ou não, que constituem o que se denomina de fontes primárias. Estas podem ter sido feitas no momento em que o fato ou fenômeno ocorre, ou depois.

 

 Assim, na pesquisa documental é possível utilizar-se de arquivos públicos, arquivos particulares, fontes estatísticas podendo ser do tipo escrito ou outros, tais como iconografia, fotografias ou objetos (MARCONI, LAKATOS, 2017).

Sendo assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, de propósito exploratório e abordagem qualitativa, busca-se encontrar o resultado da problemática.

6 RESULTADOS E ANÁLISES

 

Primeiramente, foi feito um breve contexto histórico do surgimento da vacinação, o que mostrou que a vacinação teve um início conturbado para sua aceitação e implementação mundialmente, bem como o histórico das políticas de vacinação no Brasil mostra que a Revolta da Vacina não foi uma vacinação só obrigatória, mas forçada, bem diferente dos moldes atuais, no qual se há um respeito e valorização dos direitos humanos e a obrigatoriedade se dá por meio de medidas coercitivas.

Assim, foram tratadas quais as medidas coercitivas são regulamentadas no Brasil para que a vacinação tenha caráter obrigatório e percebe-se que muito dessa coercitividade se dá com a limitação do exercício de certas atividades ou o acesso a certos lugares quando não é seguida a recomendação de vacinação obrigatória pelas autoridades sanitárias.

Então, atualmente, a vacinação ainda que obrigatória necessita que o cidadão busque se vacinar e por este motivo foi abordado o declínio no número de imunizações e suas causas ideológicas, pois a busca pela vacinação tem diminuído e após discutir a respeito disso, percebe-se que um dos maiores motivos da hesitação vacinal é a desinformação do público e a disseminação de fake news. A desinformação faz com que as pessoas pensem que os riscos da vacinação se sobrepõem aos seus benefícios, o contrário do que é comprovado cientificamente.

Além disso, o estudo tratou da extensão do poder familiar na tutela da criança e do adolescente. Foi abordado a definição de poder familiar e constatou-se que esse instituto jurídico é a responsabilidade de tutela e de guarda da criança e do adolescente, no qual deve-se zelar pelo melhor interesse do menor e seguir os deveres do poder familiar dispostos pela lei.

Quanto aos deveres do exercício do poder familiar percebeu-se que os pais devem atender aos direitos fundamentais da criança e do adolescente de acordo com o que institui a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil, sob pena de suspensão ou extinção do poder familiar.

O que leva ao tópico das liberdades e limitações no exercício do poder familiar, no qual foi possível constatar que os pais não são totalmente capazes de definir o que é o melhor interesse do menor, pois em certas ocasiões é responsabilidade do Estado definir esse interesse, como é o caso da vacinação infantil. Não está a encargo dos pais decidir a respeito da vacinação dos filhos conforme suas crenças e concepções filosóficas, deve-se seguir o que é instituído em lei.

Neste sentido, estudou-se o poder de intervenção do Estado na tutela das crianças e adolescentes. Primeiramente foi evidenciado à saúde pública como bem comum a ser zelado e demonstrou-se que apesar do fornecimento da saúde ser dever do Estado, os cidadãos também possuem obrigações para com a sua manutenção.

O que leva à importância da vacinação infantil na manutenção da saúde pública, pois este é um dos deveres dos pais no exercício do poder familiar e como cidadãos na garantia da saúde pública. Diante disso, foi comprovado que a vacinação infantil é de suma importância para assegurar a manutenção da saúde pública, pois colabora na diminuição da mortalidade infantil, diminuição de gastos públicos com saúde e propagação de doenças infecciosas.

Assim, foi discutido também o princípio do melhor interesse do menor que faz com que o Estado legisle a respeito da vacinação infantil e concluiu-se que é legítimo e fundamental que o Estado intervenha na saúde da criança e do adolescente como forma de assegurar este princípio.

As jurisprudências colacionadas mostraram que para o Poder Judiciário o tema já é pacificado e indiscutível, de maneira que deve ser aplicado a obrigatoriedade da vacinação infantil conforme é instituído em lei.

Desta forma, confirmou-se a hipótese de que prevalece o poder de intervenção do Estado na decisão da vacinação infantil, pois o Poder Público utiliza-se deste poder de intervenção como forma de garantir a proteção de direitos fundamentais das crianças e adolescentes, como o direito à saúde e, consequentemente, o direito à vida. 










 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O objetivo geral deste trabalho foi analisar qual direito prevalece diante do embate entre o poder familiar e o poder de intervenção do Estado. Nesse sentido, foi realizada pesquisa bibliográfica e documental a fim de confirmar uma das hipóteses, a de que prevalece o poder familiar, ou autoridade parental, na tomada de decisão para vacinação infantil ou a de que prevalece o poder de intervenção do Estado na tomada de decisão para vacinação infantil.

Diante de tudo o que foi discutido e das jurisprudências juntadas confirma-se a hipótese de que prevalece o poder de intervenção do Estado na decisão da vacinação infantil, pois o Poder Público utiliza-se deste poder de intervenção como forma de garantir a proteção de direitos fundamentais das crianças e adolescentes, como o direito à saúde e, consequentemente, o direito à vida. 

Deve-se considerar, também, que diante do que foi analisado, a vacinação infantil é de extrema importância para a manutenção da saúde pública. A escolha dos pais em vacinar seus filhos deve ter como base o princípio da solidariedade, como foi exposto ao longo do trabalho.

Portanto, o objetivo geral do trabalho de analisar qual direito prevalece na vacinação infantil, se o poder familiar ou o poder de intervenção do Estado, foi alcançado, assim como os objetivos específicos ao longo dos capítulos.

Por fim, o tema é importante para que o público entenda a importância da vacinação infantil, que os benefícios se sobrepõem aos riscos, além de que a vacinação obrigatória é legítima e constitucional e não se confunde com a vacinação forçada. Ajuda a entender, também, o porquê da intervenção do Estado nessa questão, podendo-se aplicar para outras questões em que é perceptível o paternalismo jurídico, e que o poder familiar não é absoluto, capaz de ser limitado pelo Poder Público.

 

REFERÊNCIAS

 

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

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