RESUMO

Sebastião José Naves e Joaquim Rosa Naves se tornaram conhecidos por terem sido vítimas de um erro policial e jurídico ocorrido durante o Estado Novo, ambos acusados sem justificativa, presos e torturados até uma falsa confissão. O presente artigo propõe-se a analisar as falhas cometidas pelo judiciário brasileiro, que caracterizam inobservância dos direitos humanos, no caso em questão. Dada a complexidade do tema, para tal, pretende resgatar as características pertinentes à época em que se situaram os fatos, com enfoque na legislação vigente no período e atualmente.

Palavras-chaves: Irmãos Naves, Direitos Humanos.

1 INTRODUÇÃO

Paulo Gustavo Gonet Branco define Direitos Humanos como os direitos inerentes à pessoa humana, indispensáveis para assegurar dignidade aos indivíduos e garantir seu contato com o poder público. Apesar da indiscutível necessidade de que estes sejam assegurados, possibilitando seu pleno exercício, apenas a partir da segunda metade do século XX é que se nota um esforço para fomentar o debate acerca desse tema. Com o término de ambas guerras mundiais a fragilidade humana é evidenciada e através de tratados como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto São José da Costa Rica, e inúmeros outros, Estados vêm se comprometendo a respeitar os direitos e liberdades pessoais e garantir seu pleno exercício àqueles que estão sob sua jurisdição.

Ainda hoje existem indivíduos que sofrem com a não observância de seus direitos, fato ainda mais comum antes da consolidação dos direitos fundamentais. Estes indivíduos inspiraram a escolha do tema a ser abordado, tratando aqui especificadamente do caso dos Irmãos Naves, conhecido como a maior falha do judiciário brasileiro. Analisando o caso através da ótica legal, pretende-se denunciar o descaso por parte da justiça brasileira para com os irmãos.

Em um primeiro momento será introduzida uma breve síntese do caso para situar o leitor, em seguida uma contextualização sobre o período em que se deram os fatos; por fim serão apontados, um a um, os direitos individuais pertinentes à análise e a ruptura com os mesmos.

2 IRMÃOS NAVES: DA DENÚNCIA À ACUSAÇÃO

A história de Sebastião e Joaquim gerou e ainda gera muita repercussão, tendo, inclusive, inspirado João Alamy Filho a escrever uma obra literária que mais tarde serviu como base para a direção de um longa-metragem que evidencia a história dos irmãos e o tratamento degradante a que foram submetidos. A obra, diriga por Luis Sérgio Person, infelizmente ainda muito atual, retrata os momentos em que aqueles que deveriam zelar pela justiça são os culpados por causar justamente o contrário, retrata ainda a maneira que o poder pode transformar até mesmo os mais íntegros e o impacto dessa problemática na vida do povo, vítima de uma ditadura. O filme, lançado em 1967, ano marcado pelo avanço da institucionalização do regime militar que restringia as liberdades públicas e democráticas, o longa-metragem é um corajoso protesto contra a tortura e todas formas de ditadura que instiga um sentimento de revolta em seus espectadores.

Os fatos se deram no ano de 1937, em Araguari (MG), uma cidade do interior onde os irmãos e seus familiares residiam e trabalhavam. Sebastião Naves e Joaquim Naves comerciavam bens de consumo, como por exemplo cereais, e eram sócios de Benedito Caetano, primo dos dois. Benedito havia adquirido uma grande quantia de arroz que pretendia vender durante uma elevação dos preços e lucrar, no entanto, a economia do país se encontrava fragilizada, especialmente para o setor agrícola, e os preços estavam em declínio constante. Ele então se vê forçado a vender as sacas de arroz que adquiriu, lhe restando 90 contos de réis aproximadamente, uma voluptuosa quantia, mas, infelizmente, insuficiente para sanar suas inúmeras dívidas. Caetano então se deslumbra com a possibilidade de sumir da cidade e sair vantajoso levando o dinheiro, e foge durante a madrugada sem comunicar nada a ninguém.

]  Os irmãos notam o sumiço repentino do primo e comunicam a delegacia seu desaparecimento. O caso estava sob os cuidados de Ismael Benedito do Nascimento, delegado na época, e as investigações corriam normalmente. Porém, o delegado não estava sendo bem-sucedido em encontrar Benedito, e a população clamava por respostas. Em uma revolta surpreendente, ocorrida após o tenente Francisco Vieira dos Santos se empossar delegado, Sebastião e Joaquim passam de acusadores a réus do caso. Crente de que, como sócios, os mesmos seriam os mais interessados no sumiço de Benedito o tenente os acusa de assassinato e ordena a prisão de ambos, acreditando que logo confessariam o crime e exercendo grande influência sob a opinião da população que passa a tomar os irmãos como culpados.

Porém, a confissão do crime só se dá dias após com o uso de tortura, física e psicológica, contra os irmãos e seus familiares. As injustiças, no entanto, não param por aí, mesmo com um placar favorável no julgamento os irmãos Naves são condenados a mais de 25 anos de reclusão. Conhecido como “o maior erro do judiciário brasileiro” o caso ainda causa muita revolta, especialmente devido ao fato de que 15 anos depois a “vítima” do suposto assassinato reaparece, tornando ainda mais clara a manipulação das investigações e a condenação injusta que os consanguíneos receberam.

3 ESTADO NOVO: O MOMENTO HISTÓRICO

É de extrema importância salientar a época em que ocorreu o fato, tendo em vista as modificações que o ordenamento brasileiro sofreu. O presidente no comando do país era Getúlio Vargas, que assumiu o cargo em 1930 após liderar uma revolução que retirou Washington Luís do poder. No início o governo de Vargas tinha como características o nacionalismo e o populismo, o tornando uma pessoa extremamente popular que buscava conquistar a classe trabalhadora, dessa forma garantindo sua permanência no poder. Seu primeiro mandato, que teve um fim apenas em 1945, no entanto, não foi marcado apenas por coisas boas. Em 1937, ano em que o caso dos irmãos Naves ocorreu, o Congresso Nacional é fechado e com a outorga da Constituição Federal de 1937 o Estado Novo é instaurado. Sob a alegação de que o país se encontrava sob uma ameaça comunista o então presidente se mantém no poder e passa a governar de forma ditatorial. Ao mesmo tempo que consolidou as leis do trabalho e instituiu a Justiça do Trabalho, garantindo melhorias nas condições da classe trabalhadora, Getúlio Vargas também tomou medidas extremamente arbitrárias e repressivas. Suspensão dos direitos políticos, com a perseguição aos partidos de oposição, criação do Departamento de Imprensa e Propaganda que regulava e censurava os meios de comunicação, além da entrega de Olga Benário para o governo nazista, foram algumas de suas ações mais marcantes.

Logo, é evidente que a época em que Sebastião José e Joaquim Rosa Naves estavam situados foi extremamente marcada por autoritarismo e censura, provenientes de um golpe que instaurou uma ditadura. Característica que se evidencia ainda mais quando se analisa o ordenamento jurídico vigente, isso pois o artigo 175 da CF/37 determinava que o presidente só teria seu mandato renovado após realização de um plebiscito (previsto no artigo 187 da CF/37) e caso este fosse favorável a constituição, sendo essa, então, provisória até a realização do plebiscito. Porém, o artigo 80 por sua vez dispunha que o período presidencial seria de apenas 6 anos. Sabendo que o primeiro mandato de Vargas se deu de 1930 até 1945 o desrespeito a norma se torna claro, mas o que torna a salientar o cunho de seu primeiro mandato é o fato de o plebiscito nunca ter sido realizado. Francisco Campos, considerado o principal autor da Constituição Federal de 1937, declarou em entrevista que não tendo sido respeitados os artigos citados acima a CF deixava de estar em vigor, adquirindo valor meramente histórico:

não se tendo realizado o plebiscito dentro do prazo estipulado pela própria Constituição, a vigência desta, que antes da realização do plebiscito seria de caráter provisório, só se tornando definitiva mediante a aprovação plebiscitária, tornou-se inexistente. (apud PORTO, 2015, p. 13).

4 A INOBSERVÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS

Além dos aspectos mencionados anteriormente acerca do período histórico em que o fato se deu, existe um outro de extrema importância: a situação em que se encontravam os direitos humanos no momento. Sem dúvida alguma a escola jusnaturalista já vinha afirmando a existência de “direitos naturais” pertencentes a todos indivíduos há muitos anos, além da publicação de documentos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que viria a servir de base para os tratados de direitos humanos que vieram a seguir. No entanto, a consolidação dos direitos humanos como conhecemos hoje não iniciou até o fim da Segunda Guerra Mundial com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados que a sucederam, quando houve uma maior preocupação em defender a população devido ao grande impacto que ambas guerras mundiais causaram.

No Brasil esse cenário de consolidação se dá ainda mais tarde, visto que o país passa por outra situação de ditadura a partir de 1964 com o regime militar, em que há a inobservância destes direitos. Isso ocorre, em partes, pois mesmo o país sendo um dos Estados-Membros das Nações Unidas que aprovou a Declaração, a mesma não exerce imperatividade, ou seja, não passa de sugestão, carecendo até hoje de ratificação oficial. Após a onda de regimes ditatoriais que assolou a América, com o ressurgimento da democracia, surge o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, segundo sistema regional mais consolidado no mundo. Com base nos tratados internacionais mencionados acima, dos quais o país é membro, ocorre a codificação dos direitos humanos com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em um processo de redemocratização, visando proteger civis de ações arbitrárias que pudessem voltar a ser praticadas por parte do Estado.

Não tendo os direitos inerentes a pessoa humana sido consolidados se torna mais compreensível o que houve naquela época, já que não havia uma preocupação em proteger esses direitos que garantem uma existência digna. Entretanto, a lacuna existente antes da consolidação destes direitos não perdoa, tampouco valida os acontecimentos ocorridos previamente a mesma.

4.1 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

É importante esclarecer que apesar de os direitos fundamentais terem sido amplamente abarcados pela CF/88 alguns preceitos já estavam presentes na constituição vigente na época, e ainda sim seguiram sendo desrespeitados. O mais importante destes e que foi completamente ignorado no processo de julgamento dos irmãos é o princípio da presunção de inocência. O princípio em questão estabelece como regra o estado de inocência do acusado de determinado delito, até que ocorra o trânsito em julgado culminando em sentença penal condenatória. No ordenamento da época esse direito estava previsto na Constituição Federal de 1937 em seu artigo 122, inciso de número 11, que estabelece que:

Art. 122: A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiz o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 11 – A exceção do flagrante delicto, a prisão não poderá effectuar-se senão depois de pronuncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escripta da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na fórma por ella regulada; a instrucção criminal será contradictoria, asseguradas, antes e depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa. (TÁCITO, 2015, p. 56)

 

Da mesma forma que a CF/37 garante que os acusados sejam considerados inocentes até que se prove o contrário, a Constituição Federal de 1988, hoje em vigência, em seu artigo 5º, inciso LVII, também o prevê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988, p. 21)

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, como é de se esperar, também engloba este princípio, em seu artigo XI, parágrafo 1º, quando diz que:

Artigo XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, p. 7)

 

Também estabelece o princípio o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, em diversos momentos. Inicialmente na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em seu artigo XXVI:

Artigo 26. Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até que se prove sua culpabilidade. Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis preexistentes, e de que se lhe não inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1948, p. 6)

 

O sistema reforça a importância do preceito em questão ao estabelecê-lo novamente na Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8º, parágrafo de número 2:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969, p. 3)

 

            Tendo em vista que a prisão dos irmãos ocorre antes de serem concedidos o direito de um julgamento justo, baseada apenas na suspeita do tenente e com o fundamento da crença de uma possível confissão, fica evidente o enorme desrespeito às normas por parte das autoridades competentes no período.

4.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: TORTURA E VIOLAÇÃO

            Infelizmente, ao analisar a fundo este caso nota-se que o princípio da presunção de inocência não foi o único ferido durante o trâmite das acusações. Outro aspecto importante, e amplamente ignorado, é a dignidade da pessoa humana, estabelecida incontáveis vezes pela atual constituição e inúmeros tratados internacionais. Este preceito constitui um conceito amplo e que permite variadas aplicações, pois é, na verdade, a união de diversos princípios e valores que pretendem garantir o respeito e proteção do cidadão perante o Estado. Dessa forma, grande parte dos Direitos Fundamentais podem ser conectados a este princípio.                     Definitivamente, um dos mais importantes direitos nela fundados é a proteção do indivíduo contra qualquer forma de tratamento degradante ou tortura. Proteção que não foi concedida aos irmãos Naves. Inicialmente prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948, p. 6), em seu artigo V que assim determina: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Foi em seguida incluída no Pacto de São José da Costa Rica em seu artigo 5º, parágrafo 2:

          Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969, p. 2).

 

Também está presente na Constituição Federal (1988, p. 17) vigente atualmente no país, no seu artigo 5º, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais, inciso III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.         Os irmãos foram vítimas de tortura contínua, física e psicológica, até a extração da falsa confissão. Porém, Sebastião e Joaquim não foram as únicas vítimas de tratamento degradante e arbitrário neste caso, familiares dos Naves foram torturados com o objetivo de chegar a uma acusação concreta. Um exemplo é a mãe dos irmãos, Dona Ana, posta nua perante os filhos, enquanto o tenente ordenava que os dois agredissem a senhora. Naturalmente, ambos se recusam a cometer tal ato, o que faz com que os três sejam torturados, e Ana vítima de estupro. Apesar da constituição em vigor durante o período não apresentar a proteção da dignidade humana expressamente, a essência de justiça deveria ser intrínseca a qualquer ordenamento, sempre.

4.3 O DIREITO A UM JULGAMENTO JUSTO

Não se pode esquecer, de maneira alguma, da falha do Estado em assegurar que os réus dispusessem de um julgamento justo, visto que mesmo com a quase unanimidade do júri em decretá-los inocentes ambos foram condenados a 25 anos de reclusão. O modelo de júri vigente na época e atualmente foi adotado pelo país em 1822, muito antes da ocorrência do caso, e diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, não é necessária a unanimidade, sendo válida as decisões tomadas por maioria simples. Atualmente é assegurado ao júri, pela Constituição Federal, a soberania do veredicto, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII (1988, p. 20): “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: c) a soberania dos veredictos”. Porém, nem sempre foi assim, e é inegável que o fato de a soberania do júri não constar no ordenamento vigente naquele momento, um momento de ditadura, abriu margem para abusos de poder. Infelizmente os Naves foram vítimas desses abusos, além de todas injustiças anteriormente mencionadas, também sofreram por ter o veredito do júri ignorado e alterado, por parte do Tribunal de Justiça, visando uma condenação.

4.4 HABEAS CORPUS

            Outro direito, hoje garantido pela CF/88, mas este já existente na época, é a concessão de habeas corpus. Esse instituto e sua criação estão diretamente conectados com a busca pela garantia de liberdades individuais, e isso não se pode ignorar, especialmente quando analisado o Writ de Habeas Corpus, de 1679. Na CF/88 o artigo 5º, em seu inciso LXVIII versa sobre quando a concessão será concedida, e estabelece que esta ocorrerá quando alguém estiver sob ameaça de violência, situação de violência ou restrição de sua liberdade de locomoção, seja por atos ilegais ou abusivos. Mas, como dito previamente, a concessão de habeas corpus data de muito antes, no Brasil foi introduzido com o Código de Processo Criminal de 1832. Este dispunha, em seu artigo de número 340, que: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito a pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”. O dispositivo foi, no entanto, restringido pela CF/37, adequando o somente para casos em que fossem violados direitos de liberdade de locomoção, em seu artigo 122, inciso 16:

Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiz o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade.

16 - Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Sabendo que Sebastião e Joaquim foram presos antes de serem condenados, se encontravam em situação de tortura e em local insalubre, atados a uma árvore, obviamente o habeas corpus deveria ter sido concedido quando requerido pelo advogado de defesa João Alamy Filho. Porém, mesmo após solicitado duas vezes, e concedido pelo judiciário, a decisão foi ignorada pelo delegado e os irmãos continuaram presos, não tendo então o habeas corpus ocorrido de fato, existindo apenas no papel.

5 CONCLUSÃO

Apesar da inobservância dos direitos acima citados, após provada a inocência dos irmãos, com o retorno de Benedito, o Estado concede então a indenização aos réus injustamente condenados sem provas concretas. A indenização está prevista hoje, na CF/88 (p.22) em seu artigo 5º, inciso LXXV: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.” Tendo se passado muitos anos em condições precárias, um dos irmãos veio a falecer em decorrência do tratamento que lhe foi concedido, ficando assim a indenização para seus familiares. Apesar de prevista na constituição, instrumento máximo de legislação no país, a ideia de reparação de danos por meio de indenização também se manifesta no Sistema Interamericano, quando o Pacto de São José da Costa Rica (1969, p. 3), a estabelece em seu artigo de número 10, ao dizer que: “Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário”.

Conclui-se que o caso denuncia um enorme erro do judiciário brasileiro e autoridades competentes na época, e que mesmo em um período que difere extremamente do atual, se manifestaram horrendas rupturas com os direitos dos acusados. Ressalta-se que ainda que os familiares tenham sido indenizados e os irmãos considerados inocentes anos após condenação, os danos causados pelo tratamento que estes e todos os envolvidos receberam é irreparável, pois nada possui valor que se equipare ao da vida humana, e absolutamente nada tem a capacidade de apagar os traumas causados nas vítimas ou em seus amigos e familiares.

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