A SAGA DE CARLOS GOMES E SEUS AMIGOS AOS SERINGAIS DO MADEIRA-MAMORÉ NO INÍCIO DO SECULO XX 

 

 

Antonio Anicete de Lima[1], Antonio Dantas Sobrinho[2], Carlos Gomes de Alencar Neto[3], Antonio Anicete de Lima Júnior[4]

 

1. INTRODUÇÃO

 

Esse trabalho trata da Saga de Carlos Gomes de Alencar e de seus amigos, Manoel Dantas Souza, Antonio Dantas de Souza e José Fiuza, moradores do Sítio Baixio, município de Várzea Alegre, que desalentados pelas constantes calamidades das secas no Ceará, decidiram se aventurar nas terras do Norte do país, numa época em que os preços do látex para produção de borracha, tinham atingido os mais altos patamares no mercado americano e europeu, gerando no imaginário popular a ideia de enriquecimento fácil e rápido. 

Isso ocorreu no Primeiro Ciclo da Borracha, na Amazônia no final do século XIX e no início do século XX. Esse ciclo de extração da borracha, teve o seu apogeu entre 1879 e 1912, durou 30 anos e aconteceu após o surgimento do automóvel, quando a indústria automobilística potencializou o uso da borracha (NERY FILHO, 2015). No decorrer do primeiro ciclo da borracha, a região Amazônica foi responsável por cerca de 40% de toda a exportação brasileira. O Reino Unido pagava o produto exportado com libra esterlina (EDUCA BRASIL, 2020). 

Esses três jovens moradores do Baixio, tinham um relacionamento de amizade muito forte, desenvolvida desde a infância, pois, os seus familiares eram de Pio IX, município do Piauí, situado na fronteira com o Ceará, cujos limites são a leste com Campo Sales e ao Norte com Parambu e Aiuaba. José Fiuza, nasceu no sítio Chico, Calos Gomes de Alencar nasceu no Baixio; Antonio Dantas Souza e Manoel Dantas de Souza nasceram em Pio IX, vieram ainda muito jovens para o sítio Baixio, após a morte de seu pai José Dantas de Souza.

 

2. AS FAMÍLIAS DOS AVENTUREIROS 

 

2.1. A FAMÍLIA DE CARLOS GOMES DE ALENCAR

 

Carlos Gomes de Alencar nasceu no sítio Baixio, em 1883, era filho do casal, Francisco José de Brito (nascido em 1864) e Raimunda Chavelina Alencar (n. 1865), portanto, irmão de Elisa Pereira de Alencar (Vieira), Cândida Pereira de Alencar (Morais) e Ana Pereira de Alencar, Isabel Alencar, Manoel Carlos de Alencar e Pedro Carlos de Alencar.

A família de Francisco José de Brito era da cidade de Crato, enquanto que a de Raimunda Chavelina Alencar era de Pio IX, Piauí. Por ser da família Brito de Crato, Gustavo, filho de Carlos Gomes, afirmava que o Doutor Antonio Macário de Brito sempre dizia, quando ele ia ao seu consultório:

- Nas veias de vocês, corre o nosso sangue, rapaz!

Carlos Gomes casou-se quatro vezes, criou dezoito filhos, no entanto, sabe-se que do primeiro casamento com Maria Vieira de Morais (Fiuza), morreram três filhos, inclusive a própria mãe das crianças, vítimas da terrível gripe, conhecida no interior do Ceará como “Baraina” (Bailarina)[5], ou seja, a gripe espanhola, oriunda das Ilhas Baleares.

Essa tragédia se abateu sobre a família de Carlos Gomes, entre os anos de 1918 e 1919, quando ele morava no sítio Baixio gerando uma grande tragédia, num curto espaço de tempo, quando morreram quatro pessoas de seu seio familiar.

O primeiro filho do casal chamava-se José Carlos de Alencar, infelizmente, faleceu com 18 anos de idade no sitio Baixio, as outras crianças que faleceram nesse período foram - Jorgina Gomes de Alencar, Raimundo Carlos de Alencar e José Carlos de Alencar.  

São filhos do primeiro casamento de Carlos Gomes de Alencar com Maria Vieira de Morais, da família Fiuza, do Chico: José Carlos de Alencar (nascido em 1902), Joaquim Carlos de Alencar (n. 1906), Antonio Carlos de Alencar (n. 28 de fevereiro de 1908), Isaías Carlos de Alencar (1912), Maria Carlos de Alencar (1915); Jorgina Carlos de Alencar (1916), Raimundo Carlos de Alencar (1917).

Em 1919, três calamidades causaram muitas mortes no Ceará, a seca, a gripe “Bailarina” e a “bexiga negra”. A pandemia conhecida como “Baraina” se disseminou pelo interior do estado, atingindo o município de Várzea Alegre, causando centenas de mortes. Também, a severa e terrível doença conhecida como “bexiga negra”, causou a morte de várias pessoas na região, especialmente dos mais vulneráveis - as crianças e os idosos.

A ‘bexiga preta’ ou ‘varíola negra’ é o tipo mais grave da doença, quase sempre mortal, pois é hemorrágica, tomando todo o corpo da vítima, de evolução muito rápida e quadro clínico predominantemente neurológico. Nos casos mais graves de qualquer um dos tipos, havia dilaceramento dos tecidos moles, na fase final, caindo até́ pedaços de músculos, desfazendo-se o infeliz” (LEAL, 2019).

Logo após a morte de Maria Vieira de Morais, Carlos Gomes, casou-se pela segunda vez, com Marcelina Antônia de Jesus, parente de Antonio Anjo, do Baixio (dos Dantas), Várzea Alegre.  

Os filhos do segundo casamento de Carlos Gomes de Alencar com Marcelina Antônia de Jesus foram: José Carlos de Alencar (n. 1920), Luís Carlos de Alencar (n. 1921), Abraão Carlos de Alencar (n. 1922), Antero Carlos de Alencar (1923), Edite Carlos de Alencar (n. 1924), Risalva Carlos de Alencar (1926), Gustavo Carlos de Alencar (n. 1927).

Em 1928, Marcelina faleceu de forma trágica, foi tomar banho ao pôr do sol, desmaiou na beira do açude e se afogou. Carlos Gomes chegou da roça, perguntou aos meninos onde estava Marcelina, então, Joaquim respondeu:

Mamãe foi tomar banho no açude e está demorando muito!

Carlos Gomes, se dirigiu a Joaquim e ordenou:

- Vá ver o que aconteceu com sua mãe, pois está demorando a voltar!

Joaquim foi até o açude, então, tomou um grande sustou e voltou correndo para dá a notícia:

- Acudam! Acudam! Mamãe está morta! 

- Caiu na água, à beira do açude!

Carlos Gomes ficou viúvo pela segunda vez com trinta e cinco anos de idade, tinha doze filhos ainda na sua dependência, quatro da primeira esposa, com idade entre quinze e dezoito anos, mais oito da segunda família, com idade de um a anos oito anos.  Diante dessa situação não lhe restava outra alternativa a não ser, casar-se imediatamente.

Carlos Gomes de Alencar casou-se pela terceira vez com Higina Ferreira Lima (Ginu), filha de Aniceto Ferreira Lima e Joana Josefa Pereira, da Vacaria, Várzea Alegre. Desse terceiro enlace matrimonial nasceram sete filhos: Benjamim Carlos de Alencar (nascido em 01 de novembro de 1929), Alexandre Carlos Alencar (n. 30 de novembro de 1931), João Carlos Alencar (n. 1935), Agostinho Carlos de Alencar (n. 12 de abril 1940), Maria Helena Carlos de Alencar (n. 1942), Paulo Carlos de Alencar (n. 1944) e Marta Carlos de Alencar (n. 1946).

Em 1948, Higina Alencar de Lima faleceu de complicações cardiovasculares no Sitio Baixio, Várzea Alegre. Depois desse triste ocorrido, Carlos Gomes, casou-se com Maricota, uma viúva que também estava casando pela quarta vez. Isso foi no ano de 1949, porém, devido à incompatibilidade de gênios, o casal se separou em 1951.

 

2.2.  A FAMÍLIA DE MANOEL DANTAS

 

Manoel Dantas Souza e Antonio Dantas de Souza nasceram na Freguesia de Nossa Senhora do Patrocínio (Pio IX), Piauí. Os irmãos eram filhos do casal José Dantas de Souza (codinome, Joa) e Maria Dantas. Joa Dantas de Souza nasceu em Catolé do Rocha, Paraíba, mais ou menos em 1858, porém, em dezembro de 1864 teve início a Guerra do Paraguai e esse conflito durou até março de 1870. No ano de 1866, um volante militar passou em Catolé do Rocha, arregimentando jovens da cidade para a Marinha de Guerra do Brasil.

José Dantas é convocado, mas, com muito medo de morrer durante o conflito, foge naquela mesma noite para casa de seus parentes na fronteira do Piauí com o Ceará, indo parar numa “localidade denominada Umbuzeiro, à margem do Rio Condado, onde em 1871, o Padre José Antônio de Maria Ibiapina, conhecido como Apóstolo do Nordeste, construiu uma igreja, tendo como Padroeira, Nossa Senhora do Patrocínio” (WIKIPÉDIA, 2020)atualmente município de Pio IX.

José Dantas de Souza utilizou o criptônimo[6] Joa, nome adotado para escapar da prisão militar, essa foi uma estratégia importante, pois, ainda apareceu em “em Pio IX, um alferes comandando uma “volante” para recrutar rapazes a serem enviados ao Paraguai. Foram presos dois filhos de Pedro Antunes e de Antonio Carlos, porém com o prestígio que tinha na capital do estado do Piauí, os dois foram liberados” (BEZERRA, p. 149, 1981). Nessa época, Franklin Dória[7], membro do Partido Conservador, era o presidente provincial do Piauí, nomeado por carta imperial, de 28 de maio de 1864 a 03 de agosto de 1866.

Joa Dantas se estabeleceu em Pio IX, tornou-se tropeiro, fazendo o transporte de cargas no lombo de muares nas regiões circunvizinhas de Picos, Várzea da Vaca (Campo Sales), Assaré e Umbuzeiro (Pio IX). A atividade de tropeiro se tornou muito procurada na região, devido ao crescente desenvolvimento da vila de Picos e adjacências, cuja distância é de apenas 120 km, a sudoeste de Pio IX.

A região de Picos “foi colonizada incialmente pelos portugueses da família Borges Leal, no entanto, no final do século XIX, essa localidade teve um grande impulso com a chegada dos Gerbasi de descendência italiana que impulsionaram a região picoense, esse lugar era uma área de passagem dos viajantes, negociantes entre Oeiras e os portos de Recife, Fortaleza, Maranhão e Bahia, os italianos se destacaram na comercialização da borracha da maniçoba, cera de carnaúba, algodão e couro, dessa forma pode-se afirmar que esses imigrantes contribuíram tremendamente no impulso e desenvolvimento das atividades comerciais dessa importante região piauiense” (FONSÊCA, 2004).

A extração do leite da maniçoba[8], planta nativa do Nordeste, ocorreu de forma paralela ao Primeiro Ciclo da Borracha na Amazônia, motivado pelo desenvolvimento da região Norte, outros estados passaram a procurar plantas que também fornecesse matéria prima para a fabricação da borracha. Piauí, Ceará e Bahia possuíam a maniçoba que apesar de produzia látex em quantidade inferior ao da seringueira (Hevea brasilensis), inseriu o Nordeste no mercado internacional da borracha (LANDIM e OLIVEIRA, 2020).

A maniçoba (Manihot spp), segunda a Agencia de Informações Tecnológicas da Embrapa[9], pode ser utilizada como uma forrageira para suplementação protéica na alimentação animal, porquanto as suas folhas fenadas, apresentam mais de 17% de Proteína Bruta.

No Piauí, o incremento do extrativismo da maniçoba para produção de borracha ocorreu em duas fases de maior expressão: a primeira vai do final do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, período em que ocorreu grande comercialização do produto, chegando a corresponder a 62% das exportações piauienses, quando era exportado principalmente para os Estados Unidos, Inglaterra e França. A partir de 1911 os preços decaem de maneira gradativa, não chegando a ser desativada por completo; a segunda fase teve início a partir de 1940, quando os japoneses dominaram os mercados asiáticos em virtude da Segunda Grande Guerra. Por esta razão, os americanos incentivaram novamente a produção que permaneceu de forma contínua até 1960 (OLIVEIRA, 2001).   

Os filhos de Joa Dantas de Souza, Antonio Dantas de Souza e Manoel Dantas de Souza, nascidos em Pio IX, já conheciam a importância da borracha, extraída das maniçobeiras piauienses, porém, o seu rendimento e qualidade eram inferiores ao do látex dos seringais do Norte. Diante desse fato, observa-se que muita gente da região Sudeste do Piauí, de Picos e de Pio IX, migrou para a Amazônia.

Homens, mulheres e crianças foram envolvidas com a atividade de extração da borracha da maniçoba, durante mais de 50 anos viveram, vivenciando toda essa atividade estabelecida desde a extração até a comercialização do produto, isso, constituiu uma forma de vida única, uma organização estabelecida apenas nessa região, gerando um patrimônio cultural singular” (OLIVEIRA, 2001).

No final do século XX, Joa Dantas de Souza faleceu, quando ainda residia em Pio IX, depois de ficar viúva, Maria Dantas, tempo depois, casou-se pela segunda vez com Pai Chico e a família migrou para o Baixio, Várzea Alegre, Ceará.

Pai Chico era filho de um casal de retirantes cearenses, flagelados da Grande Seca de 1877-1879, que desesperado pela fome, abandonou o seu filho com apenas sete anos de idade, debaixo de um pé juazeiro perto de uma fazenda.

Eles pediram para a criança permanecer ali e esperar, até que viesse um fazendeiro que o levaria para sua casa, depois disso, eles retornariam para o conduzirem de volta para sua terra natal. Os pais da criança nunca mais voltaram, provavelmente, tenham morrido de fome ou de “varíola negra” na Grande Seca de 1877-1880, porém, o velho Chico, mesmo depois de muitos anos, ainda tinha a esperança de encontrá-los outra vez, ainda com vida.

Após a morte do pai, a família de Manoel Dantas e Antonio Dantas migrou para o Sítio Baixio, Várzea Alegre, onde os rapazes arranjaram trabalho na propriedade de Maria de Figueiredo Corrêa.

Manoel Dantas de Souza nasceu em 1882, em Pio IX, Piauí. Casou-se com Francisca Vidal Sobreira, quando ainda trabalhava nos seringais do Madeira, no ano de 1916, na Freguesia de Santo Antonio do Rio Madeira, Amazonas (atualmente, Rondônia). A família de sua esposa era natural de Brejo Santo, Ceará, mas, já residia nos seringais do rio Madeira.  

O casal teve dois filhos, Regina Vidal Sobreira (n. fevereiro de 1917) e Gérson Dantas de Souza (1919), mas, infelizmente o menino faleceu, pouco tempo depois da família retornar ao Ceará, em 1923. Francisca Vidal Sobreira faleceu em 1920, quando o casal ainda residia no seringal, esse fato triste, apressou a volta de Manoel Dantas para o Ceará.

São filhos do segundo casamento de Manoel Dantas de Souza com Maria da Gloria, nascidos no sítio Baixio, Várzea Alegre: Deoclécio Dantas de Souza, Glória Dantas de Souza, Joaquim Dantas de Souza e Luiz Dantas de Souza. Os filhos de Manoel Dantas eram muito altos, exceto, o Joaquim Dantas. Luiz Dantas, o filho mais novo, calçava quarenta e nove (aproximadamente 33 cm) e tinha 2,09 m de altura, um gigante no meio dos seus conterrâneos cearenses.

 

2.3. AS FAMÍLIAS QUE POVOARAM E COLONIZARAM PIO IX – ALENCAR E DANTAS

 

Carlos Gomes de Alencar conhecia a família de José Dantas, desde quando eles moravam em Pio IX. Os avós maternos de Carlos Gomes, Francisca Chavelina de Alencar e Carlos Gomes de Alencar (o velho), foram os pioneiros na colonização de Umbuzeiro (Pio IX).

As famílias que povoaram a região Pio IX, são descentes dos Gonçalves, Alencar, Pereira, Batista, Bezerra e Arrais, provenientes de Crato, Paraíba e Pernambuco. José de Alencar Bezerra, destaca que a comunidade Pio IX, sempre viu em Crato uma irmã mais velha, em que encontra apoio e desenvolvimento e acrescenta:

“O povoamento de Pio IX foi feito mais com famílias cratenses. Uns poucos casais de paraibanos e outros oriundos do próprio Piauí. A Confederação do Equador intensificou este povoamento. A heroína D. Bárbara de Alencar e suas irmãs, Inácia e Francisca, deixaram, na região sudeste do Piauí, alguns descendentes. Da filha de Bárbara Alencar, Joaquina, descende o ramo Alencar Antão de Carvalho, estudado pela maior autoridade em família Alencar, que é o Dr. Antonio de Alencar Araripe” (BEZERRA, p. 149, 1981).

A região fronteiriça do Ceará com o Piauí, Pio IX e Fronteiras foi durante muitos anos, refúgio de perseguidos políticos e foragidos da justiça, um lugar onde predominava o silêncio entre as famílias ali residentes. Foi nesse lugar que Joa Dantas, paraibano, foragido da Marinha de Guerra do Brasil, encontrou um ambiente apropriado para criar a sua família. Sabe-se que dois irmãos de José Dantas, também, passaram por essa região e foram os primeiros a se aventurarem nos seringais do Madeira-Abunã na região Amazônica.

Na região de Fronteiras, Piauí, esteve refugiada, a heroína cratense Bárbara de Alencar Pereira e parte de sua família, após a sua prisão na fortaleza de Nossa Senhora da Assunção em Fortaleza por participação ativa na Revolução Pernambucana de 1817, um movimento separatista republicano que manifestou a insatisfação local com o controle de Portugal sobre a região e com as desigualdades sociais existentes (ARAGÃO, 2012).

Bárbara de Alencar Pereira morreu depois de várias peregrinações em fuga da perseguição política em 1832, na cidade piauiense de Fronteiras, mas foi sepultada em Campos Sales, Ceará. Seu túmulo está em processo de tombamento (ARAÚJO, 2017).

Outros pioneiros importantes na colonização de Pio IX, além de serem da família Alencar, tiveram entrelaçamentos familiares com Monte Furtado da cidade de Crato.

 “O coronel Nelson da Franca Alencar do Lameiro casou-se com duas piononenses de Pio IX: em primeiras núpcias com Bárbara do Monte Furtado, neto de Manoel do Monte Furtado, um dos primeiros povoadores de Pio IX, originário do Ceará. E Leônidas Alencar, filha de Antonio Carlos, o moço. Antonio Carlos, um fazendeiro cratense, veio morar em Pio IX na companhia de seu pai Antonio Carlos, o velho, que comprou em Pio IX a fazenda Riacho-do-Meio. Antonio Carlos, o moço, casou-se com a viúva de Carlos Gomes, Francisca Chavelina de Alencar, filha de Vitorino que era filho de Francisca de Alencar e casado com Maria do Monte. Eu chamaria o ramo Francisca Chavelina, vulgo "Mãe Sinhara" de Alencar Monte” (ARAÚJO, 2017).

Ao que tudo indica, Francisca Chavelina de Alencar, casada com Carlos Gomes (o Velho) eram os avós maternos de ‘Carrim do Baixio’, Carlos Gomes de Alencar (o neto).

Carlos Gomes de Alencar era filho de Francisco José de Brito e Raimunda Chavelina de Alencar, portanto, descendente por parte do pai das famílias: Brito, Vieira, Morais, Bezerra, Correia, Duarte e Mendonça, colonizadores da região Sul do Ceará, de Várzea Alegre, Granjeiro, Caririaçu e Vale do Cariri. Também, tinha seus ascendentes familiares da família Alencar, Monte Furtado, na cidade de Pio IX, portanto, isso explica porque Carlos Gomes tinha um bom relacionamento como a família dos Dantas e Alencar, de Pio IX.

 

3. MIGRAÇÃO IMPULSIONADA PELA GRANDE SECA DE 1877-1879

 

3.1. RESUMO HISTÓRICO DA GRANDE SECA

 

Durante a Grande Seca de 1877-1879, na província do Ceará não havia praticamente, nenhuma infraestrutura básica para servir de apoio aos flagelados das secas, fenômeno esse sazonal e integrante da paisagem tórrida da região. Havia pouquíssimas obras de açudagem, barramentos e poços, afetando assim drasticamente as populações mais afastadas das áreas que margeavam as ribeiras do Jaguaribe, Cariús e Salgado.

Na região de Várzea Alegre, não há registro de construção de nenhuma barragem ou açude por parte do poder público. Os governos de algumas províncias, diante das constantes calamidades das secas nos sertões, começaram a incentivar os proprietários na construção de açudes como é narrado por François Molle (1994, p. 19):

"Em 1832, ou 1833, o conselho da província [do Ceará] propôs uma resolução que pelo poder legislativo foi convertida em lei, a qual concedia gratificação a quem fabricasse um açude de certas dimensões. Abusou-se muito da benéfica disposição dessa lei, porque muitas gratificações indevidas concederam-se. Mas, enfim muitos açudes construíram-se no espaço de alguns anos. A verdade é que, desde 1845, com o escarmento da seca desse ano, o número de açudes cresceu, embora a lei de gratificações tivesse sido revogada por causa do abuso dela, mesmo assim, nosso estado climatológico melhorou, de sorte que o Ceará gozou de seguintes anos de boas chuvas

No Ceará não havia infraestrutura de armazenamento de cereais, os locais de depósito eram precários, o milho era recolhido em paióis, o feijão e o arroz em surrões de couro cru.

Antes da Grande Seca, a Comissão Científica de Exploração[10] do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha realizado em 1859-1861 um levantamento bastante completo do Ceará. Tratava-se de uma primeira comissão nacional a produzir descobertas e relatos científicos (KURY, 2009, p. 28). A comissão esteve dividida em cinco seções: botânica, chefiada por Francisco Freire Alemão; geológica e mineralógica, por Guilherme Schüch, barão de Capanema; zoológica, por Manoel Ferreira Lagos; astronômica e geográfica, por Giacomo Raja Gabaglia; etnográfica, por Antônio Gonçalves Dias. O fruto da expedição foi o ensaio de Gabaglia (1861), A questão das secas na província do Ceará; outros dois ensaios foram publicados em 1877, primeiro ano da catastrófica seca. 

No dia 9 de outubro de 1877, os senhores André Rebouças, José Américo dos Santos, Adolpho Pereira Pinheiro, Emigdio Adolpho Victório da Costa, Francisco Carlos da Luz, Luís Schreiner e Antônio Alves Câmara propuseram uma reunião no dia 18 na Câmara Federal, para discutir os processos mais econômicos de realizar o projeto do doutor Gabaglia, destinado a melhorar as condições naturais da província do Ceará. Depois de duas sessões extraordinárias, chegou-se a um consenso: abertura de poços artesianos, construção de vias férreas, criação de arborizações, açudes e pescarias. Como medida imediata, Rebouças, insistiu na contratação dos serviços dos retirantes na realização das obras públicas e ainda acrescentou: “A preparar ‘silos algerianos’; a construir depósitos de cereais do sistema Gouy (Stephen), privilegiados pelo Decreto Imperial n. 5.778 de 28 de outubro de 1874; Silos Doyère; e Celeiros Arejados de sistema Deveaux” (GABAGLIA, 1861).

A falta de silos para armazenamento de grãos e de estratégias públicas de regulagem de estoque de cereais, agravou ainda mais o problema da logística de distribuição de alimentos aos cearenses, especialmente dos que estavam mais isolados no interior da província. A somatória do descaso político no enfrentamento do problema da seca, aliado a corrupção e a endemia da ‘varíola negra’, causou na província do Ceará, uma verdadeira tragédia, resultando em centenas de milhares de mortes.

A Grande Seca, de três longos anos de 1877/1879, causou uma grande tragédia no Ceará, culminando com a morte de mais de 70 pessoas somente na Vacaria e circunvizinhanças, conforme os relatos do Senhor Hygino José Pereira.

Aliada a fome, uma epidemia de varíola negra ou “bexiga preta”, o tipo mais agressivo da doença, causou uma grande mortandade, especialmente de crianças e pessoas idosas. Somente no ano de 1878, em Fortaleza foram registradas 57.780 mortes (STUDART, 1909, p. 44).

Para se ter ideia das dificuldades sanitárias da época, só no dia 10 de dezembro de 1878 faleceram 1.004 pessoas, e "os cadáveres de mais de 200 corpos ficaram insepultos e pela manhã foram encontrados meio comidos pelos cães, pelos urubus não havendo tempo de enterrá-los" (THEÓPHILO, 1980, p. 94).

O pânico tomou conta da população, tanto nas cidades, quanto no interior:

"A confusão foi então horrível, e o pânico tudo avassalou. A população inteira desvairou-se, como um bando de aves bravas que fosse alcançado à noite no quieto pouso pela ofuscação do facho de astuto caçador" (THEÓPHILO, 1980).

Os corpos eram jogados em valas comuns e enterrados rapidamente. No interior do Estado foram erguidos círculos de pedras que identificavam os locais da tragédia. Por muitos anos, esses locais ainda eram temidos e reverenciados pelos mais velhos, essa sinalização era uma forma de evitar futuros contatos e contaminação. Dizem que ainda hoje podem ser identificados no interior do sertão varzealegrense.

Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema. Centenas de famílias migraram para outras cidades e outros estados do país. Fortaleza converteu-se na capital do desespero. De 21 mil habitantes pelo censo de 1872 passou a ter 130 mil. A fome, o desespero e os surtos de varíola e cólera levaram a óbito, aproximadamente 500 mil pessoas sendo o Estado do Ceará o mais atingido (GARCIA, 2010).

 

3.2. MIGRAÇÕES PARA AS PROVÍNCIAS DA REGIÃO NORTE

 

A grande seca de 1877 e 1890 afetou a província do Ceará, provocando intensas ondas de migração. Diante dessa situação os dirigentes cearenses estimularam a migração para outras províncias, especialmente as situadas a oeste do Ceará - Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas - receberam a maior parte do fluxo migratório.

Nos portos de chegada, os trabalhadores foram acolhidos e utilizados como força de trabalho em obras públicas, colônias agrícolas e seringais, porém, os desvios de verbas esgotaram a capacidade de acolhimento em outras províncias, causando conflito e pânico em Belém e Amazonas (BARBOZA, 2015).

 

4. AVENTURA NA FLORESTA TROPICAL - BACIA DO ALTO MADEIRA-ABUNÃ E MACHADO

 

4.1. INCENTIVO A MIGRAÇÃO PARA A REGIÃO NORTE

 

A grande seca de 1876/1879, tinha deixado um rastro de morte, destruição e miséria no sertão do Ceará, muitos cearenses desiludidos com a situação de penúria, resolveram migrar, especialmente para a região Norte.

Na região Amazônica, surgia uma grande oportunidade de trabalho para essa gente simples, acostumada com a dura lida do campo – ‘a extração do látex nos seringais nativos da Amazônia’.  Era o auge do Primeiro Ciclo da Borracha (1879 a 1912), o preço do látex tinha se tornado muito lucrativo nas indústrias da Europa e dos Estados Unidos.

Segundo Furtado (2007), o elemento desencadeador desse movimento migratório foi a prolongada seca de 1877 – 80, durante a qual pereceu quase todo o rebanho da região, além de terem morrido entre 100 mil e 200 mil pessoas. Esse fluxo migratório teve incentivo dos governos dos estados amazônicos interessados, organizando serviços de propaganda e concedendo subsídios para os gastos de transporte, além dos desastres provocados pela seca.

Por conta disso, Silva Neto (2011) estima que que entre 1890 e o primeiro decênio do século XX, a região Amazônica pode ter recebido em torno de meio milhão de pessoas.

Esse intenso fluxo migratório, explica a rápida urbanização das principais cidades da região Norte. Os nordestinos foram importantes na ocupação e anexação do Acre ao território brasileiro. Segundo Reis (2001), “uma das consequências do rush gomífero foi a transformação de Manaus – e também de Belém -, de núcleo urbano de pequeno significado em metrópole não apenas política de Estado, mas demográfica, social e cultural”.

Além dos incentivos governamentais da província do Ceará, durante o período da Grande Seca, havia forte propaganda pagas pelos barões da borracha e pelo exemplo dos afortunados que conseguiam retornar, os chamados ‘paroaras’.  De acordo com tal discurso, a Amazônia era vista como “uma espécie de terra da fartura, onde, com o trabalho, o enriquecimento seria possível” (SILVA NETO, 2011).  Mas, chegando aos locais de trabalho a realidade era totalmente diferente (GUILLEN, 1999, p. 93).

Até os poetas sonhavam com esse ‘Novo Eldorado’, onde se fazia fortuna rápida, mas, viam também, o exemplo dos que chegavam pobres, doentes, magros, amarelos, trazendo no seu corpo as sequelas das doenças endêmicas da região:

I

“Cearense vai ao Norte,

Sonhando áureos castelos,

Sai daqui robusto e forte,

Volta magro e amarelo”.

 

II

“Vai de camisa e ceroula

Às vezes rasgadas em tiras

E volta de lá, pachola[11],

De chapéu de sol, cartola

E terno de caxemira[12]”.

(SECRETO, 2003, p. 58).

 

Motivado por esse sonho de ganhar dinheiro, em 1897, Carlos Gomes de Alencar, e posteriormente, Manoel Dantas, Antonio Dantas e José Fiuza, do Chico, Várzea Alegre, partiram do Sitio Baixio rumo ao vale do Guaporé, na divisa entre Rondônia, Acre e Bolívia. Uma verdadeira aventura a imensa selva Amazônica, batizada pelo Barão de Humboldt em 1872, de Hiléia, do grego, Hilaea, que significa “mata virgem e inexplorada”. 

Firmino Teixeira do Amaral, poeta piauiense, quando esteve no Amazonas no início do século XX, não teve uma experiência de sucesso na região, ficou por muitos anos trabalhando para pagar suas intermináveis dívidas, nas mãos de seringalistas inescrupulosos e gananciosos.

Quando se deparou com a gigantesca e emaranhada floresta, diante dos imensos desafios a sobrevivência humana, compreendeu que o sonho da riqueza fácil era uma verdadeira ilusão e assim se expressou:

I

Amazonas é um filtro

Aonde reina a ilusão

Suplicio da mocidade,

Vereda da perdição

Céu dourado da riqueza

Força cruel de pobres,

Escada do turbilhão.

(AMARAL, s/d: 1).

 

II

Os pobres que não conhecem

A vida no seringal

E ouvem dizer que lá

Tem riqueza descomunal,

Correm atrás da riqueza,

Mas... só encontram torpeza

Na luta triste infernal!

(AMARAL, s/d: 4).

 

III

Lá bebi gota de fel,

Daquele bem amargoso,

Dei graças a Deus sair,

Me julgo bem venturoso;

Hoje sei que o Amazonas

É um sonho vil, enganoso.

(AMARAL, 1916: 9).

 

4.2. A LONGA VIAGEM ATÉ SANTO ANTONIO DO RIO MADEIRA

 

Por volta do ano de 1894, Francisco José de Brito, foi picado por uma jararaca, como não havia ainda a disponibilidade de uso do soro antiofídico, veio a falecer nesse mesmo ano, quando morava no sitio Mulungu, Várzea Alegre. É importante esclarecer que somente em 1901, o Instituto Butantã iniciou a produção do soro antiofídico[13], tendo como seu fundador e pesquisador, Osvaldo Cruz.

Após a morte de Francisco José de Brito, pouco tempo depois, Raimunda Chavelina de Alencar casou-se pela segunda vez, mas, dentro de pouco tempo começaram as discussões, entre Carlos Gomes e seu padrasto, em vista disso, ele decidiu sair de casa com apenas quatorze anos de idade e arriscar a sua vida na região Amazônica.

Já de muito tempo, Carlos, tinha uma boa amizade com família de José Fiuza, do sítio Chico, que distava uns quatro a cinco quilômetros de sua residência. Fiuza, desiludido com as frequentes secas que assolavam o Ceará e motivado pelo sonho do “ouro branco” (látex), extraído dos seringais nativos da floresta Amazônica, resolveu arriscar a sorte nas desconhecidas terras do Norte.

Não foi difícil para Dona Raimunda Chavelina, permitir a partida de seu filho Carlos Alencar, com apenas 14 anos, pois, só assim evitaria uma encrenca maior com o seu esposo, no entanto, transferiu toda a responsabilidade do adolescente ao seu compadre José Fiuza.

Quando o grupo de cearenses chegou a Belém, como Carlos Alencar de Brito era menor de idade, José Fiuza, adicionou o sobrenome “Gomes”, que a partir daquele momento passaria a ser cognominado de Carlos Gomes de Alencar.

Com esse sobrenome, ele se tornava membro da família, somente assim, poderia prosseguir a sua jornada até as proximidades do vale do Guaporé. Os seringalistas facilitavam tudo para que não faltasse a mão-de-obra nos seus seringais, mesmo nos lugares mais remotos da região Norte, o lucro era mais importante de qualquer outra coisa.

Antes de sair do Baixio, Manoel Dantas, trabalhava na propriedade de Dona Maria de Figueiredo Corrêa, como vaqueiro, estava tão esperançoso em ganhar dinheiro, extraindo o látex da seringueira, que fez um prognóstico audacioso, diante de sua patroa:

- Dona Maria, quando eu voltar vou comprar essa fazenda.

O filho da fazendeira, Joaquim de Figueiredo Corrêa, presenciou esse fato e deu um sorriso apático e acrescentou:

- É preciso ganhar muita grana, Manoel Dantas! 

- Tenha cuidado para onça não lhe comer! 

- É melhor ficar trabalhando aqui na fazenda da mamãe.

A viagem até o vale do Guaporé na fronteira com o Rondônia, Acre e Bolívia, demorava em média 60 dias. O trajeto era feito em várias etapas: primeira etapa, Várzea Alegre – Fortaleza; segunda etapa, Fortaleza – São Luiz – Belém; terceira etapa, Belém – Manaus; quarta etapa, Manaus – Santo Antonio do Rio Madeira; o último trecho da viagem era o mais complicado, pois, a partir daí o rio Madeira tem várias cachoeiras, então, alguns trechos  da viagem era feita a pé ou em pequenos barcos, até a chegada a Fortaleza de Abunã, na divisa entre os atuais estados do Acre, Rondônia e Bolívia, onde os seringalistas tinham os escritórios de representação e distribuição dos seringueiros para os diferentes seringais da região. É importante salientar que, nessa época ainda não havia sido iniciada a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que ligaria Porto Velho e Guajará-Mirim.

 

A primeira etapa da viagem: de Várzea Alegre a Fortaleza

 

A estação de trem mais próxima de Várzea Alegre era a de Presidente Prudente, estava situada no município de Quixeramobim a 170 km de distância. Esse percurso era feito a pé ou a cavalo. Nesse caso, familiares ou pessoas da região eram contratadas para conduzirem as pessoas até o local de embarque, geralmente a viagem demorava de 3 a 4 dias.

Da estação Ferroviária de Presidente Prudente até Fortaleza, a viagem era feita em locomotivas a vapor, tipo “Maria Fumaça”, apelidada pelo sertanejo de Balduína, uma corruptela de Baldwin, de origem americana, cuja velocidade média era de 20 km/hora. A distância de Quixeramobim a Fortaleza via ferrovia é aproximadamente 237,467 km (RVC, 1960). O tempo gasto na viagem, com as paradas nas estações era de aproximadamente 15 horas.

Até o ano de 1897, quando Carlos Gomes foi à primeira vez para Fortaleza com destino ao Vale do Madeira no Amazonas, ainda não havia veículos motorizados no Ceará, pois, “o primeiro carro a motor, produto da fábrica Rambler, desembarcou em solo cearense em março de 1909, de acordo com informações do livro "Coisas que o tempo levou" (1939), de Raimundo de Menezes. Era um veículo de segunda mão, proveniente dos Estados Unidos e adquirido por dois cearenses, Meton de Alencar e Júlio Pinto, sogro e genro respectivamente. O valor pago pela dupla foi de oito mil contos de réis. O trajeto do automóvel entre a Alfândega, onde chegou, até o Cassino Cearense (Cinema Júlio Pinto), foi feito puxado por um jumento, já que ninguém sabia como o funcionamento do motor acontecia” (NÓBREGA, 2017).  

 

O Trajeto de Fortaleza a Belém - via São Luiz

 

Estando em Fortaleza era necessário esperar os navios a vapor que passavam pelo litoral do Ceará, vindos geralmente de Recife. A principal companhia de navegação era feita pela a “Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, fundada em 19 de fevereiro de 1894, através da incorporação ou encampação de diversas empresas de navegação, isso representou um importante marco no comércio exterior do Brasil[14]” (SANTOS, 2017).

Essa abertura a empresas estrangeiras ocorreu devido a frota mercante nacional não ter condições de atender à crescente demanda do processo de articulação comercial que estava em marcha na economia do Império. O Rio de Janeiro consolidava-se como a principal praça comercial. São Paulo ensaiava as primeiras marchas do café para frentes pioneiras. O Nordeste diversificava seu complexo agromercantil para cacau e algodão. O Amazonas iniciava sua trajetória na extração do látex para a produção da borracha, e as províncias do Sul apresentavam vantagens na produção da erva-mate, de charque e couro (FURTADO, 1989).

 A demanda de trabalhadores para a Amazônia aumentou o fluxo de navios do Nordeste para Belém, facilitando assim, o transporte de cargas e passageiros. Às vezes, a viagem era feita em navios superlotados e isso causava problema de falta de água e comida durante o trajeto.

Os relatos da Folha do Norte, contam a história dramática de Mariano José de Souza, um cearense que desesperado com a falta de comida para os seus filhos no vapor Brasil, que se deslocava de Fortaleza a Belém em 1898, depois de discutir com o cozinheiro e ameaçá-lo com uma faca, dois dias depois se suicidou, lançando-se ao mar, antes de chegar ao destino final, deixando a mulher e seus três filhos com menos de cinco anos de idade (LACERDA, 2006). Esse fato aconteceu um ano depois da primeira viagem de Carlos Gomes para a região Norte.

 

Trajeto de Belém, Manaus e Alto Madeira

 

Em Belém e Manaus existiam os escritórios de companhias, brasileiras, bolivianas, inglesas e americanas que faziam a triagem das turmas de trabalhadores vindo do Nordeste para os mais diferentes locais de exploração da borracha, nas bacias dos rios Madeira, Amazonas e seus afluentes. Geralmente, eles financiavam o transporte, a alimentação, durante o percurso até o seringal, nesse caso, quem não tinha dinheiro, já entrava como devedor do seringalista, que também era responsável pelo suprimento de todos os gêneros alimentícios nos seringais. Esta era a primeira grande armadilha do seringueiro, uma dívida crescente e impagável, que terminava muitas vezes num ciclo vicioso de escravidão, gerando conflitos e mortes.

As grandes embarcações e navios eram mantidos por companhias inglesas, as menores pelos grandes seringalistas que garantiam a logística de distribuição, comercialização e aviamento para manutenção das populações ribeirinhas.

Tudo começou em 1853, quando surgiu a primeira companhia de navegação fluvial de passageiros, a operar com navios de transporte e de passageiros no Rio Amazonas e seus afluentes, foi presidida por Irineu Evangelista de Souza, o famoso visconde de Mauá. A Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas[15] tinha plena exclusividade e recebia subsídios governamentais e operou até 1871, quando foi transferida para os ingleses (SOUZA, 1869, p.5).

. Por esse motivo, nos sítios arqueológicos onde foi construída a Usina Hidrelétrica de Ariquemes, na bacia do Jamari, foram encontrados vários recipientes, objetos e até motores utilizados em barcos de transportes de passageiros.  

Antes de chegar à vila de Santo Antonio do Rio Madeira, os navios de maior porte, aportavam a 7 km do destino final, pois esse local tinha condições de atracar os navios de maior porte, com o passar do tempo, esse ancoradouro passou a ser denominado de Porto Velho[16], a partir de 1907.

Até a vila, a navegação era feita por embarcações de menor porte e pequenos navios tipo gaiolas, devido a aproximação da cachoeira de Santo Antonio, que diminuía a profundidade do leito do rio. A superação do trecho encachoeirado do rio Madeira, a partir de Santo Antonio, um percurso de mais de 360 km até Guajará Mirim, constitui-se num dos maiores desafios enfrentados pelo governo brasileiro, cujo objetivo era de escoar a crescente produção de borracha dos vales dos rios Guaporé, Madre Dios, Madeira e do Rio Beni, ressaltando que esses três últimos rios adentravam no território boliviano.

No período 1872 a 1879 foram feitas várias tentativas para a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, porém, essas empresas americanas, desistiram do empreendimento, devido ás condições climáticas de intensas precipitações pluviométricas e das doenças endêmicas da região que dizimaram centenas de vidas.

No início de 1907, o contrato para a construção da ferrovia foi encampado pelo grande empreendedor estadunidense Percival Farquhar. No mesmo ano a companhia estadunidense, Madeira-Mamoré Railway, inicia a construção da ferrovia de 366 km de extensão, ligando Porto Velho a Guajará Mirim, concluindo a obra em 1912, um esforço que custou vida de mais 1600 operários e perdas materiais, por isso ficou conhecida com a Ferrovia da Morte[17]

Carlos Gomes chegou a Santo Antonio do Rio Madeira, em 1897, dez anos do início da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, porém, jamais imaginou que esse local tão afastado do resto do país, já tivesse uma atividade econômica tão efervescente, era o período áureo do Primeiro Ciclo da Borracha.

Em Santo Antonio do Rio Madeira foram construídos imensos galpões para armazenamento da borracha, quina, poaia, castanha e outros produtos de exportação provenientes dos seringais do Guaporé, Mamoré, Beni, Madre de Dios, Orton e Alto Madeira dos empresários extrativistas em sua maioria bolivianos. Assim como foram construídos armazéns para estocarem os produtos de importação de abastecimento dos centros produtores. Foram instaladas nesse local agências comerciais de filiais de empresas brasileiras e estrangeiras, tais quais a do guaporeense Balbino Maciel e a Suarez & Hermanos, boliviana (MACHADO, 2010).

Santo Antonio do Rio Madeira era o ponto de partida para diferentes seringais do rio Madeira que recebe águas dos rios: Madre Dios, Beni, Mamoré, Guaporé, Machado, Abunã, Mutum, Jaci-Paraná, Jamari, Ji-Paraná.

Os custos aproximados da viagem de Fortaleza ao seringal foram contabilizados, sem levar em conta as paradas nos grandes centros de Belém e Manaus, esperando a lotação e distribuição para os diferentes seringais do Amazonas. De Fortaleza a Belém 35 mireis (R$ 430,00 reais), de Belém até o seringal 150 mirreis (R$ 1.845,00), total gasto na viagem aproximadamente R$ 2.775,00 (CUNHA, 2003). Sem contar os custos de materiais de trabalho e alimentação. Não foi contabilizado, os equipamentos de trabalho e o fornecimento da comida para dois meses, estipulado num valor de 400 mireis, ou seja, de mais de R$ 36.000,00.

Quem não tinha dinheiro para financiar todos estes custos, iniciava seu trabalho com uma grande dívida ao seringalista, sendo assim obrigado a vender toda borracha e comprar todo seu mantimento necessário.

 

5. AS ATIVIDADES NO SERINGAL

 

5.1. PARA ONDE FORAM OS VARZEALEGRENSES? 

 

Não foi possível saber precisamente o local aonde estiveram os aventureiros varzealegrenses na região Norte do Brasil, no apagar das luzes do século XIX, no entanto, segundo as informações de Gustavo, filho do segundo casamento de Carlos Gomes, eles vieram com um destino certo, porquanto, já havia pessoas da família Dantas e Fiuza, trabalhando nos seringais do Madeira.

Sabe-se através dos registros históricos que João Dantas e Raymundo Dantas, provavelmente, tios de Manoel Dantas eram arrendatários do seringal de Bagé, exatamente na época em que José Plácido de Castro, comandante da revolução acreana, junto com Coronel Antonio Antunes de Alencar, anexaram pelas armas, o território do Acre ao Brasil em 1908, depois de longo período de embates com os bolivianos (CASTRO, 2005).

Também, a família Alencar já estava estabelecida na região desde o início do século XX, tendo como principais seringalistas na década de 1930 e 40, Jayme Peixoto de Alencar e Francisco Alencar.

Jayme Peixoto de Alencar foi um seringalista de muito prestígio em Santo Antonio do Madeira, Porto Velho e na região do Abunã, com a sua estrutura logística de transporte fluvial, mantinha o serviço de fornecimento em suas extensas áreas nos seringais do Madeira e Mamoré, bem como, fazia o transporte da borracha na região (LIMA, 2008).

 

5.2. A DURA LABUTA DIÁRIA NOS SERINGAIS NATIVOS DO MADEIRA

 

No Vale do Mamoré-Guaporé, nas proximidades da antiga Fortaleza do Abunã, a labuta diária começava muito cedo, ás quatro horas da manhã, pois, a extração do látex ocorre sempre nas primeiras horas do dia, devido as temperaturas mais baixas do ambiente, favorecerem a produção do látex.

Segundo os seringueiros, “o pau só dá leite até às dez horas”, e em seguida ocorre o recolhimento do leite, daí quanto mais cedo o recolhimento maior será a produção (NÓBREGA, 2016).

Francisco Castro de Brito, narrando a vida no seringal, assim descreveu a dura labuta diária do caucheiro:

 

I

Quando o relógio desperta

O seringueiro se alerta

Levanta e faz o café.

Toma um pouco com farinha

Põe um pouco na latinha

Dá até logo, pra mulher.

 

II

Aí se larga nas matas

Rompendo muitos espinhos

Também grande cipoal.

O patrão fica dormindo

E amanhece sorrindo

Dizendo ele foi aos paus

 

III

Carapanã e Pium

Faz a gente ficar louca

Penetra pelos ouvidos

E no nariz e na boca

.

IV

Chega em casa às 9 horas

As 10 horas vai jantar

10 e meia vai dormir

Com sentido em acordar.

 

V

Quando chega em novembro

Que começa o chuveiro,

O freguês entra na mata,

Só se vê o aguaceiro

E também gritos de sapo

E de pássaro agoureiro.

 

VI

As Rolas dão um gemido

De arrepiar os cabelos

As cigarras gritam tanto

Com um tão grande zunido

Faz tão grande confusão

Que faz doer os ouvidos

(BRITO, 2017).

 

Cada seringueiro, partia da sua cabana de palha, situada a margem do rio e seguia uma trilha estreita e escura, embrenhando-se na floresta úmida, conduzindo a tiracolo os seus petrechos: um facão, uma espingarda, uma tijelinha, uma jebong[18] para sangria da seringueira. No silêncio da madruga, caminhava na mata, conduzindo na sua cabeça, um farolete improvisado com uma porango perfurada no topo, na qual era colocada uma vela de cera de abelha, formando um foco direcional de luz que iluminava a trilha na densa floresta.

A selva era ao mesmo tempo um lugar deslumbrante e assustador. Deslumbrante pela sua beleza, variedade e riquezas naturais, no entanto, assustadora pelo emaranhado de armadilhas, escondidas nas suas trilhas e labirintos.   

O escritor Firmino de Castro, imigrante português que viveu como seringueiro, no seringal “Paraíso”, situado as margens do rio Madeira, entre 1912 e 1914, publicou a obra literária, a Selva em 1930, descrevendo-a com força natural assombrosa, voraz, tirânica, possuindo a capacidade de seduzir os seus exploradores, tornando-os meros fantoches e não seus dominadores:

Era um mundo à parte, terra embrionária, geradora de assombros e tirânica, tirânica! Nunca árvore alguma daquelas lhes dera uma sugestão de beleza, levando-lhe ao espírito as grandes volúpias íntimas. Ali não existia mesmo a árvore. Existia o emaranhado vegetal, louco, desorientado, voraz, com alma e garras de fera esfomeada. (...) A ameaça andava no ar que se respirava, na terra que se pisava, na água que se bebia, porque ali somente a selva tinha vontade e imperava despoticamente. Os homens eram títeres manejados por aquela força oculta, que eles julgavam, ilusoriamente, ter vencido com a sua atividade, o seu sacrifício e a sua ambição (CASTRO, 2002, pp. 133-134).

Até as dez horas da manhã era feito o corte nas seringueiras, depois dessa tarefa, o seringueiro voltava para a cabana onde fazia as refeições, logo em seguida, retornava para recolher o látex e o sernambi[19]. A tarefa prosseguia no decorrer do dia, todo látex recolhido era derramado em baldes com capacidade de 7 a 10 litros, ou numa grande bacia com de capacidade de 10 a 20 litros.

Depois disso começava o processo de defumação do látex, essa etapa do trabalho era tarefa muito insalubre, pois, o seringueiro ficava exposto à fumaça tóxica, que poderia provocar doenças respiratórias, inclusive a tuberculose. O processo de defumação foi assim descrito por Cássio Fonseca:

Acende-se um fogo de lenha e sementes de palmeiras silvestres (Ouricuri, Inajá, Babaçu, etc.), donde se desprende espessa fumaça, que o seringueiro cobre com um funil defumador, cujo ápice fica aberto para cima. Assentando-se ao lado do defumador, o seringueiro mergulha uma cuia na bacia onde se acha o látex e derrama-o na forma ou na vara, que a seguir expõe à fumaça do defumador. Formada a primeira película, repete a operação quantas vezes for preciso, acumulando películas sobre película, até obter uma bola ou péla, de peso variável, havendo-as desde uns 5 quilos até mais de 40. Quando o “fabrico” é de pelas volumosas, o seringueiro apoia a vara ou “taniboca” dupla sobre forquilhas fixadas ao solo, fazendo-a girar sobre o defumador (IDD, 2016).

Quando lhe restava algum tempo e as chuvas se intensificavam, o seringueiro fazia a manutenção do seu roçado de mandioca, milho, feijão e arroz, também, criava pequenos animais, nessa tarefa as mulheres e adolescentes eram utilizados no trabalho. A caça e a pesca eram atividades complementares para manter dieta protéica do seringueiro.

Ao entardecer, uma nuvem de carapanãs e piuns sanguessugas, invadiam os barracos de madeira, penetrando através das suas inúmeras frestas laterais. Esses insetos se esvoaçavam sobre as cabeças dos caucheiros fazendo uma zoeira infernal. Quem ficava fora da cabana fazia uma pequena fogueira e queimava troncos secos de Tucumã, Babaçu e Inajá para ver se afugentava as carapanãs ávidas por sangue. Nas noites quentes e úmidas para aliviar os ataques de insetos era necessário, colocar as pernas dentro dos sacos utilizados no transporte de borracha, mas, muitas vezes, ninguém suportava o calor.

A vida no seringal não era fácil, o maior perigo não eram os animais selvagens, mas as doenças tropicais, a febre amarela, a malária, a leishmanioses, a tuberculose, a filariose e a hanseníase (LINDOSO & LINDOSO, 2009).

Em locais mais remotos da floresta úmida, famílias inteiras sucumbiram diante das doenças tropicais, especialmente de malária. Carlos Gomes e Manoel Dantas passaram por esse flagelo, porém, escaparam com vida para contar a história do que aconteceu com seus companheiros e familiares que tentaram desafiar a inóspita floresta tropical.

Por que esses heróis cearenses conseguiram ter sucesso nessa aventura?

A única explicação é porque eles tinham parentes que já moravam nos seringais, dos quais alguns eram arrendatários. Pois, como se observa, além dos perigos da selva e das doenças endêmicas, as relações de trabalhos nesses lugares isolados pela imensidão da floresta, era muitas vezes tensa, gerando conflitos entre os seringalistas e os seringueiros.

Esse isolamento nos seringais situados a centenas de quilômetros das cidades era difícil de ser rompido, pois, o deslocamento só poderia ser feito em barcos que percorriam os meandros sinuosos de águas turvas, através de pântanos, igarapés e rios caudalosos, nessas condições, o seringueiro ficava a mercê de seus patrões, estes muitas vezes os mantinham em regime de escravidão, terminando muitas vezes em mortes violentas, especialmente na hora de acertar as contas.

Os excessos cometidos pelos seringalistas considerados “brabos” ou tiranos, alimentaram o imaginário sobre o tempo dos seringais marcado pelo terror que povoam as memórias de ex-seringueiros de várias regiões da Amazônia” (ALENCAR, 2018).

Há relatos da selvageria de um tal Mafra no seringal do Belém que matava os seringueiros na hora do acerto de contas. Para não pagar o saldo mandava o freguês trepar no açaizeiro. Aí perguntava:

- Tu queres descer?

O homem aterrorizado dizia:

- Eu quero!

Ele simplesmente atirava no coitado e jogava o corpo nos igarapés cheios de jacarés para ser devorado. Outra maldade relatada é que na hora de receber a conta, o seringalista mandava amarra o sujeito com as mãos para trás, depois dava um tiro na cabeça e jogava o corpo no igarapé. Isso acontecia também nos seringais Belém do Solimões e Vendaval. Tinha um tal Romualdo, que no entorno de seu seringal matou mais de 140 índios Ticunas. Todos esses crimes, mesmo que denunciados, ficam impunes, pois havia conivência e suborno das autoridades, principalmente no alto Amazonas (ALENCAR, 2018).

Na hora de entregar a borracha colhida no barracão, o seringueiro era roubado no peso, então, como dependia do aviamento do seringalista, sua dívida nunca era zerada, só crescia, como descreve o poeta Francisco Castro de Brito:

I

O seringueiro é uma classe

Sem menor reputação,

Mesmo ele tendo um parente

Que viva em boa posição

Se afasta e nega a parte

Se alguém faz interrogação.

 

II

Quando chega no Domingo

Ele vai ao Barracão

Levar sua borrachinha

Fazer sua aviação

Muitas vezes treme de medo

Da carranca do patrão.

 

III

Põe a péla na balança,

Empregado vai pesar

Tira quatro ou cinco quilos,

Mexendo pra-lá e pra-cá.

Aí diz deu tantos quilos

O patrão diz venha se aviar.

 

IV

O patrão diz seu mínimo

Qual a sua aviação?

Quero um quilo de açúcar

Uma quarta de café,

Uma lâmina de Gillet,

Um cachimbo pra mulé

E uma barra de sabão.

 

V

Ele diz vou reduzir.

Você está muito atrasado

Com a doença que tivesse

No mês próximo passado

A sua borracha foi pouca

E o verão está findado.

 

VI

O freguês fica tão triste

Mais o jeito é conformar

Põe o saquinho na costa

E cuida de se arritirar

Pra cedo chegar em casa

Para cuidar de pescar.

(BRITO, 2017)

 

Para os seringais foram famílias inteiras de nordestinos que por lá se multiplicaram. Não havia escolas para as crianças, logo a única opção era o trabalho. A partir dos dez anos os pré-adolescentes já estavam envolvidos nas tarefas de colheita, transporte e até ajudavam a defumar.

A vida no seringal era dura, muitos chefes de família adoeciam, mas, a atividade não podia parar. As mulheres também estavam envolvidas na atividade da coleta e defumação do látex, era preciso aproveitar o período seco de maior produtividade da borracha.

A rotina diária era andar pela floresta, pescar, cortar seringa e colher castanha. Quem plantava alguma coisa para comer ainda sobrava um dinheirinho e não ficava devendo tanto ao patrão, essa era maneira de escapar das dívidas, mas, tinha que produzir borracha, senão era enxotado do seringal.

Também, as mulheres produziam as botas e os baldes de coleta com borracha defumada, até roupas e chapéus podiam ser impermeabilizadas com o látex para enfrentar as chuvas. Na confecção de botas utilizavam formas de madeira, estas iam sendo cobertas com o látex, seguido de defumação até atingir a espessura desejada.

 Carlos Gomes de Alencar, retornou mais cedo dos seringais do Madeira, já tinha economizado quase dois contos de reis, um valor vultuoso para aquela época, aproximadamente, 246 mil reais em valores atuais.

 

6. REGRESSO DO SERINGAL E APLICAÇÃO DO DINHEIRO

 

Carlos Gomes, com apenas 18 anos de idade voltou ao Sitio Baixio no final de 1901, jovem e “estribado”, estava na hora casar, foi aí que lhe apresentaram a bela jovem, Maria Vieira de Morais, filha de um primo de José Fiuza, aquele mesmo que o havia adotado na sua ida ao Madeira.

Antes do casamento, foi-lhe aconselhado pelos familiares da noiva, comprar a propriedade do Baixio que estava à venda, pelo preço de um conto de Reis (Mil Mirréis), mas, depois como o pagamento era a vista, o preço foi reduzido para 900 Mirréis, o equivalente a R$ 110.700,00.

A propriedade possuía oito casas construídas, tinha um baixio espaçoso e uma bela lagoa, portanto, era um excelente local para se viver e criar a família sem se aperrear.

Manoel Dantas, Antonio Dantas e Fiuza foram para o seringal do Madeira, motivados pelo sucesso de seu amigo Carlos Gomes, que por muito dias contou as suas aventuras nas terras do Norte. Mas, quando eles decidiram ir, Carlos Gomes já tinham regressado da região Amazônica, no ano de 1904. Eles fizeram o percurso indicado por Carlos, já tinham provavelmente um endereço certo, o Seringal do Bagé, onde João Dantas e Raymundo Dantas eram seus arrendatários (CASTRO, 2002, p. 300).

Com todas duras labutas no seringal, ainda sobrava tempo para a turma de rapazes conhecerem as raras garotas da localidade, havia muitos cearenses na região, porém, espalhados na imensidão da floresta. Manoel Dantas de Souza, casou-se com Francisca Vidal Sobreira e Antonio Dantas de Souza amasiou-se com uma mestiça indígena do seringal, descendente da tribo Karipuna e tiveram dois filhos.

Os irmãos, Antonio Dantas e Manoel Dantas e Fiuza, voltaram a Várzea Alegre em 1923, após a despenca dos preços da borracha no mercado internacional, diminuindo a lucratividade da extração do látex.

Esse fato já vinha acontecendo desde de 1915, devido à concorrência da produção das colônias européias do Sudeste Asiático. Os seringais plantados pelos ingleses na Malásia, no Ceilão e na África Tropical, durante o período de crescente valorização da borracha no cenário internacional, com sementes oriundas da própria Amazônia, passaram a produzir látex com maior eficiência e produtividade (WIKIPÉDIA, 2020).

De volta ao Ceará, Antonio Dantas não trouxe a família indígena, prometeu retornar ao seringal depois do passeio no Ceará, contudo, nunca mais voltou para ver a seus filhos, essa atitude desleal causou um grande mal-estar, entre ele o seu irmão Manoel Dantas, provocando uma ruptura entre eles por muitos anos.

Manoel Dantas, casou-se com Maria Vidal Sobreira, na Paroquia de Santo Antonio do Rio Madeira, Porto Velho, em 1916. Maria Vidal era cearense, natural de Brejo do Santo, Ceará. O casal teve dois filhos, Luísa Regina Dantas de Souza (n. em fevereiro de 1917) e Osmar Dantas de Souza (em 1918), porém, em 1919, Dona Maria Vidal, faleceu devido um surto de malária, quando a família morava ainda no seringal. Luísa Regina e Osmar foram batizados na igrejinha de Santo Antônio, inaugurada em 1913, ela está situada à margem direita do rio Madeira, no sentido corrente das águas fluviais que desembocam no Amazonas.

Totalmente desmotivado, com duas crianças para criar, Manoel Dantas retorna ao Ceará, em 1923, juntamente com o seu irmão Antonio Dantas e seu grande amigo, José Fiuza.

Pouco tempo depois da chegada de Manoel Dantas ao Baixio, Várzea Alegre, o filho mais novo, Osmar Dantas veio falecer em 1924.

Com a morte da mãe e do irmão, Regina Dantas de Souza, passou a morar na casa da sua avó Maria Dantas, até o dia de seu casamento com Lourenço Ferreira Lima, no ano de 1935, o enlace matrimonial foi celebrado pelo Padre José Otávio de Andrade, na Paróquia de São Raimundo Nonato, Várzea Alegre, CE.

Trabalhando duro, os quatro amigos juntaram todo o dinheiro da renda da borracha e se tornaram proprietários de terras em Várzea Alegre, além disso, se tronaram os agropecuaristas mais bem-sucedidos na região.

Manuel Dantas ao regressar a sua terra natal, comprou de sua antiga patroa a parte leste do sítio da Baixio, até a Lagoa; Carlos Gomes de Alencar, que chegou bem antes de seus amigos, já tinha adquirido a parte oeste da Lagoa; Antonio Dantas de Souza, comprou uma fazenda no São Vicente e José Fiuza, comprou terras no Coqueiro, atrás da serra da Vaca Morta, nas proximidades do Sítio Salão, Várzea Alegre.

Esses cearenses que logram sucesso nessa aventura as florestas tropicais da região Norte, diversificaram as suas atividades agropecuárias, o pessoal do Baixio tinha engenhos para produção de rapadura e foram também, grandes produtores de algodão.

José Fiuza, depois de um certo tempo, ficou viúvo e estreitou ainda mais a sua relação de amizade com Carlos Gomes, casou-se com uma das suas filhas, a mais velha, chamada Maria Carlos de Alencar.

Manoel Dantas, comprou ainda duas fazendas no Caldeirão e Carlos Gomes comprou mais duas propriedades, uma no Coqueiro e outra na Vacaria, município de Várzea-Alegre.

 

7. SEGUNDA VIAGEM DE CARLOS GOMES A REGIÃO NORTE

 

7.1. CONVENCENDO DONA MARICOTA ANTES DA PARTIDA

 

Carlos Gomes voltou ao Ceará em 1901, com o dinheiro que trouxe comprou o sitio Baixio, no início do ano 1902, casou-se com Maria Vieira de Morais. No final do ano de 1902, nasceu José Carlos de Alencar que viria a falecer em 1919, vítima da pandemia conhecida como “Baraina”, ou seja, Gripe Espanhola.

Após passar o luto e de colocar a cabeça novamente nos eixos, Carlos Gomes convenceu a sua esposa Maricota (Maria Vieira), a ficar cuidando do sitio Baixio, pois, na sua vizinhança tinha muita gente da família Ferreira Lima, Félix e Rafael, pois, essas pessoas eram de sua confiança e poderiam ajudá-la nas atividades diárias da fazenda.

Carlos estava convencido que com mais dois ou três anos de trabalho nos seringais do rio Madeira, com a experiência que adquirira, ganharia dinheiro suficiente para comprar mais uma ou duas fazendas no Ceará. Não foi tão difícil convencer Maricota, pois, “dinheiro não traz felicidade, mas dá um grande empurrão”.

James McKeen Cattell, psicólogo estadunidense, que viveu de 1860 a 1944, disse: “A falta de dinheiro é a raiz de todos males”. O problema não é o dinheiro, mas, “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (Paulo, 1 Timóteo 6:10). O dinheiro é uma bênção, uma recompensa divina para quem trabalha, especialmente para os que se arriscam, se esforçam e fazem além daquilo que é trivial.

Parece que o jovem, Carlos Gomes estava sendo guiado intuitivamente, pois, seria pai de uma numerosa família, visto que, casou-se quatro vezes, teve trinta e dois filhos, criou dezoitos. Possuiu quatro propriedades e deixou herança para ser repartida com todos os membros de sua família, após a sua morte em 1953.

 

7.2. MUDANÇA IMPREVISTA NO ROTEIRO DA VIAGEM 

 

Na segunda viagem ao vale do rio Madeira, ocorreu um grande imprevisto, na cidade de Manaus, Carlos embarcou em um navio gaiola que seguia em direção ao Rio Madeira, um dos principais afluentes do Amazonas, com uma extensão de 3.300 km.

Por falta de informação, não conhecendo os vários afluentes do Rio Madeira, embarcou pensando que o navio ia até Santo Antonio do Rio Madeira, mas, depois uma parada em Humaitá no Amazonas, aproximadamente, a 70 km acima dessa cidade, a embarcação mudou de rota sem que ele percebesse, entrando num dos seus afluentes, o Rio Machado (Rio Ji-Paraná).

O navio subiu até primeira cachoeira conhecida como Dois de Novembro, situada a mais de 200 km da foz com o Madeira, onde os passageiros do ‘gaiola’ a vapor desceram. Ainda um tanto desnorteado, ele desce da embarcação e procura se informar junto a tripulação onde estava, então, para sua surpresa fica sabendo que aquele local está muito distante do seu destino, a vila de Santo Antonio do Rio Madeira.

Daí para a frente até o povoado de Urupá, o percurso era feito no lombo de animais ou outros em embarcações menores. “No percurso entre a cachoeira Dois de Novembro e a cachoeira de Tabajara, o transporte era feito em lombo de animais, porque naquele trecho o rio Machado é encachoeirado; a partir da cachoeira de Tabajara até as nascentes, o transporte era feito em embarcações de médio e pequeno porte” (MVR, 2020).

 

7.3. A VILA DE NORDESTINOS NA CONFLUÊNCIA DO RIO URUPÁ COM O MACHADO

 

Acompanhado por um grupo de retirantes cearenses, Carlos Gomes sobe o rio Ji-Paraná até a vila Calama, na confluência do Rio Urupá com o Machado. Nesse local havia uma pequena colônia de cearenses que ali residiam, desde da época da Grande Seca de 1897-1880. Em Calama funcionava um escritório avançado da Empresa Paraense Ascensi & Cia, ponto de final da longa viagem desses bravos cearenses.

Depois de assinado o contrato e do abastecimento de víveres e ferramentas de trabalho, o grupo de aventureiros foi sendo distribuído ao longo dos seringais que margeavam o Rio Ji-Paraná (Machado) e de seus afluentes.

Apesar do rio Ji-Paraná ser encachoeirado até o “Dois de Novembro”, mesmo assim, no período de aproximadamente 1890 e 1960, barcos e gaiolas subiam o rio Machado transportando seringueiros, gêneros alimentícios, ferramentas e munições para abastecer os muitos seringais existentes nas margens e nos afluentes desse rio, e desciam carregados com látex (MVR, 2020).

A região da bacia do rio Ji-Paraná, constituía-se numa área muito extensa, pouco habitada e muito insalubre. Subindo esse rio, chegava-se a num pequeno povoado habitado por seringueiros nordestinos que fugiram da grande seca de 1877 e 1880, chamado antigamente de Urupá, nome originário de um dos principais rios que fazia confluência com Machado (WIKIPÉDIA, 2020).

O povoado mais importante do Rio Machado, situado a sua margem direita foi visitado em 1909, por Cândido Mariano da Silva Rondon (Marechal Rondon, na época tenente-coronel). Nesse local chamado Urupá, ele ergueu um prédio em madeira e construiu a agencia telegráfica Presidente Pena (SECOM, 2015), atualmente esse lugar é conhecido como Ji-Paraná[20].

Nessa época, Manoel Dantas, Antonio Dantas e José Fiuza estavam trabalhando nos seringais do Madeira, assim sendo, Carlos Gomes não teve o mesmo êxito da primeira viagem, pois, não conhecia a região na qual aportara por um acaso. Mas, conseguir trabalho foi muito fácil, pois nessa região já haviam se estabelecido várias companhias de comercialização da borracha, tanto brasileiras como estrangeiras, que exploravam e organizavam a extração do látex na região. 

Desde o início de 1895, esses locais mais isolados da região Amazônica, eram abastecidos por navios e barcos que transportavam produtos regionais de Belém e Manaus (farinha de mandioca, carne seca, arroz, feijão e bolacha) e importados da Europa e Estados Unidos (bacalhau, conservas, bebidas diversas, armas, munições, tecidos e confecções) (MACHADO, 2008). Portanto, desde que o seringueiro tivesse produção, tinha a sua disposição uma infinidade de produtos a serem consumidos, distribuídos nas áreas de produção da borracha, ao longo dos cursos d’água navegáveis.

Na bacia do Rio Machado (Ji-Paraná), da foz com o Rio Madeira até Urupá (Ji-Paraná), destacava-se como detentor dos seringais, o espanhol Manoel Antonio Parada Carbacho até início do século XX, quando Carlos Gomes chegou àquela região.

“Manoel Antonio fundou a empresa Calama S/A com sede na localidade do mesmo nome, situada na margem direita do rio Madeira, vizinha a foz do rio Ji-Paraná. Era detentor do vale do baixo e médio rio Ji-paraná e dos seringais Campinas e Boa Esperança no rio Madeira totalizando dois milhões de hectares concedidos pelo imperador do Brasil Dom Pedro II. No início do século XX, A empresa Paraense Ascensi & Cia, comprou a referida empresa e sua concessão (MACHADO, 2008).

 

7.4. ENFRENTANDO OS PERIGO DA SELVA E DAS DOENÇAS ENDÊMICAS

 

Era muito fácil de encontrar trabalho na região, Carlos Gomes e um grupo de cearenses foram contratados para trabalharem nos seringais insalubres do Machado, desse modo, “foram levados como ovelhas mudas ao matadouro”, Isaías 53.7. Nessa área do seringal, acima da Cachoeira “Dois de Novembro”, predominava os maiores surtos de malária e centenas de trabalhadores já tinha perdido as suas vidas.

O grupo de nordestinos inexperientes, não conhecedores das armadilhas da floresta com o passar do tempo, um a um foram sendo acometidos pela malária, ali isolados num labirinto de matas e igarapés, sem recursos para o tratamento, vieram a óbito, alguns tombaram nas trilhas dos seringais, outros nas barrancas do rio, esperando socorro.

Somente Carlos Gomes, com muito esforço, conseguiu escapar com vida daquele inferno verde, pois, tinha recursos próprios, portanto, não devia ao seringalista, por isso conseguiu descer num barco até a confluência do Rio Madeira, depois indo até Humaitá, hoje município limítrofe com Porto Velho, onde recebeu tratamento à base de quinino.

Dizem que a chance de escapar com vida num primeiro surto de malária é de 50%, mas, quando você pega a doença mais de uma vez, as chances de escapar se reduzem drasticamente, se não tiver tratamento. Embora fosse um local excelente na produção de látex, era, contudo, uma região muito insalubre, pois a mortalidade nessa região era altíssima.

Até o final da década de 1990, essa região de Rondônia que abrange os atuais municípios de Ariquemes, Machadinho do Oeste, os quais apresentavam o maior índice da doença no Estado[21], por isso Ariquemes foi apelidada naquela época de “Aritremes”.

Esse segredo não era contado pelos donos e chefes dos seringais, o importante era o lucro, pois, nessa época era o auge do ciclo econômico da borracha e da migração de nordestinos, de 1877 a 1915.

“Nesse período, os nordestinos eram atraídos para a Amazônia Rondoniense por falsas promessas, de trabalho fácil e rendoso. As contratações eram feitas em seus próprios estados, a viagem era longa, durava cerca de três meses, e tormentosa. Os que adoeciam eram abandonados nos barrancos dos rios, onde morriam sem nenhum tipo de assistência” (PUC, apud, MATIAS, 1997, p. 116).

Quando Carlos consegui se recuperar, resolveu voltar de vez para o sitio Baixio no Ceará, retomando as suas atividades agropecuárias. Com o dinheiro que consegui, Carlos comprou a propriedade do Mulungu; no final da década de 20, adquiriu terras na Vacaria, o conhecido “Baixio dos Carlos”, porém, já no final da década de 40, comprou o Sítio Salão, onde morou seu filho, Isaías Carlos de Alencar.

O tratamento da malária no início do século era feito utilizando-se a planta conhecida como Quina[22], gênero Chincona spp, originária da América do Sul, encontrada na Bolívia, Peru, Equador, Brasil[23]. No entanto, naquela época a Quina era um produto caro, usado para exportação ficando no Brasil, os materiais botânicos com baixa produção de quinina, isso dificultava o tratamento dos doentes nos seringais.

Isolados nos seringais o trabalhador perdia a sua liberdade, isso dificultava o tratamento, “por isso para se proteger da malária, os trabalhadores tinham que comprar cápsulas de quinino que eram vendidas por preços exorbitantes, ou por vezes, parcialmente modificadas, perdendo suas propriedades” (PUC, 2020).

A cloroquina[24] usada no tratamento da malária só foi descoberta em 1934 pelo investigador da Bayer, Hans Andersag.  A malária é uma doença tropical transmitida pelo mosquito do gênero Aedes, provocando febre, calafrios, perda de apetite, náuseas, fortes dores de cabeça e dores musculares principalmente nas costas, portanto, à medida que o tempo passa sem o devido tratamento, começaram a aparecem dores abdominais e as lesões no fígado causando icterícia[25].

Nessa situação de alto risco, Carlos Gomes, precisou se deslocar num barco por mais de 250 km até chegar à cidade mais próxima, Humaitá, no Amazonas, onde recebeu o tratamento inicial, podendo, posteriormente, prosseguir viagem até Manaus.

 

8. VIVENDO NO BAIXIO ATÉ O FINAL DE SUA VIDA

 

Depois disso de ser curado da malária, Carlos Gomes, volta ao seu torrão natal em 1904, enquanto isso, os seus amigos permanecem nos seringais as margens do Rio Madeira, até o ano de 1923. No Censo Agrícola do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, realizado em 1920, Carlos Gomes de Alencar já era proprietário no Sítio Baixio (MAIC, 1920).

Carlos Gomes, viveu uma vida calma e sossegada no Sitio Baixio dos Dantas, foi um dos homens mais prósperos da região, morando ao lado do seu grande amigo, Manoel Dantas. Foi um homem muito ousado desde a sua juventude, um exemplo de coragem que inspirou os seus amigos a trilharem os mesmos caminhos de aventura e de sucesso na região Amazônica.

Com apenas dezoito anos de idade, já tinha comprado a sua primeira propriedade, com o suor de seu rosto, visto que desde muito cedo se tornou uma pessoa independente, capaz de dirigir o seu próprio destino.

Foi agricultor, pecuarista, senhor de engenho, influenciador político e conviveu pacificamente com todos seus vizinhos, porém, a sua maior dificuldade foi aceitar que seus filhos Antonio Carlos de Alencar e Isaías Carlos de Alencar, seguissem a fé protestante que começava a ser disseminada na região, no início da década de 1940.

Neste caso, ele foi inflexível, expulsou Isaías Carlos e Antonio Carlos de suas terras, porém, essa sua atitude esdrúxula, redundou numa grande bênção para os filhos, pois, desde de cedo, eles também, aprenderam a ser independentes, donos de suas próprias terras.

Isaías comprou a propriedade do Salão, em Várzea Alegre e Antonio Carlos, terras na Bonita, município de Assaré, por isso, ainda hoje os seus filhos e netos desfrutam o legado de seus país, tanto matérias, quanto de valores morais e espirituais.

Há um provérbio popular que diz: “tem males que vem para o bem”. Esse fato acima referido, confirma o que o apóstolo Paulo escreveu aos Romanos: “E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”, Romanos 8.26 (Versão Almeida Revista e Atualizada).

Naquela época a Igreja Católica Romana exercia muito poder, tanto religioso quanto político, de tal maneira que, tudo girava em torno da freguesia de cada paróquia. A Igreja Católica tinha além de poder, influência, hegemonia e universalidade, portanto, contrariar a vontade da igreja era desafiar também, o domínio vigente dos coronéis, essa decisão implicava muitas vezes em retaliações não somente políticas, mas, inclusive da própria família. As pessoas passavam a ser desprezadas e consideradas como “bodes”, dissidentes do aprisco da Igreja Universal, cujo representante é o Santo Papa, o “Vicarius Filii Dei” (Vigário do Filho de Deus).

Na década de 1940, a Igreja Católica começa a fazer forte oposição contra a “seita” protestante que estava sendo disseminada no interior de Várzea Alegre, visto que, estava sendo difundido entre os paroquianos, novo conceito de interpretação das escrituras que contrariava a autoridade papal e de seus representantes, negava o culto aos santos, as imagens de escultura e a Virgem Maria, pregava a salvação pela graça e não por obras, isso se constituía numa grande ameaça a fé católica e deveria ser detida a qualquer custo.

Para um povo simples e iletrado era muito difícil aceitar que alguém da família se convertesse ao evangelho, pois, isso contrariava a sua cultura religiosa vivenciada desde a infância, tudo isso causou um choque cultural muito forte, por isso muitas famílias enfrentaram o mesmo problema, inclusive a família de Manoel Dantas.

Manoel expulsou de sua propriedade, a filha Luiza Regina Dantas e o seu genro Lourenço Ferreira Lima. Esses foram para o Maranhão, onde foram bem-sucedidos, Lourenço chegou a possuir mais de 1.000 ha de terras, 10 vezes mais do que o seu sogro, seus filhos estudaram, dois deles são doutores, inclusive, Antonio Dantas Sobrinho foi professor da Universidade Federal de Brasília.

Por esse motivo, Carlos Gomes e Manoel Dantas foram intolerantes com os filhos convertidos, expulsando-os de suas terras, simplesmente por que foram zelosos aos seus princípios religiosos.  

Carlos Gomes era uma pessoa magra, de altura mediana, rosto afilado, olhos pouco expressivos, nariz um pouco avantajado, andava sempre com um chapéu de palha de aba larga na cabeça, calçava um simples “Currulepe” e arregaça a calça até a altura da canela, dizem que assim ele ia até a missa, por modo de viver, nunca aparentou o que possuía. Trabalhava muito, se divertia pouco, pois tinha foco na família, afinal de contas, tinha dezoito filhos para criar.

Enfrentou muitas adversidades na vida, trabalhou arduamente nas madrugas, na escuridão sombria da Floresta Tropical Úmida do Amazonas, enfrentou os perigos dos rios e dos igarapés - cobras, jacarés, onças, arraias e poraquês, também, enxames de piuns e carapanãs, nada disso o deteve, pois era ousado, a não ser a malária.

Carlos Gomes, teve o infortúnio de presenciar a morte de quatro filhos e de três esposas, daí expressava uma aparência às vezes sisuda, rude e de poucas palavras, especialmente com os filhos insurgentes, que contrariavam a sua visão de mundo. Por esse motivo é preciso entender as pessoas, dentro do seu contexto social, pois isso facilita a compreensão de suas atitudes excêntricas, especialmente quando são contrariadas e extremamente magoadas.

Nesse caso, a última impressão é determinante no julgamento da vida de uma pessoa. É preciso reconhecer que algumas pessoas mudam e amadurecem com tempo, isso aconteceu com Carlos Gomes de forma tão rápida, que até assustou os seus familiares.

Começava a anoitecer no Sitio Baixio, Carlos estava sentado junto a porta de sua casa, seu olhar contemplativo mirava em direção à casa de Antonio Ângelo, de repente, tomou uma atitude surpreendente, chamou o seu filho Benjamim e disse:

- Se arrume que vamos assistir o culto na casa de Antonio Ângelo.

Higina sua esposa ficou apreensiva, imaginando - o que será que ele vai aprontar lá, Meu Deus?

 Os dois caminham até o local do culto. Então, quando os crentes viram que ele se aproxima, sussurram entre si:

 – “O que será que Carlos vai aprontar, hoje”?

Ao se aproximar do local, ele se dirige para o dono da casa de forma amigável, dizendo:

- Antonio Ângelo, sei que você é o pastor.

- Mas, quero lhe fazer um simples pedido.

- Que Benjamim faça a leitura e que você faça a pregação nessa noite.

Antonio Ângelo, suspirou aliviado, pois sabia como era o comportamento de Carlos, em relação aos crentes, como antes ele impedia que as pessoas até passassem em frente à sua casa para assistir os cultos e ainda mais, o que fazia com os seus filhos, Antero e Abraão, quando iam à noite para a Congregação. Quando isso acontecia, ele ficava enfurecido como um touro. Colocava travas nas portas e janelas de sua casa, cravejando-as com pregos, deixando os meninos ficarem ao relento, até ao amanhecer do dia.

Naquela noite ele ouviu toda mensagem da Palavra de Deus, parecia estar anestesiado, sereno, livre, depois conversou com todos ali presentes, a palavra tocou ao seu coração, daí para frente sua alma sossegou, nunca mais falou nenhuma asneira contra os seus filhos.

Carlos Gomes tinha muitos amigos, Aniceto Ferreira, seu sogro era muito grato por tudo que lhe fizera durante a terrível seca de 1932. Carlos tinha comprado uma excelente propriedade na Vacaria, com mais de 30 tarefas de baixio, tinha uma casa, um pequeno açude e um pomar de laranja e banana.  

Quando começou a seca ele disse:

- Compadre Anicete, as laranjas e bananas são suas, venda na cidade e compre o que precisar.

- O açude está cheio depois daquela chuva que deu, encha a sua vazante de arroz, feijão e batata e ponha a família para regar.  

E finalizando, acrescentou:

- Vou mandar Zeba lhe trazer uma quarta de arroz Macapá, pois esse é daquele que chega ligeiro.

Aniceto plantou o arroz, irrigou, colheu uma boa safra e encheu o paiol de legume naquele ano, também, não faltou batata, feijão e macaxeira. Isso perdurou até o casamento de Antonio Carlos em 1935, quando ele veio morar na propriedade do pai na Vacaria.

Uma coisa que Carlos Gomes gostava muito era de cantoria. Em 1927, quando ainda era casado com Marcelina, foi com seus filhos Joaquim Carlos, Antonio Carlos e Isaias Carlos, a uma cantoria na casa de Aniceto, lá na Vacaria, naquela época os rapazes tinham idade entre 15 e 21 e anos. Parece que os rapazes já estavam interessados nas filhas de Anicete, nessa época ele tinha quatro moças belas e formosas, com idade entre 16 e 25 anos.

Aniceto gostava muito de prosa e de cantorias, nas ocasiões festivas o alpendre e o terreiro de sua casa, ficava apinhado de gente. Numa noite enluarada de 1927, Aniceto esperava ansiosamente dois cantadores que infelizmente não compareceram a cantoria.

Então a solução foi improvisar alguma coisa para o que pessoal não voltasse descontente para suas casas. Por sorte estavam lá, os irmãos Joaquim Carlos, Antonio Carlos e Isaías Carlos, então eles combinaram entre si, que cantariam umas estrofes de versos de cordel. Assim os três se revezaram naquela saudosa noite cantando trechos da poesia, “Suspiros de um sertanejo” de João Martins de Athaide[26].

Na cantoria estava sentado ao lado do parapeito do alpendre, o tímido adolescente, Antonio Ferreira Lima (Antonio de Anicete) com apenas 13 anos, ouvindo atentamente os versos e gravando-os na memória, por isso saudosamente ele cantou reiteradas vezes estrofes desse cordel, durante toda sua vida, sempre lembrando de seus queridos pais e daquela inesquecível noite enluarada.

 

Suspiros de um Sertanejo

João Martins de Athaide, 1917

 

I

Minha alma suspira

Em deslumbrante desejo.

Eu choro por ver minha terra

Há anos que não a vejo.

São suspiros arrancados

Do peito de um sertanejo.

 

Morro não esqueço

De tudo que encerra,

Esta santa Terra

Meu sagrado berço.

Meu sertão de apreço,

Solo abençoado,

Hoje desterrado

Me vejo proscrito,

Arrancando um grito

De um peito cansado!

 

II

Deslumbra a alma que vê

Aquele grato arrebol,

Quando a brisa fresca e mansa,

Bafeja ao sair do sol,

Pelas biqueiras da casa

Canta alegre o rouxinol!

Que manhãs saudosas,

Que horas de amores!

Quando os beija-flores

Com asas garbosas

Com penas lourosas

Vêm se peneirando

E examinando,

Vê-se o camará,

Ou maracujá

Já meio florando.

 

III

Deslumbra a alma que vê

Aquele grato arrebol,

Quando a brisa fresca e mansa,

Bafeja ao sair do sol,

Pelas biqueiras da casa

Canta alegre o rouxinol!

Quem nunca

Passou pelo Seridó

E no Piancó,

Nunca viajou,

Não saboreou

O mel do Abreu.

Um desses nasceu

Em hora esquecida,

Passou pela vida,

Porém não viveu.

 

IV

Lá a vida é descansada

De agosto para setembro

Broca-se logo os roçados

Toca-se fogo em novembro

E fica tudo esperando

Da trovoada em dezembro.

Quando a espera

Do inverno estamos,

De manhã olhamos

Para a atmosfera

Vemos na esfera

O tempo mudando

O tempo parado

O sol diferente

E lá no nascente

Nevoeiro armado.

 

V

Olha-se para o nascente

Vê-se aquela escuridão

As nuvens aglomerando

Tomando de vão a vão,

Sopra o vento abre o relâmpago,

Com pouco estronda o trovão.

Sangra os nevoeiros,

O chão se alagando

As águas arrastando,

Paul dos outeiros

Buscando ribeiros

Pra neles unir-se.

Parece extrair-se

Do céu um tesouro,

Esse rio de ouro

Que faz tudo rir!

 

VI

Chove por exemplo hoje,

Eis o festim no agreste.

Canta o sapo na lagoa

O passarinho no cipreste.

Cupim cria asa e voa

Com pouco o mato se veste.

Flora o camará

Enrama o pinheiro

Nasce o candereiro,

Cocão, trapiá,

Mofumbo e ingá,

Angico, aroeira.

Flora a cabrieira,

Catinga de porco,

Demora-se um pouco

Por ser mais roceira.

 

VII

Chove ali dois ou três dias

Depois que a chuva passa

Tudo que existe acelera-se

Desde a formiga a uma caça

Os sapos pelas lagoas

Parece a música da praça.

Ensaia primeiro

Mestre cururu,

Num tu-ru-tu-tu

Que é um desespero

Chia o caldereiro,

Berra o sapo boi

Diz um ao outro: oi,

Diz o outro: aleluia!

A rã raspa a cuia

Diz outro: foi, foi.

 

VIII

Depois que chove três dias

Ali todo mato flora,

Toda abelha que existe

Está ali toda hora,

Suga o aroma da flor

Depois voa e vai embora.

Chega à tataíra,

Boca de limão.

Vem o sanharão,

Canudo e Cupira.

Vem a jandaira,

Mosca branca, exu.

Mosquito da praia,

Vem a manda-sai,

Tubiba, uruçu.

 

IX

Quando chega o mês de agosto

Broca-se logo uma roça,

Toca-se fogo em setembro

Todos ficam na espera

Das trovoadas em dezembro.

Quando estamos

Todos na espera

De manhã olhamos

Para a atmosfera

De hora em hora

Parece que agora

Ouvi trovejar

Porque ouvi zoar

Parece que agora

É chuva que vem.

 

X

Olha-se para o nascente

Vê-se aquela escuridão

As nuvens aglomerando

Tomando de vão a vão,

Sopra o vento abre o relâmpago,

Com pouco estronda o trovão.

Os meninos quase nus,

Fitando o nevoeiro

Esperando pela lua

Que vem atrás do roteiro.

Enrama primeiro

O pau pereiro,

Assanha o cabrieiro,

Catinga de porco

Demora aí um pouco

Por ser mais roceiro.

Autor[27]: João Martins de Athaide.

 

Carlos Gomes, depois de uma vida de muito labuta, veio a falecer na cidade de Várzea Alegre, em 1953, vítima de um infarto fulminante. Isso aconteceu enquanto conversava com o seu filho Isaías Carlos de Alencar e seu amigo Antonio Marcelo. Bem antes de sua morte, ele já tinha demostrado arrependimento por ter desprezado os seus filhos, Isaías Carlos e Antonio Carlos que abraçaram a fé protestante. Estava consciente de que o único caminho para a vida eterna era Jesus.

Era um ensolarado dia de sábado, enquanto Carlos Gomes conversava descontraidamente com os seus amigos, passou mal, então, ineditamente mandaram chamaram o farmacêutico Hamilton Correia, sua farmácia ficava bem próximo da residência de Antonio Marcelo, em Várzea Alegre.

Ele veio apressadamente e aplicou-lhe uma injeção intramuscular. Carlos, em seguida, começou a suar demasiadamente, tiraram-lhe a camisa, enquanto isso, a sua respiração se tornava cada vez mais ofegante, então, Ele olhou para Hamilton e com voz arfante, falou:

- Hamilton, eu não tenho medo de morrer!

- Hamilton, eu não tenho um pingo de medo de morrer!

- Hamilton, Jesus está me chamando, suas mãos estão estendidas na minha direção.

Nesse instante, a cabeça se contorceu em direção ao tronco.

Então, Hamilton segurando no seu ombro, exclamou:

- Carrim, morreu! Carrim, morreu!

Ao erguerem a sua fronte, perceberam então, que a sua pupila estava completamente dilatada, já tinham rendido a sua alma ao criador.

 

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[1] Doutor, Professor do Instituto Federal, IFRO - RO

[2] Colaborador, Doutor, Professor da Universidade de Brasília, UNB - DF.

[3] Colaborador, Juazeiro do Norte, CE.

[4] Revisor de texto, Bacharel em Letras. [email protected]

[5] A "Bailarina" era a famosa gripe espanhola (1918-1920), oriunda das Ilhas Baleares, na Espanha. Corresponde a "Espanhola do Rio de Janeiro': (GULHERME; COSTA, 1979, p.). Essa doença era conhecida popularmente como "Bailarina" e matou muitas pessoas ~ Brasil. Citado por Rodrigues Lima. Carlos Câmara e a Alvorada do Teatro Nacional: Tradição, Modernidade, Cultura, História e Memória; O Ceará contado, recontado e cantado em a Bailarina e o Casamento da Peraldiana. Percursos da Literatura no Ceará. Disponível em: . 06-10-2020.

[6] Adj.  Que oculta o nome ou o substitui por iniciais ou por outro sinal. sm. 1 Nome secreto ou oculto; pseudônimo. Acesso em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=R0L4.

[7] Wikipédia. Lista de governadores do Piauí. Disponível em: . Acesso em: 20 de outubro de 2020.

[8] Maniçoba - A árvore da maniçoba pertence ao gênero botânico Manihot, da família das Euforbiáceas. São árvores resistentes à seca e guardam reservas nas raízes e nos caules. Planta de que se extrai um látex para produção da borracha (OLIVEIRA, 2001, p.21).

[9] As folhas e os ramos mais novos in natura e fenados são forragem de boa qualidade para os bovinos, caprinos e ovinos, sendo em sua composição 17,94% de Proteína bruta, 6,44% de Estrato etéreo, 2,32% de Tanino e 9,48% de Fibra Bruta. O período de floração é registrado de setembro a outubro. O da frutificação é nos meses de novembro a dezembro. A propagação é realizada por sementes ou por meio de estacas. Disponível em: . Acesso em: 21 de outubro de 20 20.

[10] A Comissão Científica de Exploração foi uma expedição científica organizada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1856 e executada entre os anos de 1859 e 1861. Essa comissão realizou pesquisas nas áreas de botânica, geologia, mineralogia, zoologia, astronomia, etnografia em todo o território do Ceará e arredores. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Comiss%C3%A3o_Cient%C3%ADfica_de_Explora%C3%A7%C3%A3o>.

[11]Substantivo de dois gêneros 1. Pessoa boa, simples, ingênua, para quem tudo está bem. 2. Pessoa preguiçosa, vadia. 3. Pessoa chalaceadora, gracejadora, brincalhona. Adjetivo de dois gêneros 4. Bom; bonito; embelezado. "pachola", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/pachola [consultado em 29-09-2020].

[12] A casimira, ou lã de caxemira, é um termo genérico para alguns tecidos de lã. Originalmente feitos a partir do pêlo da cabra-da-caxemira (região na fronteira da Índia com Paquistão), é uma lã de alto valor. Disponível em: https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=casimira-brasileira-melhor-do-mundo&id=010160170609#.X3NFfM-JLIU.

[13] Somente em 1894, Albert Calmette, Césaire Phisalix e Gabriel Bertrand deram início a soroterapia antiofídica no Instituto Pasteur. O soro antiofídico servia apenas para a Naja da Ásia e África. No entanto, Vital Brazil, cientista brasileiro, comprovou que para cada veneno é preciso um antígeno específico. Em agosto de 1901, o Instituto Butantã, fundado por Vital Brasil, começou a produzir e distribuir os primeiros lotes de soros antiofídicos (antibotrópico), dando início à produção de um medicamento 100% nacional, que, até hoje, é usado no tratamento de acidentados por animais peçonhentos no Brasil e salva centenas de milhares de vidas por ano (CUNHA, 2017).

[14] A navegação de cabotagem no Brasil se tornou mais eficiente com a abertura feita para navegação nas costas brasileiras a companhias estrangeiras, bem como, devido as mudanças ocorridas no setor de navegação nacional, entre 1866 e 1891 (GOULARTI FILHO, 2011).

[15] Através do Decreto n. 726, de 03 de outubro de 1853, foi aprovado o contrato celebrado pelo Governo Federal com o Visconde de Mauá para a navegação do rio Amazonas, conforme o Decreto n. 1.037, de 30 de agosto de 1852, a concessão era exclusiva e subsidiada garantindo privilégios a Companhia que ficava responsável pela navegação, atividades comerciais pelo transporte gratuito dos Correios (SOUZA, 1853, p.4-6).

[16] Porto Velho foi criada por desbravadores por volta de 1907, durante a construção da E.F. Madeira- Mamoré. Fica nas barrancas da margem direita do rio Madeira, o maior afluente da margem direita do rio Amazonas. Desde meados do sec. XIX, nos primeiros movimentos para construir uma ferrovia que possibilitasse superar o trecho encachoeirado do rio Madeira (cerca de 380km) e dar vazão à borracha produzida na Bolívia e na região de Guajará Mirim, a localidade escolhida para construção do porto onde o caucho seria transbordado para os navios seguindo então para a Europa e os EUA, foi Santo Antônio do Madeira, província de Mato Grosso. Disponível em: . Acesso em: 13 de outubro de 2020.

[17] A obra demandou a contratação de 20 mil trabalhadores de 50 nacionalidades diferentes. Na medida em que a construção avançava, a “Ferrovia da Morte”, como ficou conhecida, também fazia suas vítimas. Cerca de 1.600 operários morreram durante a construção, em consequência de várias doenças, em especial da Malária. Na época, o médico e pesquisador, Osvaldo Cruz foi contratado para fazer o saneamento básico e combater as doenças tropicais. Disponível em:

[18] Faca jebong – usada para abertura do painel e sangria da seringueira. 2 - Riscador – serve para riscar as linhas básicas na abertura do painel de sangria. Disponível em:

[19] Sernambi”, látex coagulado na superfície das incisões, ou no tronco da árvore. Disponível em: .

[20]Ji-Paraná é um município brasileiro do estado de Rondônia. Com uma população estimada em 2017 de 132.667 habitantes, é o segundo mais populoso do estado e o décimo sexto mais populoso da Região Norte do Brasil. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ro/ji-parana/panorama.

[21] O número de casos de malária em Rondônia aumentou então de alguns milhares para mais de 300 mil ao ano no final da década de 1980, para uma população que havia crescido explosivamente de quase 100 mil para 1.300 mil habitantes. Assim Rondônia recebeu, na época, o título de "capital mundial da malária". IBGE, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014200 8000300008>. 28.10.2020.

 

[22] Desde o início do século XVI, durante a conquista do Império Inca, os invasores espanhóis tomaram conhecimento de uma árvore usada pelos índios para curar febre. Jesuítas no Peru começaram a utilizar a casca da árvore para prevenir e tratar malária. Em 1645, o padre Bartolomeu Tafur levou algumas cascas para Roma, onde seu uso espalhou-se entre os clérigos. Em 1654 a casca peruana foi introduzida na Inglaterra. Semente de quinina contrabandeadas foram levadas para Java e cultivadas em maior escala pelos holandeses em 1930 as plantações holandesas produziam 22 milhões de libras de casca, equivalente a 97% do quinina mundial

[23] WIKIPÉDIA. Quinina. Disponível em: . Acesso em: 20 de outubro de 2020.

[24] A cloroquina é ocasionalmente usada no tratamento amebíase extra intestinal artrite reumatoide e lúpus eritematoso. Faz parte da Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde, uma lista dos medicamentos mais eficazes, seguros e fundamentais num sistema de saúde Aralen Phosphate. The American Society of Health-System Pharmacists. Disponível em: < http://www.drugs.com/monograph/aralen-phosphate.html>. Acesso em: 20 de outubro de 2020. 

[26] O autor desse poema foi João Martins de Athaide, que foi o sucessor de Leandro Gomes de Barros na literatura de cordel. Leandro Gomes de Barros foi o pioneiro na publicação de folhetos rimados, é autor de uma obra vastíssima da mais alta qualidade, o que lhe confere o título de poeta maior da Literatura de Cordel (LEMOS, 2009). Nascido em Pombal, PB em 1865, faleceu em Recife, em 4 de março de 1918, deixando um legado de cerca de mil folhetos escritos.

[27] João Martins de Athayde nasceu em Cachoeira de Cebolas, povoado de Ingá do Bacamarte, Paraíba em 23 de junho de 1880. Devido à seca de 1898, migrou para Pernambuco, radicando-se no Recife. Faleceu em Limoeiro, Pernambuco, em 1959. Publicou o seu primeiro folheto em 1908, impresso na Tipografia Moderna: Um preto e um branco apurando qualidades. Em 1918, Athayde escreveu A pranteada morte do grande poeta Leandro Gomes de Barros. Em 1921, adquiriu os direitos de publicação de toda a obra de Leandro e iniciou a republicação. João Martins de Athayde, no ano de 1949, após haver passado por um acidente vascular cerebral, se afastou da atividade de editor, vendeu a sua tipografia para José Bernardo da Silva, repassando-lhe os estoques e os direitos de edição sobre tudo o que publicou (BENJAMIM, 2010).