A REVISTA ÍNTIMA REALIZADA EM FAMILIARES DE PRESOS: A PENA QUE PASSA DOS PRESOS PARA OS FAMILIARES¹

 

RESUMO

Este trabalho trata da problemática de como a pena dos presos, pode passar para seus familiares, no momento da revista íntima realizada nestes. Para abordar esse tema, discorreremos desde o surgimento das primeiras prisões e os métodos utilizados para a realização da referida revista, para que logo após se dê enfoque à de que maneira pode-se assegurar a garantia dos direitos fundamentais aos familiares dos presos no momento da revista íntima. Assim, analisaremos algumas alternativas para promover o fim da revista íntima, ou uma humanização da mesma a fim de não ferir a dignidade da pessoa humana dos familiares dos detentos.

INTRODUÇÃO

Primeiramente discorreremos sobre o surgimento das penitenciárias, onde surgiram os primeiros presídios no mundo e no Brasil, quais eram as penas, os motivos pelos quais os indivíduos eram detidos, etc. Trataremos, também, do funcionamento, da organização e do método de controle dentro das penitenciárias de atualmente, levando-se em consideração a Teoria de Adestramento do Corpo e Docilização do Corpo, presente na Obra de Michel Foucault, “Vigiar e Punir”, que será bastante necessário para entendermos os fundamentos do Sistema Prisional. Neste trabalho analisaremos a revista íntima como importante fator de controle

1 Paper apresentado à disciplina de Antropologia, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

2 Alunas do segundo período, do Curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco-UNDB.

dentro das prisões, analisando como ela se dá, quais são os métodos utilizados por ela para manter uma maior segurança prisional, quais seus limites e restrições e de que forma tal revista íntima fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo então, considerada uma verdadeira pena que se estende dos presidiários aos familiares dos mesmos.

     Será discorrido sobre a exceção ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana nos casos de revista íntima, na qual, o controle prisional passa a ser mais importante que o respeito à este princípio essencial, sendo, portanto, esta Resolução nº 09/06 considerada inconstitucional, o que pode ser causa conflitos entre diferentes grupos de pessoas por existirem alguma que pregam que a dignidade humana de uma pessoa é muito mais importante do que a segurança prisional.

     Por fim, serão estudadas e sugeridas novas propostas de controle prisional, de forma que os que precisam se submeter a isto, principalmente os familiares dos presos, não fiquem à mercê de métodos vexatórios ou degradantes, de forma a manter sua integridade física e moral, respeitando ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana de cada indivíduo, tão importante e necessário dentro de nossa Carta Magna. E para que isso ocorra é necessária que seja realizada uma maior humanização na revista íntima.

     Portanto, dessa forma, os familiares dos detentos não precisarão “pagar”, mesmo que de maneira indireta, pela pena do mesmo. É importante ressaltar que o trabalho presente não busca somente analisar e buscar novas soluções ao sistema de controle prisional, mas também, levantar novos questionamentos e problemáticas necessárias para os pesquisadores e estudiosos deste âmbito, de forma a afirmar cada vez mais o Direito instrumento de justiça social.

1 PRISÕES: SUA ORIGEM NO MUNDO E NO BRASIL

     A noção de prisão no mundo é bastante antiga, ela vem desde a Antiguidade, no período compreendido entre 1700 a.C a 1280 a.C., onde existiam os cativeiros, local em que os egípcios aprisionavam seus escravos.

     No entanto, tanto na antiguidade quanto na Idade Média, para aprisionar um indivíduo, não havia a existência de um local específico, visto que o cárcere do indivíduo era visto somente como um local de custódia para mantê-los até a hora que seriam submetidos a castigos corporais ou à pena de morte, garantindo assim, o cumprimento das punições.

     Esses castigos físicos, na visão de Michel Foucault (2009) em sua obra “Vigiar e Punir”, eram os suplícios, que no século XVIII, era tido como forma de punição aos condenados, uma pena corporal dolorosa baseada na proporcionalidade entre a quantidade de sofrimento e a gravidade do crime cometido

     Esse tipo de punição, por meio de castigos físicos, cessou mais em várias partes do mundo com a humanização das penas que se deu com a Revolução Francesa, em 1789. O cárcere nos moldes usados até os dias atuais tem origem no Direito Canônico, ou seja, está relacionado à penitência para se redimir dos pecados, como os monges que se isolam para meditarem e se arrependerem de suas más ações.

            A primeira penitenciária do mundo foi surgir somente na Idade Moderna, uma prisão que realmente seguia um sistema penitenciário, que possuía penas pré-estabelecidas e foi a penitenciária House of Correction, ou “Casa de Correção”, construída em Londres em 1552. Depois da House of Correction várias outras penitenciárias surgiram pelo mundo, acabando com a custódia do preso, mas não com seu castigo.

     Aqui no Brasil, a primeira menção à prisão, surgiu no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o seu período como colônia e tal código decretava a Colônia como presídio de degredados, pessoas que cometiam certos delitos, como: falsificação de documentos, invasão de domicílio, os alcoviteiros, contrabando de metais preciosos etc. Contudo a primeira prisão brasileira de fato, foi mencionada na Carta Régia de 1769 que mandou ser feita a instalação, no Rio de Janeiro, de uma Casa de Correção.

         Atualmente, no que diz respeito ao funcionamento e organização dentro das penitenciárias, faz-se muito útil a já referida obra de Foucault (2009), para explicar como se dão esses processos, onde Foucault (2009) afirma que “é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.” (FOUCAULT, 2009, p. 118). Em vista disto, fica claro que os presidiários são submetidos a este métodos para uma maior segurança prisional, pois, docilizados, estarão mais suscetíveis a obedecer às ordens, fazendo do presidiário um recluso

1.1 REVISTA ÍNTIMA: COMO SE DÁ SEU MÉTODO DE CONTROLE DE SEGURANÇA DENTRO DAS PRISÕES

     Para que uma penitenciária funcione de maneira a manter a segurança da população de determinada cidade e segurança pros detentos também, faz-se necessário que ela siga vários métodos e procedimentos para o controle da segurança dentro dela. A rotina no sistema penitenciário é essencial para que o trabalho possa se desenvolver de forma eficaz. Dentre os métodos de controle de segurança dentro do sistema prisional, existe a revista íntima.

A revista íntima é um procedimento realizado por agentes prisionais aos visitantes de presos (amigos, familiares, conhecidos), que visa uma maior segurança prisional, para evitar que tais visitantes entrem com drogas, ou armas, ou qualquer outro utensílio armazenado em seu corpo, para entregar ao detento e causar transtornos na ordem.

Tal revista íntima vem sofrendo muitas críticas, principalmente por parte daqueles que são submetidos a ela. São estes submetidos a situações que segundo análise de alguns depoimentos, são constrangedoras. Violando princípios constitucionais, como o da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Igualdade e outros dispositivos como o que trata sobre a proibição de qualquer indivíduo de ser submetido a tratamento desumano ou degradante. O método da revista íntima, como afirma Dutra (2009, p. 99) se dá de determinada forma:

Na sala da revista, entra uma pessoa por vez, exceto as mães com as crianças. O visitante, diante do agente do mesmo sexo, entra e tira a roupa, que é vistoriada. Logo após, o agente penitenciário fala para a pessoa se agachar nua, três vezes sobre o espelho. Solicita-se também que o visitante abra a boca, coloque a língua para cima e sacuda os cabelos. Não há contato físico entre o agente e o visitante.

Ainda no âmbito da revista íntima, algumas autoridades prisionais não visam o tratamento igualitário, chegando inclusive à discriminação, já que determinados agentes realizam a revista mais rigorosa dependendo do julgamento de aparência de cada pessoa. Uma das pessoas entrevistadas na referida obra, chega a ressaltar que na teoria o procedimento parece ser fácil, mas que na prática o nervosismo é intenso.

Percebe-se também a forte presença da Teoria Conflitiva, que defende o interesse daqueles que detém o poder, prevalece de fato sobre aqueles economicamente desfavorecidos, levando a um tratamento desigual entre ricos e pobres devido a um desequilíbrio de riquezas. Logo, a revista íntima como método de segurança prisional, pode até ser eficaz e impedir a entrada ou saída de objetos ou substâncias ilícitas dentro da penitenciária, porém, outras alternativas de segurança poderiam substituir a revista, alternativas essas mais humanizadas, posto que a revista íntima submete o indivíduo à situações desconfortáveis e humilhantes e em algumas vezes à situações discriminatórias. Essas possíveis alternativas de humanização da revista íntima serão tratadas no capítulo 3 do presente trabalho.

2 A REVISTA ÍNTIMA COMO PENA QUE SE ESTENDE DOS PRESOS AOS FAMILIARES

A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 5º, XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, ou seja: a pena tem caráter pessoal e intransmissível. Sendo assim, não existe possibilidade, em acordo com nossa Constituição, que uma pessoa cumpra determinada sanção penal no lugar de outrem. Celso Delmanto (2002) afirma que essa possibilidade não existe, pois, a pena tem a função de ressocializar, não só de recompensa ou prevenção de certas condutas ilícitas.

Nas palavras de Cesare Beccaria (2005, p.139) “[...] para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser [...] proporcional aos delitos e ditada pelas leis”, ou seja: para que haja justiça em determinada pena, há necessidade de que esta punição tenha como objetivo a reeducação do detento para sua futura ressocialização, sendo que, no caso da revista íntima, não há delito praticado pelos visitantes que a esta submetem-se, o que há, na verdade, é um adiantamento do provável crime que venham a cometer.

De acordo com Mariath (2008), se a punição que fora imposta ao preso é intransferível, não podendo atingir aqueles que estão ali para visita-lo, que delito fora cometido por estas mulheres, crianças e adolescentes, para que se presuma que estes tragam consigo produtos, substâncias, ou objetos proibidos? É certo que os familiares de presos padecem com estas providências ditas “preventivas”, já que trata-os como genuínos corpos duvidosos de conduzir e proceder matérias proibidas ao presídio, medidas que tacham as subjetividades destas pessoas.

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