A UERJ sobrevive à estupidez, à insensatez e a interesses escusos e continua viva. Há dois anos não ia à UERJ. Apesar de não ter sido aluno dessa admirável e singular Universidade Pública, sempre tive muito contato e carinho devido aos muitos cursos, seminários e reuniões que sempre fizemos para discutir conjuntura econômica, política e propostas para nossa atuação nas greves e passeatas durante os mais de quarenta anos de militância política. Comecei na política, através da participação nas grandes passeatas de 1976 e 1977 contra a ditadura militar. De 1972 a 1978, trabalhei em uma construtora que ficava na Avenida Rio Branco, próximo à Avenida Presidente Vargas. Não perdia uma passeata ou manifestação.

Depois de participar, no último dia 20, de reunião com companheiros de nossa organização política, a NOS – Nova Organização Socialista, estava descendo a rampa do Bloco “F” quando me deparei com o “Pêndulo de Foucault”(1), um mecanismo capaz de demonstrar o movimento de nosso planeta.

Imediatamente associei esse movimento da Terra aos alunos e alunas que lotavam as rampas da UERJ, num intenso movimento de subida e descida. Ao ver esses jovens e essas jovens, descendo e subindo as rampas, percebi que a UERJ estava viva. Por alguns segundos fiquei observando esse movimento e confesso que me emocionei com a cena. Percebi que aquele importante organismo e Centro de produção de conhecimento e pesquisa científica estava funcionando. Havia vida nas artérias do saber. Aferi com facilidade e precisão que os sinais vitais da Dona UERJ, uma senhora de 67 anos que já trocou de nome três vezes (UDF, URJ e UEG), estavam funcionando bem. Aos poucos ela está se restabelecendo. Ainda caminha devagar, seus órgãos não estão todos funcionando cem por cento; é possível perceber que os remédios prescritos e liberados - recursos e vontade política -, ainda são insuficientes para recuperar a saúde que sempre teve e que foi capaz de permitir a formação e educação de milhares de jovens que utilizaram suas dependências e corriam pelas rampas e corredores para conseguirem seus diplomas e se tornarem verdadeiros cidadãos, com pensamento crítico, poder de questionamento, capacidade de discernimento e principalmente senso de justiça diante de situações que a vida nos impõe.

O estado de saúde da Dona UERJ ainda requer cuidados; nada que tenha a ver com o estado agonizante e de improvável sobrevivência que se encontrava há poucos meses atrás. Agora é a hora de seus milhares de filhos e filhas não virarem as costas para ela! É hora de agradecer e retribuir, através de mobilizações e ações, o que somos hoje, mesmo aqueles que, como eu, só participaram de cursos, palestras e seminários. Somos filhos adotivos, mas somos filhos. Pois, também, nos alimentamos do saber e conhecimento absorvidos e transmitidos por centenas de extraordinários professores. A UERJ ainda tem capacidade de abrigar, em seu campus, milhares de novos alunos, inclusive netos e bisnetos. É lógico que precisa de alguns retoques no visual; percebi que seus cabelos na parte de trás precisa ser aparado. Mas, isso é de fácil solução. Nada que uma empresa de jardinagem não resolva.

Tem coisa mais importante para se fazer. Ainda temos milhares de funcionários da UERJ com salários atrasados e o 13º ainda sem receber. Os serviços terceirizados também sofreram com os atrasos e a maioria das empresas ainda não estão prestando serviço regularmente.

É imprescindível entender que a UERJ é um Centro de excelência, assim como todas as demais instituições de ensino público universitário. Por isso devemos preservá-las com toda determinação. Se, o grande capital, quer explorar as áreas de saúde e educação, que construa novos hospitais e novas universidades, mas deixem os que foram construídos com o dinheiro de impostos de milhões de contribuintes, durante décadas, em PAZ! Que usem os recursos do BNDES, subsidiados, igualmente, por nós contribuintes. Se for para saúde e educação ainda podemos tolerar, pois pelo menos tem um retorno útil para a sociedade. Mas, se for para produzir fetiche com mercadorias, tipo bens de consumo não essenciais, que façam com seus aportes de capitais próprios. Afinal, a desculpa dos grandes capitalistas, para seus lucros exorbitantes é que é preciso cobrir os riscos com o capital investido. É sabido que o grande capital não entra em projeto que não garanta retorno certo e atraente. Quando uma grande empresa não entrega a taxa de retorno pretendida, sabemos que o problema não foi de viabilidade econômica do projeto; sabemos que o problema foi de má gestão!

O mais importante é que esta admirável senhora, Dona UERJ, está viva. Sobreviveu a mais uma tentativa de homicídio por parte de políticos, travestidos de “doutores”, que diziam querer salvar sua vida, transferindo-a para as mãos de grandes grupos empresariais que atuam na educação, tal qual os que atuam na saúde, ávidos em produzir e reproduzir lucros para acumulação de grandes volumes de capitais. Produzir conhecimento e pesquisa científica é apenas um detalhe, é apenas meio para reprodução e acumulação de capitais. Não têm o menor compromisso com a população e o país.

Esta sobrevivência não significa pouca coisa. A UERJ é uma das maiores e mais importantes Universidades da América Latina. Se não bastasse isso, é a décima colocada em produção científica entre as universidades brasileiras e a primeira colocada em citações de artigos científicos.(2)

É preciso muita insensibilidade e nenhum compromisso, com o Estado e o país, para deixar uma universidade, tão importante como a UERJ, chegar a essa situação. A UERJ sobreviveu; está viva! Mas, a luta está longe de ter chegado ao final. É preciso não baixar a guarda. Somente no último ano, o pseudo-governador já tentou em duas oportunidades fechar a UERJ. Defender a UERJ é uma imposição, pois a luta pela defesa da UERJ é na verdade a luta contra a privatização de todas as universidades públicas do Brasil. Está no pacote do Golpe, a redução e posterior eliminação de todo o ensino universitário público e gratuito.

O grande economista Reinaldo Gonçalves, ex-presidente do Conselho Regional de Economia do RJ, já vem denunciando essa estratégia há mais de quinze anos.(3)

“...Cabe ressaltar que um dos setores no qual os norte-americanos têm maior interesse em entrar no Brasil é o da educação” (Leher, 2002)(4)

Sabemos que toda luta de classes, que é a luta entre interesses incompatíveis, começa com a luta ideológica. É preciso, antes de tudo, dominar o imaginário da população para impor suas ideias. Dominar a educação significa dominar a produção de ideias, de fazer prevalecer as ideias que perpetuam o “status quo”; é manter a situação vigente para defender e garantir interesses de classe, isto é, da classe, econômica e política, dominante. Não é uma dominação maniqueísta; evidente. Não se trata de lavagem cerebral; seria tolice, resumir e limitar um processo totalizante de construção ideológica à tirania teórica do determinismo. É todo um processo de ideação, de construção e desenvolvimento de conceitos conservadores e alienantes. É um passo para a escravidão ideológica e submissão a interesses corporativos de grandes empresas transnacionais. Uma educação que não ensina a pensar, de forma crítica, é uma educação limitada, cerceada e alienante. É esse o objetivo da recente alteração da grade curricular. Formar pessoas que não questionam o sistema.

É extremamente perigoso para um país, para sua soberania, enquanto nação independente, a educação de toda sua população entregue nas mãos de grandes grupos econômicos transnacionais com interesses econômicos e sociais totalmente antagônicos aos interesses da sociedade enquanto ambiente de total diversidade ideológica, histórica, cultural, racial, regional e multifacetada como são hoje todas as sociedades contemporâneas. É o mesmo que colocar um cabresto no desenvolvimento da civilização. O país que permitir, limitar e entregar de forma generalizada a sua formação educacional para grandes grupos econômicos transnacionais, que atuam na educação de maneira concatenada e associada, estará dando um passo decisivo para sua entrada no bloco dos futuros países fadados ao subdesenvolvimento econômico e social.

Um exemplo bem atual dessa “estratégia” de dominação ideológica são os vocábulos “parceria” e “colaborador” para substituir “funcionário” ou “empregado”. São termos, cunhados e produzidos por ideólogos de relações humanas (RH), a serviço dessas empresas multinacionais, utilizados no meio corporativo, para suavizar e atenuar relações conflitantes entre “Empregador X Empregado”, “Capitalistas X Trabalhadores”, “Capital X Trabalho”, “Capitalismo X Socialismo”. É uma estratégia para reduzir e relativizar relações antagônicas intransponíveis entre exploradores e explorados, ou seja, entre as grandes empresas e os trabalhadores.

Mais do que nunca, é imperioso a manutenção, resguardo e criação de universidades públicas que permitam a criação de ideias, desenvolvimento de produção cientifica inéditas, artigos científicos e principalmente a formação de pensamento crítico diante dos desafios cada vez mais intensos e velozes da sociedade moderna; mas também escrava e dominada, como nunca, pelas novíssimas tecnologias da informação, computação e cibernética.

(1) O pêndulo de Foucault tem um valor histórico inestimável; já que foi fundamental para demonstrar o movimento de rotação da Terra. Em seu deslocamento no espaço-tempo o planeta Terra realiza dois tipos de movimentos: O movimento de translação, que corresponde ao movimento do planeta em torno do Sol, com duração de um ano e o movimento de rotação, isto é, movimento da Terra em torno do seu eixo de simetria (Norte-Sul), com duração de um dia.

(2) http://www.uerj.br/lendo_noticia.php?id=1310

(3) Gonçalves, Reinaldo. A herança e a ruptura. Cem anos de história econômica e propostas para mudar o Brasil.

(4) Leher, R., “Perspectivas para a América Latina e a universidade pública diante da ameaça da ALCA”, ADUFF Sind, Associação dos Docentes da UFF, Caderno nº 7, 2002.