A REVELAÇÃO JUDEU-CRISTÃ - Geraldo Barboza de Carvalho
Introdução
Nada conhecemos diretamente de Deus, senão o que Ele nos revela na criação, na história através de pessoas de fé, e, na plenitude dos tempos, por Jesus Cristo, o Envido do Pai com o poder de Deus Mãe. "Tu és o Deus que se esconde, Deus de Israel, Salvador". O Deus único de judeus e cristãos é oculto pra capacidade humana de conhecê-lo. Mas, "Deus é amor" e o amor não vive pra si, mas pra os outros. Por isto, é da sua natureza revelar-se, dar-se a conhecer. Não para exibir-se, mas pra ensinar o ser humano, sua imagem e semelhança, a praticar o direito e a justiça, que é a essência do amor. "As coisas escondidas pertencem ao nosso Deus; as reveladas nos pertencem e aos nossos filhos pra sempre, pra que as pratiquemos. Todos serão ensinados por Deus. Quem escuta o ensinamento do Pai e aprende dele vem a mim. Todos me conhecerão, pois perdoarei sua culpa". Deus revela-se primeiramente pelas obras da criação. A revelação escrita relata eventos históricos marcantes e não valem sem eles. Ela traz no seu bojo critérios éticos de santificação para quem crê. "Dei-vos o exemplo, pra que façais como eu fiz. Amai-vos uns os outros como eu e o Pai vos amamos. Eis a prova que Ele nos ama: deu-nos o Filho único quando ainda éramos seus inimigos". Quem crê na Palavra, a pratica. Inútil é a fé que não "opera no amor fraterno. Se alguém diz ter fé, mas não ama, que lhe aproveitará isto? Acaso a fé poderá salvá-lo? Se um irmão, irmã não tiver o que comer,...e alguém lhe disser: ?Ide em paz, saciai-vos, aquecei-vos?, e não lhe der o necessário pra se manter, que proveito terá sua fé? Pois a fé, se não tiver obras, estará morta em seu isolamento. Mostra-me tua fé sem obras; mostrar-te-ei minha fé pelas obras". O amor fraterno é a assinatura da fé, assim como as obras de Deus testemunham seu amor por nós.
A revelação judeu-cristão está focada em dois acontecimentos históricos: o Êxodo e a Encarnação/Ressurreição de Jesus. "Por nós e pela nossa salvação, o Filho eterno de Deus se fez homem no ventre de Maria, viveu conosco, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto, sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, vive eternamente á direita do Pai a interceder dia e noite pelos irmãos pecadores, e com o Pai envia Ruah aos corações dos que crêem. Se Jesus não ressuscitou é vã nossa fé". Depois da ressurreição, que ratifica a encarnação de Jesus, surgem as comunidades de fé, cuja experiência do Ressuscitado deu origem à revelação escrita neotestamentária: Evangelhos e demais escritos. De igual modo, o Êxodo uniu o povo judeu que, a partir da experiência de fé no Deus libertador, iniciou a revelação escrita veterotestamentária. O AT e NT não são, pois, revelação direta da Palavra e valores éticos, mas o relato da experiência de fé das comunidades judaica e cristã no Salvador. Da fé no Salvador histórico decorre a fé no Criador universal: O Deus que dá vida ao que está morto cria todas as coisas do nada.
A revelação escrita tem alcance antropológico inédito, pois enseja mudança de costumes segundo critérios éticos revelados, configurados no direito e na justiça, cuja preferência são os órfãos, viúvas e forasteiros (hapirus, hebreus). Quem aderir a eles terá de viver de modo a espelhar a santidade do Deus ético: "Sede santos, porque vosso Deus é santo, ético". O Deus ético se revela de 4 maneiras: (1) na criação intratrinitária e pela criação extratrinitária; (2) pelos sinais do Criador na sua imagem e semelhança; (3) pela palavra inspirada de pessoas da fé; (4) na Palavra encarnada, Jesus Cristo Is 45,15; 1 Jo,4,16; Dt 29,28; 30 11-14; Gl 6,5; Tg 2,14-20; Is 6,9; Mt 11,25; 1 Pd 3,15; 2 Pd 1,20-21; 2 Tm 3,16; Rm 16,25-261; Ef 3,9; Jo 1,3; 6,45; Jr 31,34; Cl 1,16; Lv 21,8; 1 Cor 15,17.

(1) A criação revela Deus: O amor é por si criador, tanto na Trindade imanente como na Trindade histórica. "Antes da criação do mundo, o Pai nos escolheu no
Filho para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor e nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, revelando-nos o mistério da sua vontade. E quando chegou a plenitude do tempo, enviou seu Filho, nascido de mulher, pra recebermos a adoção filial. Desde já somos filhos, pois o Espírito filial foi derramado em nossos corações, pra chamarmos de Abá, Pai amado, o Pai de Jesus". Revelação luminosa, que nos faz clamar com Mãe Maria: "Minha
alma louva Javé, porque exaltou a minha pequenez". Unida aos filhos de Deus, a criação inteira canta: "Vós, todas as obras do Senhor, bendizei o Senhor, louvai-o e exaltai-o para sempre. Os céus cantam a glória e o firmamento proclama a obra das mãos de Deus. Em espetáculo, o sol anuncia ao nascer: Quão admirável é a obra do Altíssimo?. O dia entrega esta mensagem ao outro dia e a noite a faz conhecer a outra noite. Não são termos, não há palavras, voz alguma que se ouça deles; por toda a terra sua linha aparece, até os confins da terra, sua linguagem". Na terra, flora e fauna harmoniosa e silenciosamente louvam o Autor da vida. As plantas fornecem às abelhas e insetos néctar das flores para se alimentarem e fazerem mel. Em troca, polinizam e fecundam as flores, que produzem frutos pra alimentar animais e humanos. Animais se alimentam de frutas e reflorestam espontaneamente as matas com as sementes que deixam cair ou transportam nas fezes. Cobras comem sapos e ratos, pássaros comem insetos. O ser humano, usando a liberdade com sensatez, usufrui da criação com sabedoria, conserva-a, produzindo civilização e cultura, e adora o Criador de todas as coisas. Assim, cada criatura, capacitada a agir conforme sua natureza, mantém o equilíbrio ecológico e louva o Autor da vida. E desta forma, a voz silenciosa e maviosa da criação proclama a existência do Criador, dizendo aos humanos: "O que se pode conhecer de Deus lhes é manifesto: Ele o revelou. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, seu eterno poder e divindade, são visíveis para a inteligência em suas obras; eles são, pois, inescusáveis, visto que, conhecendo o Criador, não lhe renderam glória e ação de graças a Ele devidas; ao contrário, extraviaram-se em seus vãos raciocínios e seu coração insensato se tornou presa das trevas; pretendendo-se sábios, se tornaram néscios; trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens que representam o homem corruptível, pássaros, quadrúpedes, répteis. Pois, são fúteis todos aqueles seres humanos, nos quais se instalou o desconhecimento de Deus: a partir dos bens visíveis, foram incapazes de conhecer Aquele que é, assim como não reconheceram o Autor, considerando suas obras. Tomaram, porém, como deuses o fogo, o sopro, o ar veloz, a água impetuosa, os luzeiros do céu ou o ciclo dos astros regulando o curso do mundo. Se, encantados por sua beleza, os consideram como deuses, saibam quanto o Autor dessas coisas lhes é superior, pois as criou Aquele que está na origem da beleza. Se estão admirados com seu poder e sua eficácia, compreendam a partir dessas realidades, quanto é mais poderoso Aquele que as fez. Pois a grandeza e a beleza das criaturas por analogia levam a contemplar seu Autor. Porém, estes homens merecem menor repreensão: talvez se extraviem apenas na sua maneira de procurar Deus e o querer encontrar. Mergulhados em suas obras, perscrutam e cedem à aparência, pois é belo o espetáculo do mundo! Todavia, até esses não são desculpáveis por isso. Se tornaram-se tão sábios, a ponto de poder conjeturar o curso eterno das coisas, como não descobriram mais cedo seu Autor"? Após 30 anos resistindo aos acenos de Deus, Agostinho de Hipona, o maior teólogo cristão, se extasia ante o esplendor do SS Trindade: "Beleza eterna, quão tarde te conheci". Saulo, perseguidor de Jesus, conquistado por ele, rende-se à sabedoria da cruz que "sábio algum do mundo conheceu: ó abismo da riqueza, sabedoria e ciência de Deus! Insondáveis são teus juízos, impenetráveis são teus caminhos! Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem é o seu conselheiro? O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração humano não intuiu, Deus o revelou àqueles que o amam" Ef 1,4-5; Gl 4,4, Lc 1, 46; Dn 3,57; Sl 18 (19),1-5; 92 (93),3; Eclo 43,2; Rm 1,19-20; Sb 13,1-9; 1Cor 2,8-8; Rm 11,33-34.

(2) O ser humano revela Deus: Se a criação inteira revela vestígios, o homem e a mulher são sinais da presença de Deus. "Deus disse: façamos o homem à nossa
imagem, segundo a nossa semelhança. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou; criou-os macho e fêmea. O Senhor Deus modelou o
homem com o pó do solo, insuflou nas suas narinas o hálito da vida e ele tornou-se um ser vivo. E Javé Deus disse: Não é bom pra o homem ficar sozinho. Quero fazer-lhe uma ajuda que lhe seja adequada. O Senhor Deus modelou do solo todo animal dos campos e todo pássaro do céu, que levou ao homem pra ver como os designaria. Tudo aquilo que o homem designou tinha o nome de ser vivo. O homem designou pelo seu nome todo gado, todo pássaro do céu e todo animal dos campos, mas para si mesmo ele não encontrou a ajuda que lhe fosse adequada. Javé Deus fez cair um torpor no homem, que adormeceu; tomou uma de suas costelas e voltou a fechar a carne no lugar dela. Javé Deus transformou a costela que tirara do homem numa mulher e a levou ao homem, que exclamou: Eis, desta vez, o osso dos meus ossos e a carne da minha carne. Ela se chamará humana, pois do homem foi tirada. Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe pra ligar-se à sua mulher, e se tornam uma só carne".
A imagem revela o Original: se ela é inteligente, criativa e livre, a forciori o Original. A imagem reflete a essência do Original, ao qual se assemelha. Sendo
semelhante ao Original, a imagem ostentará traços característicos semelhantes a ele: espelhará, revelará, dirá algo sobre ele, exibirá conduta símile ao Original. Deus é a Origem de todas as coisas, invisíveis e visíveis. O ser humano, imagem e semelhança, as outras criaturas, vestígios do Original. O Criador é o modelo da perfeição a ser buscada por sua imagem. Esta será tanto mais perfeita quanto mais se assemelha a Deus. "Sede santos, porque Javé vosso Deus é santo. Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso". O ser humano é imperfeito e chamados a imitar a perfeição do Original: ?sede santos como? significa ?sede semelhantes a?: revelai em atos e palavras a santidade de Deus, cujas marcas ele pôs no vosso DNA. "Já vos despojastes do homem velho, da sua maneira de agir e vos revestistes do homem novo que se renova segundo a imagem do Criador".
Jesus é a Imagem visível de Deus: "Eu, o Pai e Ruah somos um. Quem me vê, vê o Pai e Ruah". Eles são modelo da bondade. Por isto, tudo que criam é bom. Na criação temporal, cada ser que saía das mãos do Criador: "Ele via que era bom". Quando criou Adão e Eva à sua imagem e semelhança, da argila da terra, e entregou-lhes o governo e usufruto das outras criaturas,"Deus viu tudo que
tinha feito e era muito bom". É a bondade ontológica das criaturas. Todas elas, livres ou não, são boas em si, pelo simples fato que são. A bondade das criaturas revela a bondade do Criador. Não há maldade nas coisas enquanto são. Nem há maldade no exercício das funções próprias de cada ser, da forma como o Criador quis que cada espécie funcionasse. Não há maldade numa cobra que engole um rato; no homem que usa as criaturas para se alimentar e organizar a vida junto com os outros. Ora, o ser humano criado bom, foi dotado por Deus de liberdade de escolha, poder de decisão sobre sua vida e o usufruto das criaturas. Podendo decidir sobre seus atos, cada ser humano é autor de cada um deles e responsável pelas suas conseqüências. Mas aí começa o paradoxo: cada um quer ter direito de decidir livremente sua vida, mas poucos assumem responsabilidade pelo que dizem e fazem, empurrando os deveres para outros. Eis a origem da injustiça e
do mal no mundo, seguidos dos conflitos de vida e morte entre as pessoas. Quer dizer: cada ser humano, no exercício da liberdade, pode revelar o bem ou o mal na terra, conforme assuma ou não seus deveres, responda ou não por seus atos e suas conseqüências. Trata-se da bondade ou maldade ética. "Deus fez o homem reto, mas ele procura complicações sem conta". O ser humano é bom e capaz de produzir ações boas segundo sua natureza de imagem e semelhança de Deus. Mas, por ter livre arbítrio, pode decidir contrariamente à bondade do seu ser e os valores éticos, e não revelar a bondade de Deus em sua conduta. Por causa da
liberdade, o homem e a mulher são os únicos seres da criação terrena que não agem sempre conforme sua natureza, não revelam em palavras e atos o mistério do Criador; os únicos a ter conflito entre bondade ontológica e a bondade ética: em vez de praticarem atos conforme sua natureza boa, agem ao arrepio dela e praticam a maldade. O ser humano, bom ontologicamente, pode se tornar bom
ou mau eticamente, conforme use a liberdade para o bem ou o mal. Isto é: ele será moralmente bom à medida que permanecer fiel à bondade do seu ser; será moralmente mau, se for infiel à sua bondade ontológica. Demais, o ser humano será moralmente bom à medida que respeitar a ordem natural das criaturas cujo cuidado Deus lhe confiou. Se respeitar os direitos dos semelhantes e a criação, sendo livre e responsável, e será eticamente bom e revelará o Criador; sem isto, será eticamente mau e não revelará seu Deus. A poluição causada por decisões e ações livres egoístas prejudicam o bem-estar social, equilíbrio ecológico. Daí, a ecologia não é só a ciência natural do meio-ambiente, mas uma sabedoria ética, que cuida das relações de respeito entre as pessoas, que evitam a poluição ética e ambiental. A ecologia é um capítulo da ética. O mal entra no mundo pelo abuso da liberdade em relação aos direitos das criaturas: liberdade irresponsável. "Até quando se lamentará a terra e secará a erva do campo? Por causa da maldade dos seus habitantes perecem os animais e pássaros. Pois dizem: Deus não vê. A terra se lamentará por isso, desfalecerão seus habitantes, desaparecerão os animais selvagens, as aves do céu, até os peixes do mar". E os consumistas cretinos inda acham que nada têm a ver com isto!!!

(3) A revelação escrita
Os eventos salvíficos fontais geradores da fé judeu-cristã são vividos, falados e celebrados nas comunidades, que os interpretam por muitas gerações, criando as tradições orais. Na continuidade, as tradições orais se tornam palavra escrita
sobre os eventos salvíficos. É assim que nasce a revelação escrita ou a Escritura
Sagrada. Nestes termos, a Palavra de Deus é a expressão da fé de um povo nos eventos fontais histórico-salvíficos. Eles inspiram a fé do povo, que os traduzem em testemunho e palavras escritas, pra instrução das gerações futuras. A Bíblia é isto. "Profecia alguma da Escritura resulta de interpretação pessoal, jamais veio por vontade humana. Mas, impelidos pelo Espírito Santo, homens de fé falaram da parte de Deus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil pra instruir, refutar, corrigir, educar na justiça, pra que o homem de Deus seja qualificado para toda boa obra. Tudo que foi escrito outrora, o foi para instrução nossa, para que, pela perseverança e consolação propiciadas pela Escritura, tenhamos a esperança". Do Gênese ao Apocalipse, a Bíblia Sagrada é expressão da fé do povo judeu e cristão, testemunhada em conduta ética. Para os islâmicos, o Alcorão é palavra ditada por Alá ao Profeta Maomé, sem mediação histórica e deve ser cumprida ao pé da letra. Mas a revelação judeu-cristã se dá na história, mediada pela fé de pessoas éticas, justas. Só o Filho de Deus conhece pessoalmente o mistério Deus porque vive na intimidade da Família Divina. Sua Pessoa e palavra testemunham
do que viu e ouviu do Pai e de Deus Mãe. Por isto, Jesus é a revelação plena de Deus. Mas a revelação escrita é Palavra de Deus expressa em palavras humanas de pessoas de fé. Ela dá critérios éticos de ação a quem a acolhe na fé. Mas Deus só se revela a quem se dispõe a ouvir e praticar a Palavra. "Os auto-suficientes,
ele os ensurdece e cega, pra que, ouvindo, não ouçam, vendo, não vejam". Jesus louva o Pai por revelar seus segredos aos obedientes na fé (que escuta e pratica a Palavra): "Louvo-te, Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos doutores e sábios, as revelaste aos que crêem. Assim te agradou, Pai". Deus se oculta dos que não acolhem nem praticam sua Palavra, mas próximo dos que a acolhem e praticam. "A palavra que hoje te ordeno não é excessiva para ti nem está fora do teu alcance. Não está no céu para que digas: Quem subirá ao céu pra trazê-la a nós, pra que a possamos ouvir e praticar? Não está no além-mar para dizeres: Quem atravessaria o mar para trazê-la a nós, pra que a possamos ouvir e praticar? Sim, a Palavra está muito perto de ti: na tua boca, no teu coração e tu a podes praticar". Os mistérios de Deus serão revelados a quem ouve e pratica a Palavra do Enviado do Pai, Jesus Cristo, "no qual habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" 2 Pd 20,21; 2Tm 3,16; Mt 11,25-26; 13,13; Cl 2,9.

(4) O Verbo encarnado é a revelação plena de Deus Trino
A revelação plena não é, pois, a Escritura, mas Palavra encarnada. "O Verbo
se fez carne e habita conosco; vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, antes da criação do mundo, cheio de graça e verdade". O que é a glória? A glória é o resplendor do ser. Cada ser resplende pelas obras que lhe são próprias. O esplendor da flor são suas cores e perfume. O esplendor do ser humano são suas obras geradoras de vida. "Vós sois a luz do mundo. Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, dêem glória
ao vosso Pai celeste". Jesus é a glória de Deus brilhando no mundo: O grande se fez pequeno, o poderoso se fez servo, o Autor da vida dá sua vida a quem está morto. A glória de Deus é seu rebaixamento (kénosis) por amor aos inimigos. Ela brilha na encarnação, onde o Autor da vida se faz célula genital fecundada, passa pelo processo de gestação e é parido 9 meses depois como um ser humano "em tudo igual a nós". A glória de Deus revela todo o seu resplendor no alto da cruz, quando o Filho de Deus, humilhado, torturado, massacrado, entregue pelo Pai à maldade dos que ele salvou, exangue, exclama: "Tenho sede" e não deram-lhe água, deram-lhe vinagre. "Jesus tomou o vinagre e disse: ?Está consumado?: a humilhação do Criador pela criatura chegou ao limite. "Jesus deu grande grito:
Pai, em tuas mãos entrego meu espírito. E, inclinando a cabeça, exalou o último sopro de vida pelos maus e ingratos". A glória de Deus se revela quando o Filho, "tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os com extremo amor". A kenosis do Filho existe desde a vida intratrinitária e é simbolizada pelo Cordeiro
imolado, "conhecido antes da criação do mundo e revelado no fim dos tempos por causa de vós". Por isto, os que viveram pela fé antes de Cristo foram salvos pelo Cordeiro imolado de toda eternidade. Na encarnação, o Cordeiro Divino se revela em corpo humano e testemunha fielmente o que viu e ouviu pessoalmente junto do Pai e Deus Mãe, no diálogo intratrinitário. "Deus, depois de ter falado outrora, por muitas vezes e de muitos modos, aos pais pelos profetas, no fim dos tempos, falou-nos pelo Filho, a quem estabeleceu herdeiro de tudo, pelo Qual criou os mundos: ele é o resplendor da sua glória, expressão do seu ser; sustenta o universo com o poder da sua palavra. Ninguém conhece o Filho senão o Pai, ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem ele o quiser revelar. Já não vos chamo servos, mas amigos, porque vos dei a conhecer tudo que ouvi do meu Pai. O que falo, falo-o como o Pai me disse. Não falo por mim mesmo, mas o Pai que me enviou prescreve-me o que dizer e falar. Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas no Pai que me enviou. Alguém jamais viu o Pai e Ruah: o Filho único, que vive na intimidade da Família Divina, deu-o a conhecer. Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não podeis agora suportar. Quando Ruah vier, ela vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará, pois receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo que o Pai tem é meu. Por isto vos disse: Ela receberá do que é meu e vos anunciará" Jo 1,14.18; 12,44.49-50; 13,1; 16,12-15; 19,28-30; Lc 23,46; Hb 1,1-3; Mt 5,14-16; 11,27; Fl 2,2-6; Hb 4,15.
O Filho, a Palavra eterna de Deus, é, pois, a revelação plena. O mistério de Deus foi plenamente revelado, não na Palavra escrita, mas na Palavra encarnada, ápice da revelação judeu-cristã. Ela tornou-se palpável no corpo de Jesus Cristo. Por isto, ele é o centro da revelação judeu-cristã. A Escritura supõe a revelação do Verbo "no Qual está corporalmente presente toda a plenitude da Divindade. Ele é a revelação do mistério de Deus envolto em silêncio desde séculos eternos, mas revelado agora e dado a conhecer a todos os povos pelos escritos proféticos e desígnio do Pai, pra levá-los à obediência da fé". Obediência não é submissão cega, mas escuta atenta e inteligente da à Palavra, pra avaliar sua credibilidade e "prestar razão da sua fé". A fé é acolhida livre e amorosa da Palavra encarnada, antes que escuta da Palavra escrita. Não faz sentido crer na Escrita sem crer na Palavra encarnada. "Aos que a acolhem, ela dá o poder de se tornarem filhos de Deus". A fé é no Pai, no Filho e Deus Mãe. A credibilidade da Palavra escrita se ancora na credibilidade da Palavra encarnada. É em Jesus que nós cremos.
O testemunho, as palavras e os atos de Jesus visam os pecadores, por vontade do Pai. Tudo que ele faz pelos pecadores o Pai faz também. Por isto, a revelação em atos convence mais que a revelação verbal. A mais estonteante revelação de Jesus, confirmada por sua prática, e que causou insanável conflito com a religião da Lei, foi: "Os fariseus perguntaram aos discípulos: Por que come vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Ele respondeu: Não são os sadios que precisam de médico, mas os doentes. Ide e aprendei o que significa: misericórdia é o que quero, não sacrifício. Não vim buscar os justos, mas os pecadores. Vim buscar e salvar os perdidos. Chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, pois o sou. Mas, estou entre vós como quem serve. Se eu lavei vossos pés, lavai-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu fiz, o façais também vós. O que vi o Pai fazer por vós, eu o faço também" Mt 9,10-13; Lc 15,32; Jo 13,15.

Conclusão
Não é pouco o que Deus revelou de Si: o suficiente pra despertar nossa fé e
converter-nos ao convívio íntimo com a Família Divina e a prática do amor
fraterno. Desde o tempo de Adão e Eva o ser humano não valoriza a Palavra e se desvia do caminho. Por isto, Isaías diz que o povo se perde por insensatez, falta de conhecimento e prática da Palavra. "Meu povo não ouve minha voz, Israel não me quer obedecer. O jumento conhece seu dono, mas Israel não conhece seu
Deus. Por falta de conhecimento meu povo se perde. Por isso, os abandonei à dureza de seus corações". Quando o povo se recusa a ouvir sua voz, Deus faz a vontade caprichosa do povo e ainda o empurra para o abismo, diz o Salmista. Com isto, corre todos riscos, pois ao rejeitar a aliança, também rejeita a proteção e a ternura do Pai. Deus não força seus filhos a amá-lo, mas os deixa livres de crer ou não nele. Se aderimos à sua palavra, ele "atenderá os desejos do nosso coração. Ele não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva ". O Pai não está preocupado com nossos pecados, mas que nos arrependamos e nos convertamos ao direito e à justiça. Eis a revelação jubilosa: O Pai e Jesus amam os pecadores com prioridade: há urgência de salvá-los. "Há mais alegria no céu por um só pecador que se converte, que por 99 justos que precisam converter-se". A justiça humana é a vingança; a de Deus é misericórdia. "Abandone o ímpio seu mau proceder e volte a Javé que ama perdoar, não sente prazer com a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Eu vim pra todos tenham vida e a tenham em abundância" Sl 36 (37); Lc 15; Ez 18,23; Jo 10,10