A REVISTA ÍNTIMA REALIZADAS EM FAMILIARES DE PRESOS E SUA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: A aplicação do princípio da proporcionalidade frente ao confronto entre o direito à dignidade humana e à segurança pública ocasionado pela revista íntima nas penitenciárias brasileiras[1]

Rayssa Pires Amorim Cardoso²

Nayara García da Costa[2] 

RESUMO

O presente artigo aborda a revista íntima realizada nos estabelecimentos prisionais nos visitantes dos reclusos, entendendo-se ainda que, ocorre uma transferência da pena do recluso ao seu familiar, buscando subsídios nos princípios constitucionais, tendo por base a aplicação do princípio da proporcionalidade frente ao confronto entre o direito à dignidade humana e à segurança pública ocasionado pela revista íntima.

PALAVRAS-CHAVE

Sistema Prisional – Revista Íntima – Transmissibilidade da pena - Princípios constitucionais.

INTRODUÇÃO

A condenação do indivíduo inflige à família, que passa a visitá-lo, uma condição penalizante, por vezes humilhantes, mediante procedimentos vexatórios. Em decorrência da prisão, os laços afetivos e as relações familiares ficam comprometidos, o encarceramento destrói o convívio social, que é essencial para o desenvolvimento humano.

Pode-se atribuir, à primeira vista, uma necessidade de segurança coletiva que transparece da previsão da revista íntima, mostrando-se como forma de prevenção e contenção de atos ilícitos dentro ou de dentro da penitenciária, como se vislumbra na possibilidade de um traficante receber um aparelho de celular e, de dentro do presídio, comandar o tráfico de drogas. Por outro lado, a revista íntima nos presídios tem uma conotação de abranger a condição cativa do preso à pessoa que o visita, em outras palavras, a essa pessoa é “atribuída” parte da pena do encarcerado.

Porém, mesmo mostrando-se como meio viável pode não ser o mais adequado, na medida em que os danos à dignidade da pessoa humana podem ser maiores do que a eficácia de tal medida, podendo haver, ainda outros meios menos danosos e mais eficazes do que a revista íntima, como podemos observar em alguns sistemas prisionais internacionais, em que há salas especificas de visita e a mesma é feita de forma coordenada, e, ainda, em casos mais graves há um distanciamento entre o preso e o visitante. Assim, faz-se necessária uma análise sobre a viabilidade da revista íntima dentro do contexto sócio-jurídico brasileiro em face dos preceitos Constitucionais.

Nesse sentido, por meio de uma pesquisa bibliográfica, no primeiro momento, abordar-se-ão as particularidades do sistema prisional brasileiro no que concerne às espécies de revista - íntima, pessoal e corporal, e suas particularidades, bem como, apresentando as condições requeridas para que sejam realizadas essas visitas. No segundo momento, far-se-á uma explanação da revista íntima diante do direito a dignidade da pessoa humana e da segurança pública.

A seguir, analisar-se-á a revista íntima como uma transferência de pena do condenado à pessoa que o visita. E, no momento final, abordar-se-ão considerações a cerda da aplicação do princípio da proporcionalidade no conflito de direitos gerados pela revista íntima realizada no âmbito prisional.

1. SISTEMA PRISIONAL E A REVISTA PESSOAL

O sistema prisional, além do caráter punitivo, que constitui sua essência, deve buscar a reintegração do apenado à sociedade. Tendo em vista que o infrator da lei é, antes de tudo, um ser humano, direitos devem ser assegurados, uma vez que a Constituição Federal, norma máxima, deve ser observada. Nesse sentido, ao sistema prisional também se impõe o dever e a necessidade de respeitar os direitos humanos, a integridade física e moral do indivíduo.

É notório que sistema prisional se apresenta debilitado em face das precárias condições em que se encontra, principalmente, no que tange a superlotação, fato que agrava a incidência da violência. Em decorrência, da falta de estrutura do estabelecimento prisional, por vezes, senão, constantemente, transgridem-se direitos, que afasta do preso sua personalidade. O fato é que, a prisão,

“não é qualquer instituição pública que promova ou auxilie o bem estar das pessoas que nela ingressam, mesmo que para realizar uma visita. É um poder que exerce a violência institucional, reprimindo as necessidades reais de direitos humanos com um enorme grau de violação dos direitos fundamentais” (DUTRA, 2008)

Dessa forma, criaram-se dispositivos legais cujo intuito é tentar assegurar os direitos humanos, ainda que, de forma rasa, uma vez que a prisão afasta, ainda que, temporariamente, alguns direitos do recluso. Um exemplo de direito minorado, é o direito à intimidade dos presos, nesse aspecto, a visita íntima foi conferida como um direito constitucionalmente assegurado aos presos, segundo a Resolução n.º 1, de 30 de março de 1999, devendo o instituto prisional assegurar a privacidade e inviolabilidade dessa visita. Isso remete, pois, ao direito à intimidade, elencado no artigo 5º, X da CF.

Cabe mencionar, que por disposição da Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, que fixa normas mínimas para tratamento de presos, é dado ao preso o direito a se comunicar, sob vigilância, com sua família, parentes e amigos, por correspondência ou por meio de visitas (artigo 33), sendo estabelecidos, dias e horários próprios para a sua realização (artigo 36).

A permissão à revista é dada pela Resolução nº 9, de 12 de julho de 2006, a qual dispõe que, considerando a necessidade de dotar os estabelecimentos penais de meios e procedimentos adequados a manutenção da ordem e disciplina no seu interior, bem como evitar excessos no controle do ingresso de cidadãos livres nesses estabelecimentos, e ainda, diante da necessidade de preservar a dignidade pessoal desse cidadão livre que adentra o sistema carcerário, recomenda que a revista seja feita em pessoas na qualidade de visitantes, servidores ou prestadores de serviços, bem como nos objetos por eles portados.

Todavia, dispõe ainda que, a revista manual será realizada em caráter de excepcionalidade, quando houver fundadas suspeitas de porte de substancia ilegal que venham a por em risco a segurança do local, devendo esta, ser realizada em local reservado, preservando a honra e a dignidade do revistado. A revista, conforme entendimento de Carlos Roberto Mariath,

“ante a ausência de autorização judicial, a regra para a realização de revista preventiva em estabelecimentos penais é a revista indireta, ou seja, aquela em que não há contato físico entre o agente público e o revistado, realizada por meio de aparelhos de detectores de metal ou espectrômetros. Já, nos casos de fundada suspeita, excepcionalmente, é permitida a revista direta, manual, superficial, realizada sobre o corpo e a roupa do revistado.”

Trata-se, pois, de uma medida atrelada à política de segurança pública, uma vez que por meio dela se coíbe que adentre material, que irregular ou ilegal, são proibidos. O intuito é reforçar a segurança nos estabelecimentos prisionais através das revistas realizadas nos visitantes e parentes dos reclusos. Essas revistas, segundo o entendimento de Adilson Luís Franco Nassaro (2007), podem ser segundo a natureza jurídica (preventiva e processual), ao nível de restrição de direitos individuais impostos (preliminar e minuciosa), ao sujeito passivo (individual e coletiva), ou ainda, quanto à tangibilidade corporal (direta e indireta).

Em se tratando de estabelecimentos prisionais, observada a supracitada classificação, a revista apresenta um caráter preventivo, uma vez que busca evitar que ingressem sorrateiramente objetos nos presídios. Todavia, cabe ressaltar que, em consonância com a Resolução nº 9, de 12 de julho de 2006, esse objetivo se mostra fundado em um critério subjetivo de desconfiança, uma suspeita de esse visitante vir a querer adentrar o presídio com algo.

Nesse sentido, tem-se que,

“A aplicação subjetiva do critério já referido da fundada suspeita como um procedimento autoritário, e há muito ultrapassado, só serve para obscurecer e deslegitimar qualquer Governo que tenha o mínimo de preocupação em respeitar os direitos e garantias do cidadão e pretende ser Democrático e de Direito” (SANCHEZ, 2010).

Em sentido oposto, se for um caso de fundadas suspeitas, como discorre o artigo 5º, § 5 º da supracitada resolução, decorrendo a revista eletrônica, o equipamento de vigilância detectar sinal de possível irregularidade quanto à pessoa do revistando, caracterizará a fundada suspeita, nesse caso, deverá o revistando ser submetido à revista manual e/ou íntima.

A visita aos presos mostra-se como ferramenta a permitir que se sustentem os vínculos familiares, em decorrência disso, tem-se um estímulo a vontade de retornar ao meio social. Não obstante, a revista intima se procede “A fim de preservar a ordem e os bons costumes, tem-se entendido que se deve permitir apenas a visita íntima do cônjuge ou da companheira, quando há relação amorosa estável e continuada, excluindo-se a de caráter homossexual e a visita de prostitutas” (BATISTELA; AMARAL, 2009).

Para que se permita fazer tal visita, requer-se passar por um processo de revista, que muitas vezes, configuram abusos e afrontamento a direitos fundamentais. Na realização dessas revistas nos presídios, não se pode estender a pena do condenado à pessoa que o visita, sob pena de lesão a direitos assegurados constitucionalmente. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana deve ser preservada, visto que tal direito

“se manifesta singularmente na autoderminação consciente e responsável por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humano” (MORAES, 2003, pág.60).   

Nesse diapasão, em consonância com o artigo 5º, inciso XXXV, da CF, devem ser garantidos e realizados o pleno respeito aos direitos fundamentais, não podendo a lei excluir de sua apreciação, qualquer lesão ou ameaça desses direitos.

2. REVISTA ÍNTIMA SOB A ÓTICA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A SEGURANÇA PÚBLICA

O Estado surge dentro de um contexto no qual a sociedade lhe outorga parte de sua liberdade em troca de uma dita proteção. Não seria possível a formação de uma instituição como o Estado sem o aspecto da submissão dos homens à autoridade e às normas reguladoras da coexistência. Assim, o Estado Social tem como característica principal a soberania, quer isto dizer que, o Estado tem poderes compulsórios sobre os indivíduos, sobressaindo à supremacia dos interesses do Estado frente aos interesses do individuo.

Todavia, apesar desse caráter soberano, há de se observar que o Estado se legitima através do consentimento dos indivíduos que a ele se submetem. Assim, se o poder inerente ao Estado está baseado na função que lhe foi atribuída, nota-se, então, que ele não possui um fim em si mesmo, está vinculado ao provimento do bem-público, não podendo, deste modo, se sobrepor aos valores da pessoa humana. Tal vinculação se mostra como um limitador da ação do Estado, passando a ter um status de “Estado de Direito” que se materializa sob os contornos da produção de normas jurídicas.

Diante disto, ressalta-se, pois, que ao Estado foi auferido o comportamento ativo para realização do bem-estar social, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa humana, com base no respectivo ordenamento jurídico, que por sua vez deve obedecer aos princípios estabelecidos, de forma coesa. A dignidade humana aparece como um núcleo do ordenamento jurídico pelo qual os direitos humanos devem estar interligados.

A dignidade humana, então, é um valor fundamental que se viu convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por sua positivação em norma expressa seja por sua aceitação como um mandamento jurídico extraído do sistema. Serve, assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais.[...] Sua aplicação poderá se dar por subsunção, mediante extração de uma regra concreta de seu enunciado abstrato, mas também mediante ponderação, em caso de colisão com outras normas de igual hierarquia. (BARROSO, 2010, p. 11)

Do substrato das palavras supracitadas, se parte para a análise da ponderação do princípio da dignidade humana frente a necessidade de garantia da segurança pública. Como já afirmado, o Estado deve garantir o pleno desenvolvimento da pessoa humana, levando em conta a dignidade como mediador do mínimo existencial, enquanto representante da sociedade. Em face do nível alarmante de violência que se estabeleceu no Brasil, igualmente, o Estado deve promover soluções, sendo o infrator considerado um inimigo do Estado por andar às margens das regras sociais, motivo pelo qual deve ser retirado da sociedade, ainda que momentaneamente.

Não cabe aqui analisar a afronta às garantias individuais em relação ao individuo privado de liberdade de locomoção, mas analisar as garantias individuais das pessoas ligadas a esse individuo, que, em nome da “segurança” são submetidos a procedimentos de revista pessoal, por ocasião das visitas a este em estabelecimentos penais. A segurança pública diz respeito a manutenção da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

A ordem pública, como uma situação harmônica desejável e imprescindível à vida social, pode ser obtida espontaneamente ou através da coação exercida pelas estruturas de poder. Todavia, “a ordem pública não pode ser concebida senão sob a medida do conceito de dignidade [...] sempre que a ordem pública é expressamente invocada, a dignidade da pessoa humana não está longe" (MIGUEL apud LEANDRO, 2012). Então, observa-se que, frente ao Estado Democrático de Direito, a promoção da segurança pública deve estar balizada nos valores que orientam o estado, deste modo, respeitando a dignidade da pessoa humana.

Entretanto, a revista pessoal, como meio de garantia da segurança pública, entra em confronto, de um modo geral, com o princípio da dignidade. A política pública de visita em presídios, quer seja pessoal ou coletiva, segue critérios que decorrem às vezes de uma política institucionalizada, mas sem previsão de procedimento legalmente expressa.

O que sustenta a visita é a necessidade de manter os laços familiares, o elo com o mundo além dos muros do presídio, mas, para que ela ocorra, torna-se necessária a revista, em face da necessidade de autuar em flagrante coibindo o tráfico de entorpecentes ou mesmo que adentrem elementos que favoreçam a fuga do condenado, que se mostram como práticas corriqueiras. Compete entender que não se pode eximir o preso desse contato familiar, uma vez que

 “as visitas cumprem o papel de re-oxigenar as esperanças dos reclusos, não no sentido de colocá-los na trilha da comunhão com a sociedade, mas para que estes, a partir do intenso envolvimento e intercambio com a multidão, não sucumbam ante a deteriorante ambiente carcerário e continuem seduzidos pelo retorno à vida em liberdade” (CARVALHO, pág.64).

Afora o argumento dos atos ilícitos que podem ser praticados a partir das visitas, também se pode depreender que “a função real do princípio da segurança, que é a de promover uma segurança com base na igualdade, desvirtua-se mediante o abuso do poder Estatal, ao violar os direitos humanos, deixando pessoas, tratadas como desiguais, sem nenhum mecanismo de proteção” (DUTRA, 2008, p.100). 

3. ANÁLISE DA REVISTA ÍNTIMA DOS FAMILIARES COMO TRANSMISSÃO DA PENA DO RECLUSO

É de responsabilidade do Estado a segurança de todos os cidadãos, ainda que este cidadão encontre-se na condição de cativo. Disto posto, tem fundamental importância no que tange à proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Entende-se, pois, em consonância com o juízo de Márcio Luís de Oliveira (2007, p.58) que, está evidente que a ideia de um Estado Democrático de Direito se mostra incompatível com políticas públicas que não observam a totalidade dos direitos humanos, uma vez que estes devem ser compreendidos na sua indissociabilidade.

A revista íntima apresenta-se como prática contrária aos direitos fundamentais disposto no texto Constitucional. É incontestável que a dignidade da pessoa humana não pode ser suprimida, nem do infrator, menos ainda do familiar que se dispõe a visitá-lo, ainda que fundado sob o argumento da segurança pública.

Nesse sentido, temos o princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil, disposto no artigo 1º, III da Carta Magna. Disso, se subtrai que, trata-se de elemento que, se violado, configurará vicio de inconstitucionalidade. Princípio que se apresenta com proteção internacional, previsto na Convenção Americana dos Direitos Humanos, tratado que fora ratificado pelo Brasil, e que o obriga a defender os direitos humanos em todos os âmbitos.

Tem-se ainda que, a pena possui caráter individual, conforme o disposto no artigo 5º, XLVI, CF. Vigendo, por conseguinte, o princípio da responsabilização pessoal, disposto na Constituição no artigo 5º, XLV, por meio do qual se depreende que, a pena não passará da pessoa do condenado. Esse princípio visivelmente se faz violado no âmbito dos estabelecimentos prisionais, uma vez que a realização de revistas íntimas sujeita os familiares do recluso a situações vexatórias, momentos de constrangimento que, por equiparação, compartilham a pena da submissão que é imposta ao preso.

Por vezes o tratamento que é dado aos familiares se aproxima ao tratamento que é conferido aos presos. Os familiares compartilham do mesmo estigma conferido ao recluso, uma vez que, no local da visita, se submentem ao cumprimento de normas, sendo limitados, ou mesmo tolhido, seus direitos de liberdade de expressão. Nesse sentido, corrobora o entendimento de Yuri Frederico Dutra (2008) ao afirmar que

“A estigmatização pela sociedade e o preconceito por alguns agentes prisionais, pelo fato de serem familiares de reclusos e serem consideradas também como criminosas A despersonificação da identidade, representada pela assimilação do linguajar da prisão, pela submissão às regras de vestimentas estabelecidas pela prisão que fazem-nas sentirem menos feminina e pela ausência de liberdade de expressão, por terem que, aceitar as normas abusivas sem reclamações.”

Observa-se que na falta de aparato legal para balizar um procedimento padrão de revista íntima, ao estabelecimento prisional, confere uma discricionariedade para esses estabelecimentos determinar os métodos empregados e os limites, ou, o que parece mais evidente, a falta deles.

A transferência da penalização recebida pelo recluso à sua família ocorre também no meio social. Os parentes do preso sofrem o preconceito nos mais diversos âmbitos da sua vida, quer seja pessoal ou profissional. Os olhares se voltam para essas pessoas com discriminação com se elas próprias tivessem cometido um crime, e mais, tivessem sido condenados por esse crime. Assim,

“O preconceito que o familiar de recluso sofre fora do muro e dentro da sociedade, punibiliza-o em sua dignidade, pois, sendo pessoas livres, são perseguidas de várias formas, tanto em sua liberdade e direito de trabalhar, como de frequentar certos lugares, como de viver uma vida sem se sentir culpado e ser constantemente punido pela sociedade por um crime que não cometeu” (DUTRA, 2008).

O fato de ser familiar de um condenado impõe a ele uma marca que gera consequências graves, observadas não só na esfera social, uma vez que compromete as relações afetivas, mas na esfera econômica, visto que o mercado de trabalho se faz retrair para essas pessoas, quando não, fechar. Por vezes, os filhos de recluso sofrem a rotulação de “bandidos”, por conta da conduta criminosa dos pais, provocando consequências psíquicas futuras que podem ser determinantes para a formação dessa criança.

As políticas públicas de revista íntima/pessoal, que se configuram como medidas de segurança adotadas pelos estabelecimentos prisionais públicos, são práticas que estimulam a estigmatização social que é conferida aos familiares dos reclusos, uma vez que são tratados como indivíduos suspeitos, que requerem uma abordagem preventiva e vigilância durante a sua permanência no presídio.

3.1. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE NO CONFLITO DE DIREITOS GERADOS PELA REVISTA ÍNTIMA

 A revista pessoal, como meio de garantia da segurança pública, entra em confronto, de um modo geral, com o princípio da dignidade da pessoa humana. Sustenta Dutra (2008, p.99), ao tratar da ponderação entre esses dois princípios, que “o principio da segurança teria maior valor que o princípio da dignidade humana, e falsamente todas as normas infraconstitucionais deveriam ser pautadas observando o princípio da segurança e não o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Há de se observar, contudo, a questão, intensamente, afirmada no ambiente acadêmico como uma premissa do direito, que é a adequação e individualização de cada caso concreto. Desse modo, sopesar princípios não significa colocá-los em uma escala de hierarquia.  O confronto entre princípios é um fato recorrente no ordenamento jurídico brasileiro a esse respeito sustenta Robert Alexy

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. (2008, pág. 93).

Utilizando o princípio da proporcionalidade para analisar a revista íntima, que causa o conflito em questão, deve-se olha-la sob a ótica da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Pela máxima da adequação, é avaliado se a meda adotada está conforme aos fins previstos na lei, se é apropriada ao alcance dos objetivos dispostos no mandamento normativo. A máxima da necessidade exige que a providência eleita, dentre aquelas aptas à consecução dos objetivos pretendidos, desponte como a menos onerosa à coletividade, que traga a menor carga de restrição aos direitos fundamentais dos cidadãos. [...] A máxima da ponderação o proporcionalidade em sentido estrito exige uma relação de justa medida entre os valores restringidos e os efetivados pela medida limitadora. Quanto maior a limitação ao direito dos cidadãos, maior deverá ser a efetivação do direito resguardado. (CRISTÓVAM, 2006, p. 31)

Neste sentido, observa-se que embora uma decisão tomada seja adequada e necessária, há, ainda, de se fazer uma justa medida da mesma quanto aos danos causados aos cidadãos pelo restringimento. Sendo assim, a revista íntima, adotada nos presídios brasileiros, pode ser adequada, uma vez que, através dela, pode-se atingir a finalidade da segurança pública. Todavia, quando se analisa a revista íntima sob o aspecto da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, verifica-se um forte impacto no direito fundamental à dignidade humana, sendo demasiadamente onerosa.

Nota-se que a preferência pelo uso da revista íntima está, então, baseada numa falsa impressão de garantia do direito à segurança, uma vez que o Estado não imprime eficiência na garantia da segurança e, ainda, infringe a dignidade humana das pessoas que deveriam estar fora da sua atuação punitiva. “Garantir a segurança é, de fato, garantir o exercício das demais liberdades”. (CRETELLA apud DUTRA, 2008, p.100)

o princípio da segurança (art. 5° CF), longe de representar o real sentido de um direito fundamental, muitas vezes é confundido com o dever do Estado de preservar a ordem pública (art. 144 CF) e, desta forma, apresentar-se como um dos direitos que mais violam as garantias constitucionais e legitima a violência institucional exercida pelo Poder Punitivo.(DUTRA, 2008, p.100)

De todo modo, no que concerne às visitas, do entendimento de Anderson Pereira Sanchez (2010) depreende-se que seria irresponsabilidade com os próprios visitantes liberar a entrada sem revista íntima e aplicação de procedimentos que conferissem segurança e evitassem a entrada de material irregular ou ilegal. Nesse sentido, o ideal seria que o sistema prisional dispusesse de outros meios para realizar essa segurança, ou ainda, de equipamentos sofisticados, tendo em vista, a tecnologia que se tem disponível a seu favor. Disto posto, tem-se que,

“O uso de ferramentas tecnológicas, serviço de inteligência eficiente e efetivo e outros mecanismos como o de cães farejadores seriam itens que podem contribuir com o fim da revista íntima ao evitar e desencorajar a entrada de material irregular por visitantes” (SANCHEZ, 2010).

O que se observa é um desrespeito aos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, da pessoalidade e individualização da pena, ou seja,

“a questão da segurança ainda prevalece em detrimento dos direitos individuais dos cidadãos que têm amigos ou parentes presos. Algumas normas que regem o Sistema Penitenciário autorizam a revista íntima e com o pretexto da (in) segurança descumpre-se o princípio básico da pessoalidade da sanção penal instituído pela Constituição Federal” (SANCHEZ, 2010). 

Ainda que se afirmasse a necessidade da revista íntima pensando a garantia da segurança a partir da supremacia do interesse coletivo, portanto, devendo-se sacrificar direitos individuais, pode-se vislumbrar que esse argumento, recorrente no direito penal, “é uma manipulação discursiva que faz um maniqueísmo grosseiro (senão interesseiro) para legitimar e pretender justificar o abuso de poder” (LOPES JR. 2008, pág.10,11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado se baseia no direito a segurança pública para legitimar a utilização da revista íntima nos presídios. Todavia, como visto, tecnicamente, não deveria ser empregado tal meio, visto que afeta de forma contundente o direito à dignidade humana. Ainda pela aplicação do princípio da proporcionalidade, visando sopesar os valores desses dois princípios, mostrou-se que os valores atingidos pela manutenção da revista íntima são mais onerosos à sociedade.

A dignidade humana é princípio base de um Estado democrático de direito, cujas garantias oferecidas à sociedade que o compõe devem ser, intrinsecamente, humanitárias e não totalitárias, como mostra-se a revista íntima. Fere ainda as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das quais o Brasil é signatário.

De outro modo, mesmo para um acusado se garante o direito de não produzir provas contra si mesmo e o ônus da prova para a acusação, como se poderia, a partir das regras do direito, obrigar um visitante, que tecnicamente está fora do poder punitivo, a passar por situações vexatórias para provar que não irá cometer um ilícito. Deste modo, pode-se concluir que o uso da revista íntima não tem fundamentação no direito constitucional, como proliferam, mas fundamentos políticos.

Essas manobras feitas pelo Estado para contornar direitos fundamentais confere à sociedade, ao invés de segurança pública, uma carga de insegurança jurídica-política, e, ainda, mostra-se desconforme ao ordenamento jurídico como um todo, confiando uma carga de poder, perigosa, ao Estado e às pessoas que o representam.

Assim, a revista íntima realizada nos presídios configura um abuso do poder punitivo estatal, que deveria ser visto como última ratio e jamais estendido aos familiares do apenado. Essa falsa legitimidade, ainda, impede que se busquem outros meios que não estendam os danos da penalização aos familiares dos presos. 

REFERÊNCIAS

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[1]Paper apresentado à disciplina de Criminologia, como requisito para obtenção de nota, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Acadêmicas do 2º período do Curso de Direito.