TEMA: A USUCAPIÃO FAMILIAR À LUZ DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: A LEI 12.424/2011 E SEUS ASPECTOS (IN)CONSTITUCIONAIS.

Atos Paulo Nogueira Otaviano

USUCAPIÃO FAMILIAR E A CONSTITUIÇÃO: ASPECTOS DE VALIDADE DA LEI E A EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010.

 A lei 12.424/11 introduziu uma nova figura ao instituto da usucapião no Código Civil Brasileiro, dentro das espécies de usucapião urbana, chamada de Usucapião Pró- Moradia, a qual vem recebendo a denominação de Usucapião Familiar. Esta nova modalidade inseriu no Código Civil o art. 1240-A e seu §1º:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

  • 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. (CC, art. 1240-A)

Assim como os demais casos da usucapião espacial urbana, deve-se atentar para o fato de que a propriedade não pode exceder os 250m², além de que o possuidor só usufrui deste benefício se já não tiver outro imóvel, e apenas uma vez. De acordo com Tartuce (2014), a principal novidade é a redução do prazo para exíguos 2 (dois) anos, o que torna esta categoria aquela com o menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião. Ainda segundo o referido autor, a tendência pós-moderna é a de diminuição de prazos, tendo em vista que isto possibilita a tomada de decisões com maior rapidez.

É necessário observar que a usucapião familiar foi criada com o intuito de proteger aquele que depois de abandonado pelo cônjuge, permaneceu no imóvel. Entretanto, ainda assim, esta nova modalidade traz consigo muitos questionamentos e dúvidas a respeito de sua constitucionalidade.

De acordo com Farias; Rosenvald (2014), há um requisito inédito na usucapião Pró-familia, qual seja, o abandono do lar por parte de um dos cônjuges. E é justamente este requisito um dos mais polêmicos do dispositivo, isto porque a EC 66/2010 optou por revogar todas as disposições contidas infraconstitucionais alusivas à separação bem como suas causas. Com a nova redação conferida ao art. 226 da CF, §6º, afirmando que: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, foram superados os casos estabelecidos anteriormente para o divórcio, além de acolher o princípio da ruptura em detrimento da culpa, preservando a vida privada do casal. (FARIAS; ROSELVALD. 2014).

Um dos principais dissensos é o uso do termo “abandono do lar”, no qual se entende que aquele que “abandonou” é o culpado pela dissolução matrimonial, fazendo ressurgir a questão da imputação moral pelo fim do relacionamento. Salienta-se ainda que, em virtude da aplicação dessa norma, estaria ferido o Princípio da Igualdade, conforme artigo 5º, I, e artigo 226, §5º da Constituição Federal, já que um dos consortes, em detrimento do outro, estaria sendo mais beneficiado, gerando a desigualdade patrimonial entre ambos.

Afirma Silva (2012) que no que tange à segurança jurídica, a confiança no pacto antenupcial e no regime de bens, deixa de existir, vez que aplicando a referida norma, os consortes apressarão a partilha dos bens com receio de perderem patrimônio, e, não obstante, encurtarão o prazo de reflexão necessário entre a separação fática e a judicial, causando a antecipação dos atos, e distanciamento de uma possível reconciliação. Observa-se que vai muito além do que previa o espírito do legislador, pois entende-se que, ao invés de simplificar algumas situações, como por exemplo, o domínio do imóvel pelo consorte que foi “abandonado”, criará um impasse, como dito anteriormente, no que tange a partilha de bens, ou ainda, estará penalizando um dos consortes com a perda da propriedade em virtude da suposta “culpa”.

A princípio, o novo artigo pode ser visto como algo bom, vez que não deixa desamparado o consorte ou companheiro que foi “abandonado”, adquirindo assim a fração da propriedade que seria daquele que o “abandonou”. Contudo, tal dispositivo merece ser visto com ressalvas. No que tange ao abandono do lar, cabe ressaltar que, no caso em tela, é a chave mestra para a aquisição da meação do cônjuge que cometeu o ato supracitado.

Segundo o artigo 1.573, IV do Código Civil, designa-se o abandono, também, como uma das causas que inviabiliza a convivência do casal: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;”

Importante esclarecer que, o abandono ao qual se refere o dispositivo, deve ser voluntário, caracterizando infração nos deveres conjugais ou da união estável, portanto, embora não esteja expressamente previsto, supõe-se, por extensão, que o abandono que justifica a pretensão de usucapião em comento, citado no artigo 1.240-A do Código Civil, deverá ser voluntário e injustificado; “(...) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral (...)”.

Há, contudo, a interpretação do abandono do lar como alusão à culpa pela dissolução do relacionamento matrimonial. Após anos de críticas, a culpa foi extinta dos litígios familiares, por meio da Emenda Constitucional 66/10, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 do Constituição Federal; “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, trazendo como interpretação que “a única ação dissolutória do casamento é o divórcio que não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a causa, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda” ( BERENICE DIAS, 2010).

Boa parte da doutrina não aceita mais o indicativo de culpa no direito de família, inclusive quanto aos reflexos patrimoniais, conforme Gagliano (2010):

Obviamente que, com o fim do instituto da separação, desaparecem também tais causas objetivas e subjetivas para a dissolução da sociedade conjugal. Expendidas todas essas importantes considerações retornamos à nossa premissa: em caso de separação judicial (possível antes da Emenda) ou de divórcio, a dissolução do patrimônio conjugal dar-se-á segundo as regras do regime de bens aplicável, independentemente de quem haja sido a “culpa” do fim do casamento.

No entanto, algo ainda perturba neste quesito, pois, juridicamente não se exclui mais os direitos do consorte com causa na culpa, mas agora, com a inserção do artigo 1.240-A no ordenamento brasileiro, possivelmente, voltará o julgamento pela imputação moral para decisão do direito material. É preocupante, pois se trata de um retrocesso jurídico.

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