A Teoria dos Mundos e o Brasil da Neutralidade

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 26/05/2025 | História

O senso comum faz com que, muitas vezes, tomemos como verdade algo jamais foi revestido de tal condição. Não, meus caros: ao revés do que disse o Ministro da Propaganda nazista, Josef Goebbels, uma mentira dita mil vezes nunca será verdade. E isso vale, também, para o contexto situacional do Brasil na Teoria dos Mundos.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, e mesmo anos após, o mundo se dividiu em dois blocos ideológicos. O mundo capitalista, liderado pelos EUA, e a esfera socialista, capitaneada pela URSS. E é aí que entra a referida teoria.

Os países que foram reconstruídos pelo estadunidense Plano Marshall abandonavam, ao menos de tempos em tempos, a ideia de uma utopia esquerdista (digo isso porque, em muitas eleições parlamentares desde então, políticos de partidos “canhotos” viriam a ser indicados como Primeiros Ministros). Capitalizando-se sob as ordens da potência reconstrutora, ou apenas aderindo ao sistema sem a destruição prévia causada pela guerra (como Portugal e Espanha), esses países declaradamente integrantes da órbita ianque passaram a ser denominados Primeiro Mundo.  Os EUA reconstruíram tais territórios para que não viessem a ser alvo de uma iminente invasão soviética e eventual imposição, pela potência oriental, de regimes socialistas (e, assim, fora da esfera de influência estadunidense, embora, como dito, Primeiros Ministros esquerdistas fossem indicados em países como Itália, Alemanha Ocidental, França e outros, que, embora não abandonassem totalmente o capitalismo, apenas lhe deram vieses social-democratas).

Já os países que, em razão da invasão nazista, foram, num rumo físico reativo e sentido contrário, invadidos pela URSS e nos quais a mesma permaneceu, militarmente, a fim de formar um escudo territorial protetor (a Cortina de Ferro) e implantar a ideologia socialista foram chamados de Segundo Mundo (que não se restringiu à Europa Oriental, mas, também, estendeu-se a todos os territórios socialistas liderados pela URSS, como Mongólia, Vietnã, Laos e Cuba).

Dos países que não seriam uma de suas Repúblicas politicamente anexadas, por ocasião Segunda Guerra, apenas a Polônia havia sido previamente atacada pela URSS (que a invadiu em conluio com a Alemanha hitlerista). E outro, por meio do protagonismo do líder dos Partisans, Josip Broz Tito, na resistência à invasão nazista de maneira mais independente da ajuda soviética, bem como da histórica aliança entre russos e sérvios, trilhada na comum crença do expansionismo clerical ortodoxo (embora Tito fosse croata e a URSS reprimisse a religião, pois Moscou sempre almejou ser a “Terceira Roma”, depois da homônima e de Constantinopla), seria o farol do que se convencionou chamar de Terceiro Mundo, ou Movimento dos Países Não Alinhados: a Iugoslávia.

Assim, Terceiro Mundo, ou Movimento dos Países Não Alinhados, foi o conjunto de nações que, durante a Guerra Fria, era liderado por Tito (e, também, por Gamal Abdel Nasser, do Egito, e Nehru, da Índia), rumo às respectivas independências nacionais, sustentadas por cada autodeterminação, sem uma declarada vinculação ao Primeiro ou ao Segundo Mundo. Mais uma prova de que não só resistências carismáticas, mas também as religiões também forjam a História Contemporânea, como bem evidencia o dinamismo da Iugoslávia frente à própria URSS, vez que seus principais povos, sempre, foram destinados à respectiva aliança sob a Cruz da Ortodoxia. É claro que, ao cabo, cada país adaptaria seu sistema econômico a um dos modelos prevalentes, ou adotaria uma terceira via (o que acabou não significativamente ocorrendo), mas, na esfera das relações internacionais, se identificaria como Não Alinhado.

E por que o Brasil não se enquadra na categoria de Terceiro Mundo? O Brasil, externamente, nunca assumiu ser um País Não Alinhado, simplesmente por pretender a total e absoluta neutralidade. Desta maneira, nosso status diplomático foi o de País Observador do Movimento dos Não Alinhados. Isso nos permitiu inúmeras vantagens, como a liberdade de tráfego político entre nações das três esferas teóricas, com a construção do máximo, e não redução ao mínimo de relações diplomáticas, sem riscos de retaliação comercial. Se a economia brasileira cresceu tanto durante as décadas de 1950 e 1960, deveu-se a este posicionamento, eis que, ainda que fôssemos integrantes do Movimento Não Alinhado, e não obstante os valores propagados pela Iugoslávia, pelo Egito e pela Índia, o comprometimento político com o bloco suscitaria, mesmo diante de países mais pobres, vinculação econômica que poderia ser desvantajosa.

Como expresso, os Não Alinhados não declaravam vinculação preferencial, seja ao Primeiro ou ao Segundo Mundo. Mas, sob a pressão da Guerra Fria, os ditos países (bem como os Observadores, caso do Brasil) submetiam, de fato, seu sistema econômico a um dos modelos antagônicos. Foi isso o que, definitivamente, aqui ocorreu em 1964.

Desta forma, a ausência do rótulo de Terceiro Mundo, e a não submissão ao Segundo Mundo foram escolhas, pura e historicamente, motivadas pela política.