A TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES E SUA APLICAÇÃO NA EXONERAÇÃO DE CARGO COMISSIONADO

Bianca Oliveira de Freitas Fernandes

Erick Silva de Oliveira [1]

Thiago Fernandes[2]

RESUMO 

Partindo da Teoria geral do Direito Administrativo, observa-se que o ato administrativo é uma espécie de ato jurídico que se diferencia dos demais porque tem um fim público. Parte desses atos são vinculados à lei e não dependem tão somente da vontade do administrador, no entanto existem atos que são discricionários, ou seja, são atos em que a administração pode praticar com liberdade de escolha em seu conteúdo. Essa “margem de liberdade” que é dada para a administração é o mérito dos atos. A discricionariedade de tais atos despertou questionamentos tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca de um possível controle do mérito pelo Poder Judiciário, em especial no caso de ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado que se constitui um ato administrativo de natureza discricionária, não exigindo, portanto, a indicação do motivo que enseja a sua realização, mas, em sendo este apresentado no ato deve este ser verdadeiro e existente, haja vista a nulidade poderá ser decretada pelo Poder Judiciário com base na teoria dos motivos determinantes.

INTRODUÇÃO

No que diz respeito à atuação do judiciário no controle sobre os atos administrativos discricionários entende-se que o mesmo não pode ir além do exame de legalidade para emitir um juízo de mérito sobre tais atos. Desta forma questiona-se se diante o mérito dos atos administrativos, ou seja, o campo de liberdade suposto na lei que incide no caso concreto é passível de controle pelo Poder Judiciário. A rigor, o Judiciário só poderia apreciar aspectos de legalidade e verificar se a administração ultrapassou ou não os limites da discricionariedade, caso isso seja verificado o mesmo poderá intervir.

Um ato discricionário representa a “margem de liberdade”, ou seja, o mérito  que o administrador tem para decidir. É importante avaliar a partir da legislação vigente os limites ao controle desses méritos vez que o ato administrativo é amplo, seja ele vinculado ou discricionário, ultrapassando as fronteiras da legalidade e, adentrando na decisão administrativa, deve analisar, sim, se a tomada de decisão da Administração seguiu os critérios de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Trata-se de uma esfera de apreciação onde o administrador decide com base na conveniência e a oportunidade da medida administrativa à satisfação da finalidade prevista no mandamento normativo. Sendo assim, essa “margem de liberdade” da atuação da administração precisa ser passível de controle, mesmo que não há expressamente uma previsão para que seja realizado tal ato. Portanto há uma tendência que se observa na doutrina, a qual seja de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, que não implica invasão na discricionariedade administrativa.

Algumas teorias vêm sido consolidadas, ou melhor, elaboradas para que haja uma fixação no limite da atuação do Poder Judiciário, de modo que ocorra uma ampliação na atuação do mesmo. Para fins deste artigo, pretende-se tratar da teoria dos motivos determinantes e sua aplicação na exoneração de cargo comissionado, mas para tanto se faz necessário perpassar pelas características do cargo comissionado e pela natureza dos atos administrativos discricionários.

1 OS ATOS ADMINISTRATIVOS

Em geral, para a doutrina os atos administrativos são todos os atos praticados no exercício da função administrativa. Primeiramente, faz-se necessário avaliar os elementos que constituem os atos administrativos e posteriormente avaliar os conceitos de vinculação e discricionariedade, pois estes conceitos baseiam o estudo do tema em questão. A Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular) menciona cinco elementos do ato administrativo, os quais sejam a competência, forma, objeto, finalidade e motivo. Até então far-se-á um estudo apenas sobre os três primeiros, vez que este ultimo será detalhado posteriormente.

A classificação de Di Pietro é bem relevante, vez que a autora faz distinções sobre estes elementos de forma clara. Quanto à competência e sujeito a autora afirma:

Apenas com relação à competência é preferível fazer referência ao sujeito, já que a competência é apenas um dos atributos que ele deve ter para validade do ato; além de competente, deve ser capaz, nos termos do Código Civil. Sujeito é aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato. Todo e qualquer ato, seja ele vinculado ou discricionário, só pode ser validamente praticado pelo agente que dispuser do poder conferido por lei para a sua prática. (DI PIETRO p.203, 2006)

A forma é caracterizada tão somente as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação de vontade da administração. O objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz e por fim tem-se a finalidade, que é caracterizada pelo resultado que através de um ato busca-se alcançar.

O ato administrativo é objeto de diversas classificações pela doutrina, conforme o critério em função do qual é agrupado. Dentre elas, segundo o critério do grau de liberdade da Administração em sua prática, os atos administrativos classificam-se em atos vinculados e atos discricionários.

Atos vinculados são aqueles praticados pela Administração sob a determinação de uma disposição legal que predetermina objetiva e completamente o comportamento a ser adotado em situação descrita. O administrador não dispõe de liberdade alguma e sua vontade é irrelevante. Já os atos discricionários são aqueles em que o administrador, em razão da maneira com a matéria foi regulada pela lei, deve levar em consideração as circunstâncias do caso concreto, sendo inevitável uma apreciação subjetiva para cumprimento da finalidade legal. Há, portanto, certa esfera de liberdade que deverá ser preenchida de acordo com o juízo pessoal e subjetivo do agente a fim de satisfazer a finalidade da lei no caso concreto.

Mello (2011) afirma que os atos discricionários são melhor denominados por atos praticados no exercício de competência discricionária, pois discricionário não é o ato, mas a “apreciação a ser feita pela autoridade quanto aos aspectos tais ou quais”. Discricionária é, portanto, a competência do agente, o ato é apenas o produto de seu exercício. Neste sentido, não há ato propriamente discricionário, mas discricionariedade por ocasião da prática.  

Cretella Júnior (1995) define o poder discricionário como aquele que permite que o agente se oriente livremente com base no binômio conveniência-oportunidade, percorrendo também livremente o terreno demarcado pela legalidade. O agente seleciona o modo mais adequado de agir tendendo apenas ao elemento fim.             

1.1 O MÉRITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Dentro da classificação doutrinária fora observado que os atos administrativos podem ser vinculados ou discricionários. No que se refere ao mérito estuda-se apenas o mérito relacionado aos atos discricionários, vez que estes atos apresentam o que muitos chamam de “margem de liberdade administrativa”, ou seja, o campo em que o administrador, com base na conveniência e oportunidade, utiliza para tomar uma decisão.

Na visão de Carvalho Filho (p.123, 2012) “o mérito administrativo importa valoração, outra não pode ser a conclusão senão a de que tal figura só pode estar presente nos atos discricionários”.  Celso Bandeira de Mello define o mérito administrativo como:

"o campo de liberdade suposto na lei que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissível perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada." (MELLO, p. 03,2011).   

Alves (2015) afirma em seu artigo que durante muito tempo, em matéria de Direito Administrativo, jamais se admitiu um controle de mérito do ato administrativo. Os clássicos pensadores do Direito, a exemplo de José Cretella Júnior, eram categóricos no sentido de afirmar que a apreciação do mérito administrativo caberia apenas ao administrador, sob presunção de legitimidade da “melhor escolha”. Ainda na visão deste autor: 

Aspecto algum do mérito admite revisão pelo Judiciário. Ao contrário, repele-a. o Judiciário tem campo próprio para locomover-se, não invadindo terreno privativo da Administração. Se alguma fração de mérito, por menor que fosse, se entrelaçasse, confundindo-se com a legalidade, estas duas entidades perderiam sua razão de ser, ou a noção de legalidade, nos setores comuns, sobrepujaria a noção de mérito. (CRETELLA JUNIOR, p. 266, 1995).

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