A doutrinadora gaúcha Maria Berenice Dias ensina-nos que em se tratando de sexualidade humana, " o traço especial de complexidade conferido pelo afeto, seja qual for sua natureza, estará onipresente, sejam as consideradas normais ou as declaradas proscritas, em sociedades antigas e modernas" .

O envolvimento entre as pessoas que compartilham do mesmo sexo esteve presente em toda história da humanidade, mesmo não sendo aceito e ainda que condenado em várias culturas e religiões. Contudo, as diversas civilizações sempre encontraram uma forma de revelar sua existência, por meio de mitos, lendas, relatos ou encenações.

O comportamento homoafetivo esteve claramente presente em duas grandes civilizações antigas que serviram de berço para a cultura ocidental.

A doutrinadora gaúcha ensina-nos também que na Roma, a sodomia era vista como um comportamento aceitável, estando no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. A censura recaía somente no caráter passivo da relação que era associado à impotência política. Não era um comportamento condenado ou censurado pois denotava virilidade.

Na Grécia Clássica a sodomia era plenamente aceita, havendo a crença de que, por meio do esperma, se transmitiam heroísmo e nobreza. Havia também a justificativa de treinar os jovens para as guerras, nas quais inexistia a presença de mulheres. Nas olimpíadas gregas, os atletas competiam nus, exibindo a beleza física. No teatro, os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos de mulheres.

O livre exercício da sexualidade era um direito legítimo das classes nobres, "verdadeiro privilégio dos bem nascidos" , fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis. O mais famoso casal masculino da mitologia grega era formado por Zeus e Gamimede. Lendas falam de amores de Aquiles com Patroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo.

O exercício não reprimido da sexualidade era visto como uma necessidade humana, restringindo-se a ambientes cultos, uma manifestação legítima da libido. Todo indivíduo poderia ser ora homossexual, ora heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega.

Sem dúvida, o maior preconceito contra a união de pessoas de mesmo sexo provém de religiões. A suposta crença de que a Bíblia condena o homossexualismo serve de justificativa para o ódio e a crueldade contra gays e lésbicas, conforme lembra o padre católico romano Daniel Helminiak, que , no entanto, é categórico: "Para mim, a Bíblia não fornece qualquer base real para a condenação da homossexualidade".

Segundo a Igreja, o contato sexual é restrito ao casamento e exclusivamente para fins procriativos. Daí pode-se, talvez depreender, a condenação do relacionamento homoafetivo, principalmente ao masculino. Toda a atividade sexual com uma finalidade diversa da procriação foi considerada pecaminosa pela filosofia natual de São Tomás de Aquino.

Com a Santa Inquisição a penalização da sodomia tornou-se mais severa. "Havia um sentimento crescente, na igreja, de que a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo que o incesto entre mãe e filho" . As leis dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia ? inexistia à época o termo homossexualismo - , sendo que o primeiro código ocidental de que se tem noticia prescrevia a pena de morte para a sua prática.

A expressão vox populi, vox Dei tinha o sentido de que, qualquer atitude em descompasso com a maioria, estava em desarmonia com a vontade divina e , por conseqüência, as minorias deveriam ser castigadas por implícito atentado a Deus. Tal como podemos depreender da citação a seguir: " Na Idade Média, houve a sacralização da união heterossexual, matrimônio foi transformado em casamento" .

Desde o surgimento do cristianismo e a conseqüência da criação da Igreja Católica, os casais formados por pessoas do mesmo sexo convivem com a intolerância. Até então, a sodomia não era considerado diferente dos demais, sendo bissexualismo, em termos sociais, uma prática aceitável.

Na legislação da antiga União Soviética constava uma cláusula czarista que castigava a atividade homossexual com pesadas penas de privação de liberdade. Com a Revolução Socialista, que pos fim ao período dos Czares, esta cláusula foi revogada sob a justificativa de que a questão da homossexualidade devia ser tratada exclusivamente de maneira científica e , portanto, não era passível de pena.

Esse ato do Governo Soviético, na ocasião, deu enorme impulso ao movimento de liberação sexual da Europa Ocidental e da América.

Apesar da revogação do castigo persistiam perseguições aos homossexuais nos povos orientais da União Soviética. Por volta de 1925, no Turquestão, foi criada uma cláusula adicional ao Código Legal da União Soviética, que já previa penalidades pesadas para os homossexuais.

A lei não resolveu a situação e as perseguições aos homossexuais persistiram com maior intensidade até que em janeiro de 1934 em Moscou, Leningrado, Cracóvia e Odessa verificaram-se prisões em massa de homossexuais. Essas prisões eram justificadas por questões políticas. Entre os presos encontravam-se muitos artistas, atores, músicos, que foram condenados por " orgias homossexuais " administrativamente a diversos anos de prisão ou exílio.

Em março de 1934 foi criada uma lei que proibia e castigava relações homoafetivas, assinada por Kalinin, então governante da União Soviética. De acordo com um relatório privado, essa lei saiu como uma espécie de medida de emergência, pois tais modificações legais só poderiam ser feitas pelo Congresso Soviético. De acordo com essa lei, as relações sexuais entre homens eram designadas como crime social, que, em casos mais leves, eram castigadas com três a cinco anos e , no caso de um relacionamento estável com cinco a oito anos de prisão.

Assim, a homossexualidade era novamente enquadrada na mesma categoria que outros crimes sociais tais como: banditismo, contra-revolução, sabotagem, espionagem, etc. Por ocasião das prisões em massa, criou-se uma situação de pânico entre os homossexuais na União Soviética. Consta que no exército verificara-se numeroso suicídio. A população citadina e das aldeias, ao contrário, mantinha uma atitude tolerante com relação aos homossexuais.

As perseguições aos homoafetivos também aconteceram na Alemanha, no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, onde essas perseguições tomaram feições políticas, o extermínio dos homossexuais passou a ser, tal como o anti-semitismo, uma política governamental. A confusão entre política e sexualidade era tão nociva a ponto de ser criado um lema na Alemanha: " Exterminai os homossexuais e o facismo desaparecerá".

Algumas décadas antes, em 1869, o médico húngaro Karoly Benkert escreveu uma carta ao Ministério da Justiça da Alemanha em defesa dos homens homossexuais que estavam sendo perseguidos por questões políticas.

O Código Penal do Segundo Reich em seu parágrafo 175 punia com pena de morte os homossexuais. Dr. Benkert, em sua carta, defendia a existência de um sexualismo normal, a heterossexualidade. Dizia que o amor e o sexo entre homens era um comportamento anormal, no entanto, tratava-se de algo inato e não adquirido, sendo assim não podia ser considerado algo ofensivo e nem perigoso, por não ser transmissível. O termo homossexualismo foi criado por este médico húngaro para definir esse comportamento. E acrescentava que em se tratando de algo anormal e inato merecia ser tratado pela medicina e não perseguido pela justiça. Estava criado o diagnóstico médico de homossexualismo.

Desde 1975. A Organização Mundial de Saúde, OMS, na sua classificação internacional das doenças, deixa de classificar o homossexualismo como doença mental e passa a classificá-lo como sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais. A palavra homossexualismo torna-se inapropriada para designar a pessoa que prefere sexualmente e afetivamente outra de mesmo sexo porque o sufixo ismo, em Medicina, quer dizer doença.

A denominação correta passa a ser homossexualidade, em Medicina, o sufixo dade quer dizer modo de ser.

Na última classificação da OMS, publicada em 1995, o diagnóstico homossexualismo não aparece mais. Isso significa que a homossexualidade não é mais considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde.

Estudos comprovam que os homossexuais constituem em torno de 10% da população mundial. Esta estimativa aceita mundialmente pelos estudiosos de diversas ciências, decorre de uma das mais sérias pesquisas sobre sexualidade humana realizada pelo zoólogo americano Alfred Kiusey.

Por representarem 10% da população , os homossexuais não estão na norma, são uma minoria, são anormais, o que não constitui por si só doença, os superdotados, as gravidezes de trigêmeos, os daltônicos são outros de anomalias e , são saudáveis. O que é anormal, ou seja, aquilo que está fora da norma, do quantitativo, não significa ser necessariamente patológico.

A genética confirma que boa parte dos homossexuais pesquisados tem um gene que predispõe a homossexualidade. Pesquisa realizada por Dean Hamer e sua equipe de geneticista do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, abre caminho para que a homossexualidade possa ser encarada como uma característica genética tal como a cor da pele, as habilidades motoras, a inteligência.

Esses estudiosos buscaram saber se existe uma influência genética na determinação da orientação sexual humana. As conclusões dessa pesquisa são que existe 99% de possibilidade que exista um sub-tipo humano de orientação sexual masculina, que sofre influência, mas não determinação, da genética no desenvolvimento da orientação homossexual. Caso confirme-se esta teoria podemos dizer que a homossexualidade é congênita, é natural.

Portanto, não poderíamos mais entender a homossexualidade como doença , ao contrário, deveríamos vê-la como uma forma de ser diferente. Uma forma de ser que se diferencia apenas no relacionamento amoroso sexual.

Durante quase meio século a Medicina tentou modificar esse comportamento do ser humano. Foram usados todos os métodos psicoterápicos e até mesmo alguns biológicos, os resultados foram nulos. Desde a internação psiquiátrica até tratamentos que aterrorizam pela barbaridade. Contudo, nenhum método resultou bom em termos de fazer o que se designa uma reversão, de homo para heterossexualidade.

A partir dos anos 60 e inicio dos anos 70 do último século, recém findo, aumentou a visibilidade das mais diversas expressões da sexualidade. " O movimento de liberdade desfraldou sua bandeiras, buscando mudar a conceituação, tanto social como individual, das relações homoafetivas".

A Religião e a Medicina deixaram de fazer dos homossexuais uma categoria à parte, são os próprios homossexuais que reivindicam seu direito à diferença.

O declínio da influência da Igreja notadamente no último século e neste que nasce, fez diminuir o sentimento de culpa, e o prazer sexual deixou de ser criminoso. O afeto passou a ser mais valorizado e a orientação sexual começou a se caracterizar como uma opção e não como um ilícito ou uma culpa.

As pessoas que vivem um relacionamento homoafetivo certamente não experimentam nenhuma forma de sofrimento pela escolha que fizeram, a única dor possível é aquela originada pela intolerância e o injusto preconceito social. O comportamento homoafetivo deve ser entendido simplesmente como uma variante natural da expressão sexual humana, um comportamento que determina uma maneira de viver diferente.

Houve uma discreta diminuição do sentimento de culpa que pesa sobre os homoafetivos. Mas a maior parte ainda oculta de suas famílias, com medo da rejeição, de seus amigos, de seus colegas de trabalho, enfim, de todos os que não são seus semelhantes. Vivem em grupos sociais muito fechados. O medo à visibilidade social só lhes traz um desgaste emocional muito grande.

A multifacetada sexualidade humana dificilmente poderá ser simplificada em dois únicos grupos: homossexuais e heterossexuais, a questão certamente é mais complexa. Mesmo que seja uma questão de preferência, se a homoafetividade não é desejável, no entanto, é uma opção lógica e deve ser respeitada em termos de direito e cidadania.

O psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa identificou uma tipologia de onze categorias sexuais diferentes na formação da sexualidade humana, atentando na identidade genital, de gênero e orientação afetivo-sexual mas adverte que "a classificação leva ao preconceito e a estigmatização do ser humano".

Em certas áreas da psicologia, a homossexualidade é compreendida como um distúrbio de identidade. Não é uma opção consciente ou deliberada. É fruto de um determinismo psíquico primitivo, que tem origem nas relações parentais desde a concepção até os três ou quatro anos de idade, quando se constitui o núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo.

Alexandre Saadeh, psiquiatra do Pro-Sex, Projeto Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirmou em reportagem divulgada na mídia que "ainda não está claro se a orientação sexual é determinada pelas figuras parentais ou se é condição biológica".

Alguns argumentam que a orientação sexual dos pais pode influenciar a de seus filhos. Se considerarmos tal raciocínio não existiria a homossexualidade, porque casais heteroafetivos não poderiam ter filhos homoafetivos. A preocupação com a herança sexual já foi derrubada, estudos comprovam que a orientação sexual não é adquirível no convívio familiar.

Pesquisas realizadas no Brasil apontam que 12% das meninas são molestadas sexualmente nas famílias, pelo próprio pai ou pelo padrasto. Nas famílias homoafetivas isso não acontece. Nestes lares podemos encontrar uma nova dimensão da noção de família, ancorada no respeito às diferenças e na tolerância.

As crianças criadas por homoafetivos tendem a serem mais tolerantes, elas respeitam mais a diversidade.

No Brasil não há proibição quanto à adoção de crianças por homoafetivos, nos parece que é melhor para a criança ser recebida em um lar especial, como o lar homoafetivo, do que permanecer na condição de rejeição que seus pais biológicos lhes impuseram ao abandoná-las. È comum homoafetivos adotarem crianças que ninguém quer, talvez por entenderem a dor da rejeição melhor que as demais pessoas. Certamente hão de haver conflitos entre pais e filhos, intolerância e ingratidão são características humanas que podem existir em lares de todo gênero.

Podemos ponderar, no entanto, que não existe verdade absoluta em se tratando de direito, sociologia, psicologia ou medicina. Conhecimento é relativo, por isso, todas as organizações sociais devem assegurar nas relações jurídicas o respeito e a tolerância a todas as pessoas.

Com a contribuição da antropologia jurídica podemos observar e comparar as modernas instituições de direito, através do conhecimento multicultural, capaz de lançar um olhar crítico sobre as nossas instituições jurídicas em face de outros povos de maior tradição cultural, como aqueles que formam o Continente Europeu. Ou, ainda, em face dos povos antigos cujos costumes e leis ajudaram a construir o mundo em que vivemos hoje.

A única solução para o fim da discriminação está no fim da intolerância, lembrando que a Declaração dos Direitos Humanos afirma que " Todos tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião", art.18, " de opinião e expressão", art.19 e que a educação " deveria promover a tolerância...", art.26.

Conforme consagrado na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

Conforme sábio ensinamento do professor João Batista Herkenhoff, alei pode ser injusta, mas o Direito não, o Direito pode, somente , ser justo.