Embora lentos, os passos do velho parecem avançar em incrível velocidade ao fim daquela escura estrada que agora falta bem pouco para se acabar. Cada passo parece fazer a escuridão se acentuar, é  como se automaticamente alguma fonte de iluminação  apagasse às costas do velho, que praticamente se arrastava rumo à total escuridão. Estranhamente bem distante e em direção oposta da qual caminhava aquele velho está surgindo uma imensa luminosidade, tão intensa quanto a esperança de muitos que a recebem com euforia.

Na trajetória, aquele velho pensa e revê tantas coisas. Certamente ele lembra que foram muitas as tristezas sim, mas tiveram muitas alegrias também, afinal a vida é assim desde sempre, uma eterna contradição. Ele revia e ouvia os choros pelas mortes e as alegrias pelos nascimentos. Revia as mesas com tanta fartura que beiravam a ostentação e que certamente levariam ao desperdício. E reviu também locais em que sequer havia mesas, só havia mãos e barrigas vazias e mentes desesperadas pensando e clamando por ao menos um pedaço de pão que fosse.

Ele revia e ouvia os risos cínicos de tantos que ilicitamente enriqueceram ou continuavam a enriquecer às custas de sacrifícios dos mais pobres.  Revia e ouvia risos de honestos trabalhadores em seus empregos e também muitos risos que viraram lágrimas de desespero, seja pela perda do posto de trabalho ou pela dificuldade em conseguir nova colocação, já que havia filas e mais filas com milhões e milhões de gente desempregada  há meses ou até anos.

Reviu e ouviu choros de emoção pela eventual vitória do time do coração de alguns se misturarem sarcasticamente aos choros de decepção dos derrotados que estavam do outro lado da moeda, neste caso do outro lado da torcida. Reviu e ouviu prantos que deixaram mais do que felizes as mães e os pais que recebiam uma nova vida se misturarem aos choros de dor e desespero de tantas famílias que perderam entes queridos, muitos dos quais em plena juventude ou até criança, tragados por violência de guerras, de acidentes ou da criminalidade generalizada.

E o velho deixar cair talvez sua última lágrima de emoção ao se lembrar de mais uma criança que se esquecia da fome ao menos no momento de brincar com seu esperto cãozinho de estimação que milagrosamente salvara-se da enchente de água e lama que mais uma vez destruiu praticamente toda a comunidade onde ele morava.  Agora, aquele menino poderia até "tirar onda" com o amiguinho que dizia ter o gato mais esperto do mundo, pois o bichano certa vez escapara ileso de um incêndio no conglomerado de casebres daquela vila de esquecidos.

Cabisbaixo com todo o peso dos últimos 364 dias, 23 horas e 55 minutos que vivera tão intensamente, o velho parece que está prestes a desabar e sabe que isso ocorrendo será pela derradeira vez. E isso o faz lembrar de uma coisa, lembrar de seu nome, que diziam ser Tempo  e de como ele ouvira tantas vezes ao longo de sua jornada, Tempo não pára e não volta, então o jeito mesmo é seguir. Porém não havia citação, ao menos que ele lembrasse, que dissesse que ele não podia ainda mais uma vez olhar para trás.

E ao longe era tanto barulho de fogos que ele teve, pela última vez, a sensibilidade de pensar nos coitados dos animais com aquela barulheira toda... Mas a luminosidade era tanta que lhe aguçou pela última vez a curiosidade e ele virou para olhar o horizonte de luz às suas costas que lhe ficava mais distante à cada segundo que passava, mesmo se o velho estivesse parado. 

Sim, muito longe nascia de novo o sol e nele podia se ver claramente um forte menino batizado de 2019, um ano novo certamente. E então, olhando sua sombra que sumia junto ao solo daqueles últimos segundos antes da total escuridão, o velho Tempo conheceu seu verdadeiro nome, 2018 e suas últimas palavras foram: "Bem vindo e adeus menino 2019, que você possa trazer para todos mais felicidade e menos tristezas do que eu fui capaz!  Que todos tenham FELIZ E PRÓSPERO ANO NOVO DE VERDADE!