A Trajetória De Professoras Primárias Na Era Vargas

Por Messias Ferreira | 02/12/2007 | Educação

A TRAJETÓRIA DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS NA ERA VARGAS.

FERREIRA, Messias.
IE
Propeq/PIBIC
messiasuifmt@yahoo.com.br.

A finalidade deste trabalho é apresentar as dificuldades encontradas pelas mulheres para ingressarem no ensino primário no Brasil, tanto na qualidade de alunas como na de professoras, durante o governo de Getúlio Vargas, entre os anos de 1930 a 1945, período em que ficou conhecido como “A era Vargas”.

Nele a prioridade da comunicação é voltada para o estado de Mato Grosso, analisando assim os valores, expressões e práticas do dia a dia que interferiram na identidade de professoras, no tocante à sua formação, no desempenho de suas funções e na atuação em movimentos sociais pró-educação.

A grande importância dispensada ao período é devido ao momento de grandes transformações ocorridas na área da educação no Brasil, e especificamente, em Mato Grosso, quando a industrialização e a urbanização exigiam um moderno modelo de escolarização, bem como se notava o fortalecimento da mulher na prática do magistério primário.

As alterações existentes atualmente no setor educacional são provenientes das tentativas de ajustamento do ensino às mudanças político-econômicas de modernização do país. Para um melhor embasamento, faz-se necessário analisar o regulamento de 1837, no qual se nota que o ensino primário era prioridade do sexo masculino, sendo excluído, portanto, o sexo oposto.

De acordo com o artigo 32, título 6, a obrigatoriedade escolar era apenas para meninos, que deveriam ingressar nas escolas aos 8 anos de idade, prescindindo as meninas desta equidade.

Nos meados de 1870, sonhava-se um Mato Grosso moderno, com quimeras de reunir nas escolas públicas, crianças que seriam instruídas e educadas, e que, após isso, se tornariam o orgulho do país.

Porém eram imensas as dificuldades encontradas para a realização desse sonho, tendo em vista a existência de diversas barreiras impeditivas, tais como: exigência na separação de salas de aulas de acordo com o sexo da criança; necessidade da existência de um número mínimo de 10 alunos matriculados, e após 6 meses, 20 alunos com freqüência regular nas aulas; exigência de abaixo-assinados, referendado por um juiz de paz; e o que pode ser considerado o maior entrave, a divergência por parte das famílias, que não viam a necessidade do ensino escolar para suas filhas.

No discurso de alguns dirigentes, ênfases eram dadas à escola, que passava a desempenhar um papel indispensável na sociedade. O Presidente do Estado à época, srº. Pedro Celestino pregava em seus pronunciamentos a importância do progresso para a expansão do ensino a toda população, proporcionando assim um aumento de produtividade, acelerando o seguimento de urbanização e aumentando o número de pessoas alfabetizadas; bem como tornando a escrita e a leitura fundamentais na inteiração social do indivíduo.

A partir de 1910, com a reforma do ensino em Mato Grosso, foi criada a Escola Normal na capital do Estado, Cuiabá, sendo esta a responsável pela introdução da mulher no magistério. Apesar do anseio em habilitar professoras, esse era o único estabelecimento existente em todo Mato Grosso com esta finalidade, e por essa unicidade, o número de normalistas atuantes na área da educação era reduzido. Por ser assim, o ensino era ministrado por pessoas com instrução rudimentar, desprovidas de uma formação pedagógica, sem mínima capacitação para o exercício da função, e que “aos trancos e barrancos”, seguiam transmitindo um ensino precário, centrado apenas na leitura e na escrita.

No interesse de melhorar a formação de profissionais para atuarem na área, construiu-se em 1914, o Palácio da Instrução, para onde foi transferido o Curso Normal. Tal medida não alterava tanto a situação, levando-se em consideração que o obstáculo da distância entre a Capital e o interior do Estado continuava a mesma. Porém, é notória a preocupação com a melhoria do ensino, e particularmente, com a capacitação de pessoas para exercerem a função de docentes.

A propagação de estabelecimentos de ensino em Mato Grosso permaneceria sendo, por longo tempo, um problema difícil de solução, em razão da falta de recursos financeiro e humano, bem como da ineficácia de seus dirigentes, contribuindo para o opróbrio do ensino público no Estado.

Com a promulgação do Decreto 759, em 22 de Abril de 1927, que surgiu para a reparação de incorreções (como, por exemplo, contratação de professores sem realização de concursos) contidas no Regulamento de 1910, assim como para acompanhar as reformas realizadas em outros estados, foi criada a Lei Orgânica do Ensino Primário, aprovada em nível federal. Este decreto tornava o ensino além de leigo e obrigatório, também gratuito.

Por volta de 1930 já havia sido instalado um Curso Normal também em Campo Grande, contando, portanto, com dois cursos direcionados à formação de professores.

Não obstante às dificuldades encontradas para a formação de pessoal que fomentasse o ensino, estes deveriam ser aprovados em concursos, sendo exigidos daqueles candidatos a ministrar aulas nos grupos escolares, comprovação de experiência no magistério e diploma de conclusão do Curso Normal.

Mesmo admitindo o despreparo e os baixos salários percebidos pelos professores, os dirigentes da educação impunham aos profissionais da área toda responsabilidade pelo ensino, exigindo deles o máximo de esforço, tentando-se assim esconder as deficiências do Estado.

Talvez seja esse um dos motivos que levou os homens a abandonarem a carreira de professor, procurando cargos relacionados ao comércio e à máquina administrativa, proporcionando a inserção das mulheres no campo de trabalho, especificamente no magistério. Mato Grosso se via tão carente de escolas, que conforme dados estatísticos de 1933, perdia para quase todos os estados do Brasil, à exceção de Goiás, Piauí e Acre.

Pela instabilidade política gerada com a nomeação de interventores, o ensino no Estado pouco se alterou com a Revolução de 1930.  A proposta de uma Escola Nova, apesar de haver sido divulgada país afora, não encontrou respaldo junto aos educadores mato-grossenses, tendo sido a colonização e a falta de estradas, aliados às limitações pedagógico-administrativas, fatores essenciais que dificultaram seu avanço.

Fazia-se necessário uma reforma geral no ensino e prédios escolares, que eram inadequados. Havia também a carência de material escolar, tendo em vista os existentes serem incompatíveis para suprir as necessidades do ensino.

No ano de 1937, através do Decreto 112, o interventor Júlio Muller incorpora a Escola Normal ao Liceu Cuiabano, e introduz, em substituição ao Curso Normal, o curso complementar especializado para o magistério primário. Este ato surgiu com a alegação de que o número de normalistas diplomadas, até a promulgação desse decreto, era suficiente para suprir a demanda do ensino nas escolas. Porém, esta argumentação não possuía fundamento, uma vez que autoridades envolvidas no processo de educação atestavam a falta de professores e o despreparo destes para atuarem na área.

Nota-se assim que o referido decreto entrava em contradição com a realidade do momento. Apesar disto, pelo período em que Júlio Muller atuou como interventor, a Escola Normal continuou extinta. Nota-se com isso que a proposta de uma Escola Nova ia se perdendo na ditadura imposta pelo governo de Vargas.

Houve na época a tentativa de se introduzir livros de autores regionais, porém pela escassez, estes não atendiam às necessidades, o que motivou a adoção de livros didáticos de autores paulistas.

Com a campanha “Marcha para o Oeste” em 1941, tornou-se maior a oferta de escolarização aos colonos, tentando com isso fazer da escola uma atração e fixação destes no campo.

A partir de 1942, com a promulgação do Regulamento da Instrução Pública, é restabelecido o Ensino Normal, com a recriação das escolas Pedro Celestino e Joaquim Murtinho, nos moldes da Lei Orgânica do Ensino Normal.

A promulgação da Lei Orgânica do Ensino Comercial em 28 de Dezembro de 1943 foi também uma das grandes propulsoras na inserção da mulher no campo de trabalho e na vida econômica do Estado.

Valendo lembrar que a instrução pública em Mato Grosso até o final da década de 30 era de responsabilidade do Estado. Após o período de intervenções, os municípios, juntamente com o Estado assumiram o Ensino Primário, minimizando o analfabetismo, considerado o grande obstáculo de desenvolvimento do Estado.

Palavras-chave: Ensino Normal; Curso Normal; Escola Normal.  

 Referências

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