A Tecnologia do DNA Recombinante é considerada um dos maiores avanços da Ciência no século passado. A possibilidade de alteração do material genético de organismos vivos quer pela introdução, quer pela supressão de genes estruturais, abriu novas perspectivas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas tais como o aumento na produção de alimentos pelo cultivo de transgênicos, a fabricação de remédios mais eficazes pela utilização de microorganismos que interagem como “fábricas biológicas” neste processo, a prevenção de doenças com o mapeamento genético, a cura de doenças genéticas através da terapia gênica, dentre outros. Aqui será abordado, com base em autores que são autoridades no assunto, o funcionamento desta nova técnica e suas principais aplicações práticas nas mais diversas áreas. Ao final serão discutidas as implicações éticas envolvidas com o desenvolvimento da engenharia genética e seus possíveis impactos na natureza.

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INTRODUÇÃO

Desde a elucidação da complexa estrutura da molécula de DNA, em 1953, segundo modelo proposto por Francis Crick e James Watson, a Ciência nunca mais foi a mesma. Mais tarde, em 1958, Crick relaciona o DNA, o RNA e as proteínas, salientando o fluxo unidirecional da informação, do DNA à proteína. Apesar destas descobertas e dos avanços obtidos, de acordo com Nascimento et al (2003) até o início da década de 70 o material genético dos organismos era o componente químico mais difícil de ser analisado, quando então começaram a surgir as primeiras técnicas de isolamento e purificação de genes específicos, através do processo de clonagem gênica.

Muitas dessas técnicas eram provenientes da Microbiologia, Bioquímica, Imunologia e Genética Microbiana e permitiram que a molécula de DNA ganhasse um novo enfoque. A partir daí tornaram o DNA mais fácil de ser analisado, possibilitando o isolamento de regiões específicas da molécula, obtê-las em grandes quantidades e determinar a sua seqüência numa velocidade de milhares de nucleotídeos por dia (NASCIMENTO et al, 2003; PIERCE, 2004).

Em conjunto, estas descobertas foram decisivas e de fundamental importância para o surgimento de uma nova área de pesquisa dentro do campo da Biologia: a Tecnologia do DNA Recombinante.

Segundo Pierce (2004), a Tecnologia do DNA Recombinante, também chamada engenharia genética ou simplesmente biotecnologia, é um conjunto de técnicas para localizar, isolar, alterar e estudar segmentos de DNA. O termo recombinante é devido freqüentemente tais técnicas serem usadas para combinar o material genético de fontes distintas, tornando-o bem sugestivo.

Atualmente, são em grande número os objetivos práticos da pesquisa biotecnológica, desde a satisfação da curiosidade humana sobre a origem da vida ate ao controle e eliminação de doenças humanas, de outros animais e de plantas, enfim, à melhoria da qualidade de vida. Mesmo desconhecidos, ainda, os limites da aplicação prática da engenharia genética, sem dúvida agora dispomos de tecnologias para solução de problemas de natureza variada (CANDEIAS, 1991), as quais serão aqui discutidas e analisadas, sob a ótica de autores que são autoridades no assunto.

O DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA DO DNA RECOMBINANTE

Em última análise, a Tecnologia do DNA Recombinante consiste na técnica de reunião de DNAs derivados de fontes biologicamente diferentes. De acordo com BURNS & BOTTINO (1991), o processo geral baseia-se em três enfoques experimentais principais:

1.Produção de fragmentos de DNA de fontes diferentes que contenham as seqüências gênicas de interesse;

2.Reunião desses segmentos em uma molécula de DNA capaz de se replicar, normalmente um plasmídeo bacteriano chamado vetor;

3.Transformação de células bacterianas com a molécula recombinante de modo que elas se repliquem e então se expressem.

O desenvolvimento desta nova tecnologia só foi possível pela descoberta, no final dos anos 1960, das enzimas ou endonucleases de restrição. Este tipo de enzima atua como uma espécie de "tesoura biológica" que, após reconhecer determinada seqüência nucleotídica, faz corte bifilamentar na ligação açúcar-fosfato da molécula de DNA, produzindo fragmentos. Elas são produzidas naturalmente por bactérias como forma de defesa contra infecção viral, onde clivam em diversos fragmentos o material genético dos vírus, impedindo sua reprodução na célula bacteriana. Em contrapartida, a bactéria protege seu próprio DNA dessa degradação, modificando sua seqüência de reconhecimento pela adição de grupos metila, fenômeno conhecido como metilação (PIERCE, 1994).

Interessante notar que cada bactéria tem suas próprias enzimas de restrição e cada enzima reconhece apenas um tipo de seqüência, independente da fonte de DNA. As enzimas de restrição são de vários tipos, dependendo da sua estrutura, da sua atividade e de seus sítios de reconhecimento e clivagem. Para a Tecnologia do DNA Recombinante as mais importantes e mais usadas são as do Tipo II. Segundo Nascimento et al (2003), atualmente mais de 1000 enzimas de restrição diferentes já identificadas e isoladas de bactérias. A nomenclatura é baseada na abreviação do nome do microorganismo de onde a enzima foi isolada. A primeira letra refere-se ao gênero e as outras duas à espécie, seguido deum algarismo romano (ou outra letra) que indica a ordem da descoberta ou a linhagem da qual foi isolada. Por exemplo, a enzima de restrição EcoRI é purificada de uma Escherichia coli que carrega um fator de resistência RI.

Burns & Bottino (1991) afirmam que o sítio de reconhecimento das enzimas de restrição do Tipo II normalmente é uma seqüência palindrômica, ou seja, apresenta a mesma leitura nos dois filamentos, mas em direções opostas. Assim se a seqüência em um filamento é GAATTC lida no sentido 5'3', a seqüência no sentido oposto é CTTAAG lida no sentido 3' 5', mas quando ambos os filamentos são lidos no sentido 5' 3' a seqüência é a mesma. Portanto, segundo eles, o palíndromo apresenta-se da seguinte forma:

Estas enzimas reconhecem seqüências específicas de 4 a 8 pares de bases (pb) na molécula de DNA e fazem dois cortes, um em cada fita. Os cortes podem ocorrer no eixo de simetria da seqüência específica, gerando extremidades abruptas (não-desencontrada), ou fora do eixo de simetria, mas simetricamente, gerando extremidades coesivas (desencontradas, complementares). De acordo com Burns & Bottino (1991), estas últimas são as de maior importância para a técnica do DNA recombinante, conforme a seguinte ilustração:

Pierce (2004) resume a relevância das enzimas de restrição para a Tecnologia do DNA Recombinante da seguinte forma:

As enzimas de restrição são as operárias da Tecnologia do DNA Recombinante e são usadas sempre que os fragmentos de DNA devem ser cortados ou unidos. Em uma reação típica de restrição, uma solução concentrada de DNA purificado é colocada em um pequeno tubo com uma solução tampão e uma pequena quantidade de enzima de restrição. A mistura da reação é então aquecida na temperatura ótima para a enzima, geralmente 37º C. Dentro de algumas horas, a enzima corta todos os sítios de restrição no DNA, produzindo um conjunto de fragmentos de DNA (PIERCE, 2004, p. 493).

A família de fragmentos gerados pela digestão com enzima é geralmente detectada pela separação destes fragmentos por eletroforese em gel de agarose. Os fragmentos migram no gel em função de seus pesos moleculares sendo que os menores migram mais rapidamente. Depois disso, as bandas de DNA obtidas são visualizadas através da técnica de coração com brometo de etídio, um tipo de corante que fluoresce em laranja brilhante quando iluminada com luz ultravioleta (NASCIMENTO et al, 2003; PIERCE, 2004).

CONSTRUÇÃO DO DNA RECOMBINANTE

Segundo Burns & Bottino(1991), para construir uma molécula híbrida de DNA, os fragmentos obtidos a partir do tratamento de DNA de determinada fonte com enzimas de restrição são unidos a uma molécula capaz se reproduzir quando introduzida em célula bacteriana, geralmente um plasmídeo bacteriano. Os plasmídeos são facilmente isolados em grandes proporções de bactérias e geralmente apresentam poucos e limitados sítios de restrição.

Note-se que as duas moléculas de DNA são submetidas à ação da mesma enzima, que produz pontas abruptas (desencontradas) em ambas. Assim um plasmídeo cortado com uma enzima de restrição pode unir-se a um fragmento de DNA exógeno (de fora) produzido por esta mesma enzima que, depois de ligados definitivamente por uma DNA-ligase, resultam numa molécula de DNA recombinante. (fig. 01). Este plasmídeo portador de um trecho de DNA estranho é chamado vetor. Fagos vetores, que também usados da mesma maneira, têm a vantagem de poderem carregar fragmentos grandes de DNA exógeno.

Fig. 01 – Construção de um plasmídeo recombinante entre um plasmídeo bacteriano e o DNA genômico de outro organismo[2]

O plasmídeo (ou fago) recombinante é introduzido em uma bactéria, de modo semelhante ao que ocorre na transformação. Burns & Bottino (1991) afirmam que, uma vez dentro da célula bacteriana, o plamídeo se replica e o número cresce. Já que no procedimento são usados como vetores apenas plasmídeos que portam um ou mais genes marcadores de resistência a antibióticos, quando cultivadas em um meio contendo antibiótico, apenas as bactérias transformadas com o plasmídeo vetor recombinante sobrevivem e crescem. Cada molécula híbrida resulta em uma população de bactérias com o mesmo fragmento de DNA exógeno presente em todas elas. Assim o fragmento de DNA exógeno de interesse foi clonado em várias cópias, cada cópia dentro de cada bactéria da cultura obtida. O processo com todas as suas etapas é chamado clonagem molecular.

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