Inicialmente é bom saber que na bíblia hebraica existem três partes: a Lei (Pentateuco), os Profetas e os Escritos. Entre os Escritos estão aqueles aos quais chamamos de Sapienciais.

Então, em que consiste, na bíblia, a sabedoria?

Num primeiro momento está associada aos chamados “livros sapienciais”: Jó, Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico e Sabedoria. Além de Salmos e Cântico dos Cânticos, os quais, não são considerados como Sapienciais. Os salmos porque formam um universo à parte com as mais diversas temáticas. E Cântico dos Cânticos porque se trata de uma espécie de novela vista como sendo a relação entre Deus e os homens.

Sabemos, hoje, que a literatura Sapiencial, antes de ser assimilada e ensinada como texto bíblico, floresceu no Egito e Mesopotâmia. Entre esses povos a “sabedoria” não está ligada ao religioso. É, antes, um recurso profano para indicar ao indivíduo como agir em seu cotidiano, superando os percalços do seu dia a dia. Com essa conotação foi que esse estilo literário se incorporou à literatura bíblica. Mas com uma diferença: olhar o dia a dia não com os olhos profanos e sim com uma perspectiva de fé. Mas essa fé não se fundamente na Lei ou nos Profetas; não desenvolve temas ligados à Aliança, à Eleição e à Salvação e sim aos problemas do cotidiano. Aqui o homem se sente interpelado pela sua situação pessoal, pelos seus problemas particulares, enfim em busca do sentido de sua vida.

Pode-se dizer que, num primeiro momento, os escritos da sabedoria não foram produzidos por especialistas em sabedoria, mas nasceram da experiencia cotidiana pela qual a família ensina seus filhos. Somente mais tarde, já ao final do ciclo da produção dos escritos sapienciais é que aparecem os sábios especializados. Mas, em todos os casos o que fica evidente é uma afirmação central: a verdadeira sabedoria é o temor a Deus! As dificuldades ou situações do dia a dia são iluminados ou enfrentados a partir de uma postura de fé.

Enquanto entre os povos vizinhos os escritos sapienciais fundamentam-se no ensino cotidiano em vista do bem viver cotidianamente, os textos bíblicos colocam a perspectiva da fé, da devoção como critério da sabedoria. Portanto a sabedoria não será encontrar soluções para situações específicas, mas ver como essa situação específica pode ser encarada a partir da fé em Deus.

Se quisermos usar as palavras do site dos capuchinhos de Portugal, podemos dizer que:

Mais do que procedendo do alto, como a Lei, a Profecia e a própria História, a sabedoria surge e cresce a partir de baixo, ou seja, da experiência humana. Sábio é quem sabe adaptar-se a esse sistema cósmico, descobrir o seu mecanismo operativo e entrar na sua essência. “Insensato”, ou mesmo “ímpio”, é quem não descortina as regras desse jogo ou não se interessa por elas. (disponível em: http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=Livros_Sapienciais)

Em função disso podemos reafirmar que esse conjunto de livros são resultantes de situações existenciais. Ou seja, também para o povo de Deus a sabedoria não se resume a um aspecto ou a um livro, mas ao cotidiano. O sábio não é o que possui os saberes, ou o que dá conselhos, ou o autor dos livros de sabedoria, mas o que segue os preceitos de Deus. E isso não é algo pronto ou definitivo, mas tem que se atualizar, tem que se adequar constantemente às situações. Em cada situação do cotidiano o homem de fé se indaga: “o que Deus quer de mim nesta situação?” ou “Como devo agir para não fugir à vontade de Deus nesta situação?”. A sabedoria, portanto, está associada à prática da fé.

Como se pode notar, não se está mais falando de situações da vida do povo, mas de comportamentos dos indivíduos. A sabedoria bíblica, portanto, difere da sabedoria buscada pela filosofia e daquela apresentada pelos considerados sábios. Também é diferente dos outros conjuntos da bíblia, como do Pentateuco, mostrando uma leitura das origens do povo a partir de sua fé; diferente dos livros históricos que, a partir da fé do povo, traça os rumos da história enquanto povo e procura ver como Deus os acompanhou ao longo dos anos vividos; ou dos Profetas, os quais, como consciência crítica do povo, tratam de propor, a partir da fé, novas posturas e condutas para os dirigentes da nação e para o povo. Nos escritos sapienciais permanece a ótica da fé, mas trata-se de refletir sobre a conduta dos indivíduos ou como o indivíduo pode seguir os preceitos divinos ao resolver suas dificuldades.

No já referido site dos freis capuchinhos, encontramos a seguinte síntese a respeito da sabedoria bíblica.

No âmbito sapiencial, o centro de interesse e de atenção desloca-se do povo, enquanto tal, para o indivíduo; da História, para a vida quotidiana; da situação peculiar de Israel, para a condição humana universal; das vicissitudes históricas do povo da Aliança, para a existência no mundo enigmático da criação; das intervenções prodigiosas de Deus, para as relações entre causa e efeito; da esfera da Lei e do culto, para o mundo das opções livres e da iniciativa pessoal; da autoridade de Deus, para a esfera da experiência e da tradição humana; dos oráculos dos profetas, proclamados como palavra de Deus, para o uso de todos os recursos da razão e da prudência, em ordem à orientação da própria vida; da imposição da Lei, para a força persuasiva do conselho e da exortação; do castigo, apresentado como sanção externa, para a consequência negativa, resultante de uma escolha errada ou de um acto insensato. (disponível em: http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=Livros_Sapienciais)

Então de onde nasce a literatura sapiencial? Inicialmente nasce do cotidiano. Das soluções e ensinamentos que os pais, as mães, os mais velhos transmitem às novas gerações. Confirmando a conotação cotidiana dos escritos sapienciais, podemos olhar a apostila sobre os livros sapienciais, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida e São Lourenço (de São Lourenço da Serra, SP), encontramos a seguinte afirmação:

Os livros sapienciais mostram que a experiência comum do povo também é lugar da manifestação de Deus e da revelação do seu projeto: Deus fala através da experiência do povo. Estes livros, portanto, trazem o convite para também hoje darmos atenção a nossa vida cotidiana, a fim de aprendermos a articular nossa experiência da vida e da história. (disponível em: http://www.paroquiasls.com.br/esc/Apostila-livros-sapienciais.pdf)

Somente quando assumiu a forma literária – processo desenvolvido possivelmente pelos escribas – foi que a sabedoria passou a ser obra dos eruditos. Mas, mesmo assim não perdeu sua origem popular. Isso se comprova no próprio estilo dessa literatura: temas e situações do cotidiano expressas em sentenças breves facilitando a memorização. Na introdução aos livros sapienciais, da “Bíblia de Jerusalém” encontramos a seguinte afirmação:

Por detrás de todas essas formas literárias, mesmo as mais simples, a origem da sabedoria deve ser procurada na vida da família ou do clã. As observações sobre a natureza e sobre os homens, acumulada de geração em geração se exprimiram em sentenças, em ditados populares, em curtos apólogos, que tinham uma aplicação moral e que serviam de normas de conduta.[…]

A brevidade das sentenças, que assim se gravam na memória, destinava-se ao ensino oral.

E esse ensino tanto era ministrado tanto no âmbito familiar como no contexto social-eclesial, como o sugere Jesus Cristo (cf Mt 18, 15-17) ao orientar primeiro uma conversa velada, depois sob os olhos de testemunhas e finalmente na assembleia. Mas, em todos os casos, permanece sendo um ensino voltado para a conduta do indivíduo. O ponto de partida é uma situação concreta e o ponto de chegada é um posicionamento iluminado pela fé que mobiliza um posicionamento em relação à situação específica.