A RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS SÓCIOS PELAS DÍVIDAS SOCIAIS E O ARTIGO 1.003 DO CÓDIGO CIVIL

Por LUIZ GONZAGA MODESTO DE PAULA

INTRODUÇÃO

A questão da responsabilização pessoal dos sócios pelo pagamento da inadimplência da sociedade empresarial já foi objeto de centenas de estudos doutrinários, de diversas manifestações jurisprudenciais, além de disposições legais, se não obscuras, conflitivas.

O presente estudo pretende organizar o pensamento e propor a discussão de alterações legislativas necessárias para o perfeito enquadramento das diversas hipóteses fáticas que, à evidência, como demonstraremos, não podem receber o mesmo tratamento jurídico.

Atualmente o tratamento dado pela legislação às hipóteses mais diversas da atuação do indivíduo na gestão da sociedade empresarial da qual é sócio conduz à situações de extrema injustiça.

A FICÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Todos sabem que a pessoa jurídica é uma ficção. Ficção absolutamente necessária para o funcionamento da sociedade. Desde a concepção do Estado, como pessoa jurídica de direito público, detentora dos direitos de soberania sobre determinado território, até a concepção da denominada sociedade em comum (irregular ou de fato) pelo artigos 986/990 do Código Civil, devemos acreditar na existência de uma personalidade diversa das personalidades que a criaram. Como diz COELHO (2011, 27): “A pessoa jurídica não preexiste ao direito; é apenas uma ideia, conhecida dos advogados, juízes e demais membros da comunidade jurídica, que auxilia a composição de interesses e a solução de conflitos.”

Essa ficção jurídica, tão importante para a definição dos personagens que são submetidos ao sistema jurídico de um determinado Estado, é causa de toda a confusão legislativa, doutrinária e jurisprudencial, na medida que também sabemos que a pessoa jurídica só age através de seus sócios, administradores ou prepostos.

E a questão principal é se saber quando essa ação pode ser creditada à pessoa jurídica, como consecução de seu objetivo social; ou creditada ao agente real, com todas as consequências advindas dessa determinação.

O art. 50 do Código Civil, bem como o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 135 do Código Tributário Nacional traçam o regime jurídico da responsabilização pessoal do sócios, denominado de “desconsideração da personalidade jurídica”, pelo qual, em regra geral, o sócio ou o administrador por ser responsabilizado pessoalmente quando a sua ação, mesmo em nome da sociedade, for contrária à lei ou ao estatuto social.

A PERSONALIZAÇÃO

Como consequência da personalização desse ente abstrato, os seus criadores, em princípio, não respondem pelos seus próprios atos quando praticados em nome da sociedade. Isto está escrito em nosso direito positivo: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem o direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.” (art. 596 do C.P.C.). No mesmo sentido o artigo 1.024 do Código Civil: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.” É o chamado “benefício de ordem”. Essa regra deve se compatibilizar com a previsão dos mencionados arts. 50 do Código Civil, artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Assim, constitui regra geral do nosso sistema jurídico, que os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão quando a ação predatória tiver sido realizada contra disposições legais ou disposições contratuais ou estatutárias.

A personalização compreende, pois, a autonomia patrimonial, a titularidade obrigacional e a titularidade processual. (COELHO, ob. cit. vol. II. 32). A pessoa jurídica tem patrimônio próprio, que não se confunde com o patrimônio de seus criadores, sócios ou administradores. É capaz de celebrar contratos. E tem capacidade jurídica para postular em nome próprio.

A REGRA DA IRRESPONSABILIDADE

A justificativa para a positivação da irresponsabilidade dos sócios de sociedade empresária tem seus fundamentos fincados na história. Se levantarmos a origem das sociedades empresarias e a sua evolução no tempo, verificaremos que as primeiras sociedades em nome coletivo, as ora extintas sociedades de capital e indústria e as sociedades em comandita já não atendiam aos reclamos da ordem econômica, pois expunham o patrimônio dos empresários e investidores na atividade mercantil, afastando-os dessa atividade. Houve a necessidade de se flexibilizar a já existente sociedade anônima, permitindo a sua criação sem autorização governamental, sem um número imenso de sócios e sem limites mínimos de capital social. Isso não bastava. Houve a necessidade de se criar um tipo societário mais popular que permitisse aos investidores e empresários uma atividade que não colocasse em risco o seu patrimônio pessoal aos azares da atividade empresarial. Criou-se a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, e a partir de então, erigiu-se em regra jurídica a irresponsabilidade dos sócios pelos negócios sociais, exceto nos casos de ação contrária à lei e aos ditames do contrato ou estatuto social.

 

O CONCEITO DE DIREITO-CUSTO

A mudança do paradigma, de um sistema de absoluta segurança para terceiros que se relacionassem com as pessoas jurídicas empresarias, para um sistema de absoluta irresponsabilidade dos sócios e seus administradores, obrigou a doutrina a pensar em outras formas de combate a essa irresponsabilidade e seus efeitos. Nasceu, primeiramente, uma ordem jurídica de defesa do consumidor, que era a primeira vítima da irresponsabilidade.

Isto não bastava. “Toda atividade econômica insere-se necessariamente num contexto social, e, assim, gera custos não apenas para o empresário que a explora, mas, em diferentes graus, também para a sociedade.”, já dizia COELHO (ob. cit. 33). Os custos da atividade econômica repercutindo na sociedade chamou ele de “externalidades”. “Externalidade é todo efeito (negativo ou positivo) que uma pessoa produz sobre a atividade econômica, a renda ou o bem-estar de outra, sem compensar os prejuízos que causa nem ser compensada pelos benefícios que traz.” (idem, idem).

Nesse passo, COELHO diz ser necessário se distinguir entre as externalidades relevantes e as irrelevantes e a criação de mecanismos para a compensação da externalidades relevantes. É o chamado tratamento econômico do direito, onde se leva em conta as normas jurídicas que oneram ou desoneram o custo da atividade empresarial. Seu estudo mais aprofundado não cabe nos limites deste trabalho, mas serve de norte para suas conclusões.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

O critério legal da irresponsabilidade, nessa visão econômica do direito, começa a sofrer com a necessidade sociológica de proteção e defesa das vítimas dessa ação predatória dos sócios e administradores de sociedades empresarias albergados na interpretação literal dos dispositivos protetivos.

Criou-se, através das regras do direito do consumidor a noção de responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços, pelo qual ele vai responder pelo prejuízo independentemente de apuração de culpa. Em outras palavras, causado o prejuízo compete a ele reparar os danos sofridos. A diferença primordial entre essas formas de enquadramento da responsabilidade reside, como diz COELHO (ob.cit., 41) na natureza lícita ou ilícita do comportamento do agente. Se a ação foi lícita, sua responsabilidade é objetiva. Se a sua ação tiver sido ilícita, sua responsabilidade é subjetiva, e a ilicitude deve ser apurada, como pressuposto da responsabilização.

Essa mudança de critério, e a definição legal do hipossuficiente na relação comercial (o consumidor), faz com que devamos pensar na criação de outras classes de pessoas, que não consumidores, mas que merecem, até mais, normas protetivas de sua hipossuficiência.

Antes disso, convém destacar a diferença entre sócio e administrador da sociedade empresária, para servir de apoio às nossas conclusões.

DIFERENÇAS ENTRE SÓCIO E ADMINISTRADOR

A regra geral de responsabilização dos administradores, nas sociedades limitadas, está inserida no artigo 1.080 do Código Civil, que determina: ”As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. [1]

Não vamos tratar aqui das responsabilidades dos sócios não administradores que, pela regra geral do artigo 1.001 do Código Civil, as suas obrigações começam, imediatamente, com a celebração do contrato social e só terminam, quando liquidada a sociedade e se extinguirem as responsabilidades sociais. Essas obrigações do sócio não administrador se resumem à integralização do capital social subscrito.

Rubens Requião nos ensina que: “Em se tratando de sociedade limitada, a responsabilidade do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não integralizado. Ela desaparece tão logo se integralize o capital.” [2]

Também João Eunápio Borges: “Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as cotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum cotista, como tal, poderá ser compelido a fazer qualquer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclusivamente (como na anônima) sobre o patrimônio social.” [3]

Trataremos da possibilidade de responsabilização dos administradores por atos de gestão e que terão, por consequência, a sua responsabilização pessoal perante a sociedade e desta para com os terceiros prejudicados.

Desde 1919, com a criação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada no Brasil, pelo Decreto n˚. 3.708, o legislador havia adotado as regras expostas nos artigos 10 e 16 desse decreto e que determinavam, respectivamente:

Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.

e,

Art. 16. As deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais deliberações contra os preceitos contratuais ou legais.

Assim, antes da edição do novo Código Civil, a responsabilidade dos sócios e dos administradores das sociedades por quotas de responsabilidade limitada era caracterizada pela absoluta isenção no que tange à prática dos atos normais de gestão e a absoluta responsabilização (ilimitada) pela prática de atos contrários às leis e ao contrato social.

Não mudou quase nada do regime jurídico anterior para o novo regime jurídico estabelecido pelo novo Código Civil, mas devemos fazer, pelo menos, três considerações prévias, das quais nem a doutrina e muito menos a jurisprudência nacional, até hoje, deu conta.

A primeira se refere à natureza jurídica da figura do administrador: ele é mandatário, ele é representante, ou ele é presentante da sociedade, como quer Pontes de Miranda [4] .

A segunda diz respeito ao alcance da denominada teoria do “ultra vires” (doctrine ultra vires societatis), que no escólio de Carvalho de Mendonça [5] era, assim, reproduzida: “O sócio gerente que emprega a firma social em transações estranhas ao objeto da sociedade, declarado no respectivo contrato, não obriga a sociedade nem os outros sócios, salvo se estes deram o seu consentimento.”

E a terceira consideração diz respeito à possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (disregard of legal entity), agora adotada para todo o nosso direito privado, em face do que determina o artigo 50 do Código Civil, e artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, dentre outros.

A NATUREZA JURÍDICA DO ADMINISTRADOR

 

Quanto ao primeiro aspecto a ser analisado na busca pelo esclarecimento da responsabilidade dos administradores por atos de gestão, nos inclinamos a adotar a denominada Teoria da Separação, que surgiu na Europa e já é adotada pelas legislações da Alemanha (BGB § 164 e seguintes), Portugal de 1966 (artigo 258 e seguintes), Itália em 1942 (artigos 1.387 e seguintes), e pelo fato de ter o nosso Código Civil disciplinado a representação em capítulo específico (artigos 115 a 120 do Código Civil).

Por essa teoria, o mandato e a representação são institutos diferentes, o que explicaria melhor a distinção entre os institutos da gestão de negócio, a tutela e a manifestação da vontade da pessoa jurídica.

No nosso direito a representação está moldada, nos artigos 115 a 120 do Código Civil, da seguinte forma:

“Artigo 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

Artigo 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado.

Artigo 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos.

Artigo 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

Artigo 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.

Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo.

Artigo 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código.”

Quando a lei fala que a manifestação de vontade pelo representante só produz efeito para o representado quando exercida dentro dos seus limites (artigo 116), e que o representante é obrigado a provar para as pessoas a sua qualidade e a extensão de seus poderes (artigo 118), e que é anulável o ato concluído em conflito de interesses com o representado (artigo 119), ou admitimos o retorno da teoria do ultra vires, ou, como diz Pontes de Miranda somos obrigados a dizer que o administrador não exerce a representação da sociedade, mas a sua presentação. Isto faz com que, adotada a teoria da separação, reconheçamos o administrador da sociedade como seu mandatário e a relação jurídica que se estabelece entre ele e a sociedade, no que tange ao exercício dos atos de gestão, é a do mandato.

Fica cristalina essa relação entre mandante (a pessoa jurídica) e o mandatário (o administrador) quando cuidamos da nomeação de administrador por ato separado como se vê das disposições do caput do art. 1.060 e artigo 1.062 do Código Civil. A nomeação do administrador pelo contrato social não poderia, por óbvio, ter outra natureza jurídica.

O administrador é, portanto, em que pesem as opiniões contrárias, mandatário da sociedade, e a relação jurídica que se estabelece entre ele e a sociedade é a de mandato.

A TEORIA ULTRA VIRES

 

O exame da aplicabilidade da teoria do ultra vires é a segunda dificuldade para a exata compreensão dos limites da responsabilidade do administrador, principalmente em face do que afirmam os artigos 47 e 1.080 do Código Civil:

Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

e

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

Pela redação desses dispositivos legais, numa interpretação literal, podemos afirmar que o direito brasileiro retrocedeu para privilegiar a denominada teoria ultra vires societatis que já havia sido abandonada pela legislação, pela doutrina e principalmente pela nossa jurisprudência.

Nos estreitos limites deste trabalho, vamos lembrar que essa teoria nasceu no direito anglo-saxão e que teve grande aplicação pelos tribunais norte-americanos do século XIX, prevalecendo a ideia de que a sociedade não responde pelos atos cometidos por seus administradores, exercidos fora dos limites impostos pelo contrato social e especialmente pela estrita execução do seu objeto social.

Os atos praticados pelos administradores que não decorressem da realização do objeto social e que causassem prejuízos para terceiros só poderiam ser opostos contra o administrador que praticou o ato, exonerando a sociedade de qualquer responsabilidade.

O abrandamento na aplicação dessa teoria fez, mais tarde, que os tribunais americanos passassem a reconhecer a responsabilidade das sociedades nos casos em que a atividade do administrador fosse “razoavelmente relacionada com o objeto social” [6]

Aplicava-se, então, a denominada teoria da aparência, prevista no artigo 935 do Código Civil revogado, mas cuja redação é a mesma do artigo 309 do atual Código Civil, e que determina:

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor.

A doutrina [7] e a jurisprudência [8] abrandaram a aplicação da teoria ultra vires reconhecendo a necessidade de se averiguar a existência de terceiros de boa-fé cujo prejuízo nasceu de um ato praticado pelo administrador da sociedade, com a aparência de ter sido legal e dentro dos limites do mandato.

Como disse Celso Barbi [9] : “a sociedade só não responderá quando puder provar a má-fé de quem pretende responsabilizá-la”.

Entretanto, o novo Código Civil, através da redação dos citados artigos 47 e 1.080 trouxe de volta, com todo o vigor a teoria ultra vires, e tal entendimento se reforça quando lemos o que dispõe o artigo 1.015 do Código Civil:

Artigo 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Traduzindo a redação estranha do artigo 1.015 do Código Civil, podemos reconhecer que a sociedade só não responderá solidariamente pelos atos de seus administradores perante terceiros quando:

a) a limitação de poderes for de conhecimento público;

b) se conseguir provar que o terceiro prejudicado sabia da restrição; ou,

c) se a operação era estranha ao seu objeto social.

Interessante é o Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil da Comissão de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado nº 219: - Está positivada a teoria “ultra vires” no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas:

(a) o ato “ultra vires” não produz efeito apenas em relação à sociedade;

(b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo;

(c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria “ultra vires”, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade;

(d) não se aplica o artigo 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (artigo 158, II, Lei n. 6.404/76).

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

A última consideração que devemos fazer é quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para se atingir o patrimônio dos sócios, ou mais especificamente, do administrador, prevista no artigo 50 do Código Civil, e, que, a nosso ver, deve ser feita com extrema cautela e com a estrita observância do devido processo legal (due process of law), sob pena de resvalarmos para a mais absoluta arbitrariedade contra o Estado de Direito.

Dispõe o artigo 50 do Código Civil que: “ Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Como salienta Fabio Ulhôa Coelho, a desconsideração da personalidade jurídica, aplicada pelos juízes sob o manto do disposto no artigo 50 do Código Civil, não implica a revogação das normas atinentes à responsabilidade limitada dos sócios, nesse tipo societário, mas apenas para desconsiderá-la para determinados e precisos efeitos da ação do administrador: “A aplicação da teoria da desconsideração não implica na anulação ou o desfazimento do ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a sua ineficácia episódica.” [10]

Resumindo a teoria da responsabilidade dos administradores, e tendo em vista que o artigo 1.052 do Código Civil, taxativamente, determina que a responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada, é restrita ao valor de suas quotas, determinam os artigos 1.024 do Código Civil e o artigo 596 do Código de Processo Civil que:

Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

e

Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

Os artigos 1.024 do Código Civil e o artigo 596 do Código de Processo Civil consagram a teoria da personalização da sociedade cujo patrimônio é distinto do patrimônio dos sócios que a compõem, e que só poderá ser atingido se presentes as hipóteses legais constantes da dicção do artigo 50 do Código Civil (acima reproduzido); do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n˚. 8078, de 1990):

Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

e do inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional (Lei Federal n˚. 5.172/66):

Artigo 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

É importante se observar que a responsabilidade pessoal dos sócios ou dos administradores das sociedades limitadas pelas dívidas da sociedade, ou mesmo pelas dívidas e obrigações por eles contraídas em desacordo com a lei ou com os ditames do contrato social, para com seus fornecedores, consumidores ou para com o Fisco, como preconizado pelos artigos 50 do Código Civil, artigo 28 do Código de Consumidor e inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional, respectivamente, devem obedecer ao benefício de ordem estabelecido nos artigos 1.024 do Código Civil e artigo 596 do Código de Processo Civil.

Primeiro, respondem os bens da sociedade, e na falta destes, os bens particulares dos sócios e dos administradores. Quando demandados para o pagamento da dívida, podem exigir que primeiro sejam executados os bens da sociedade, e somente na falta destes é que o seu patrimônio pessoal responderá pelo pagamento.

Esse, em resumo, é o desenho legal da responsabilização pessoal dos sócios e administradores pelos prejuízos causados para terceiros pelas ações por eles praticadas em nome da pessoa jurídica.

O LIMITE TEMPORAL DA RESPONSABILIDADE

 

Além dessas observações, cumpre, para completar o quadro, analisarmos o limite temporal da responsabilidade dos sócios e administradores estabelecido pelo arts. 1.003 do Código Civil:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

A jurisprudência cível acompanha, “in totun”, a letra da lei:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE COMERCIAL POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. RETIRADA DOS SÓCIOS. AVERBAÇÃO DA ALTERAÇÃO IMPREGNADA NO CONTRATO SOCIAL JUNTO À JUNTA COMERCIAL. APERFEIÇOAMENTO DA MODIFICAÇÃO. OBRIGAÇÕES SOCIAIS DOS RETIRANTES. TERMO LEGAL. EXIGÊNCIA APÓS O IMPLEMENTO DO LAPSO LEGALMENTE ASSINALADO. IMPOSSIBILIDADE. DESOBRIGAÇÃO. INTERESSE DE AGIR EVIDENTE. 1. (...)

2. Às sociedades por cotas de responsabilidade limitada, de conformidade com o apregoado pelo legislador, são aplicadas, ante as omissões da normatização que lhes é específica, os dispositivos aplicáveis às sociedades simples, determinando que, em não contando com disciplinação própria quanto à responsabilidade dos sócios que deixaram o quadro social, sujeitem-se aos regramentos destinados a esta espécie de sociedade (CC, art. 1.053).

3. Retirando-se o sócio do quadro social da sociedade comercial e promovido o registro da alteração derivada da retirada junto ao órgão competente - Junta Comercial -, as obrigações sociais passíveis de lhe serem imputadas devem ser exigidas dentro do prazo de até 02 (dois) anos após o aperfeiçoamento da modificação contratual, e, implementado esse interregno, resta integralmente alforriado, independentemente da data em que a obrigação social se tornara exigível ou de quando se implementara seu fato gerador, devendo, se cobrado por dívidas sociais, ser absolvido da obrigação de solvê-las mediante a declaração da sua desobrigação (CC. arts. 1.003 e 1.032).

4. Recurso conhecido e improvido.

TJDF. Unânime. 20050110514327APC, Relator TEÓFILO CAETANO, 2ª Turma Cível, julgado em 02/05/2007, DJ 10/07/2007 p. 109)

e

"CIVIL E COMERCIAL. SOCIEDADE EMPRESARIAL. ALTERAÇÃO

CONTRATUAL. RETIRADA DOS SÓCIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. HAVERES DE SÓCIO EXCLUÍDO RECONHECIDO JUDICIALMENTE.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONDENAÇÃO. PROCEDÊNCIA.

01. Decretada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, os bens particulares dos sócios respondem pelos débitos da sociedade.

02. Na forma dos artigos 1497 do Código Civil de 1916, artigo 1.032 e o parágrafo único do artigo 1.003 todos do Código Civil, o sócio que cede a sua participação na sociedade e dela se retira, responde solidariamente com o cessionário, durante dois anos, pelas obrigações contraídas durante a sua administração.

03. O embargante de terceiro que alega fato constitutivo de seu direito, a impedir a penhora de valores em sua conta bancária, assume o ônus da prova da origem dos depósitos, na forma do inciso I do artigo 333, do Código de Processo Civil.

04. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.

TJDF. 20070111122457APC, Relator JOÃO BATISTA TEIXEIRA, 4ª Turma Cível, julgado em 22/04/2009, DJ 04/05/2009 p. 168).

 

O disposto no parágrafo único do artigo 1.003 do Código Civil, tomado em sua expressão literal, como se viu nos julgados, dá a sensação de que concretiza o mandamento maior e pressuposto da criação da sociedade por quotas, que é a responsabilidade limitada dos sócios, como destacado antes. Porém essa regra conduz, inexoravelmente, ao endosso legal da fraude aos credores da sociedade existentes à época da retirada. Imaginemos que uma sociedade empresária é demandada em juízo para a reparação de danos causadas a um terceiro, e dada quase certeza de sua condenação, os sócios, confiantes na morosidade do poder judiciário, promovem a sua saída dessa sociedade transferindo as quotas sociais para o porteiro ou a faxineira de plantão. Antes da decisão final do processo, decorridos os dois anos previstos no artigo citado, estão eles imunes à responsabilização.

A interpretação deve ser sistemática com o desenho de fraude a credor contida no inciso II do artigo 593 do Código de Processo Civil, ou mesmo das disposições dos arts. 158 e seguintes do Código Civil, que tratam da matéria:

Art. 593 - Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

.......................................................................

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

..............

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívidas, se o praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

A norma contida no parágrafo único do artigo 1.003 do Código Civil, vista sob a ótica de uma interpretação sistemática com as regras que condenam a fraude a credores e com as regras que tratam da prescrição, apontam no sentido de que existe a responsabilidade aos sócios, pelos atos praticados enquanto faziam parte do quadro societário da empresa, por um período de até 02 anos após seu desligamento. Essa regra deve ser entendida no sentido de ser o sócio retirante responsável por todos os atos por ele praticados, e os praticados pelo cessionário em até dois anos após a sua retirada. Se assim não for, o direito estaria privilegiando a fraude, pois absolveria todos os sócios retirantes por todas as dívidas e obrigações decorrentes de seus atos ilícitos, face ao mero decurso do prazo de dois anos da prática do ato, independentemente da existência ou não de ação judicial contra a sociedade ou contra ele próprio, o que é, manifestadamente, inconcebível.

O exercício do direito de recesso pelo sócio, por óbvio, não deve colocar em risco os credores da sociedade, ou os próprios sócios que continuam integrando seu quadro societário, por atos jurídicos ocorridos no período anterior à sua retirada ou até em dois anos após essa saída da sociedade. Os artigos 1.003, 1.057 e mesmo o artigo 1.032 do Código Civil de 2002, consagram o princípio da segurança jurídica, abordando de forma satisfatória a matéria. Os aludidos dispositivos contemplam a responsabilidade do sócio, ou seus herdeiros, pelas obrigações sociais anteriores à data de sua retirada, exclusão ou morte, obrigação esta que subsistirá, por todos os atos jurídicos praticados no período, até 2 anos após a exclusão. Como se observa, este dispositivo tem por objetivo evitar a utilização da pessoa jurídica como instrumento de fraude, conhecida no mercado pelo jargão de “alaranjamento” da sociedade. Ao estipular que a responsabilidade do sócio retirante para com as obrigações sociais poderá ser estendida às obrigações contraídas dentro do período de até dois anos após a data da retirada, pretendeu-se evitar surpresas para credores, como a alteração do quadro societário, para que terceiros desprovidos de condições financeiras sejam apresentados como “sucessores” dos sócios com os quais os credores contrataram ou sofreram suas ações danosas.

A interpretação da norma contida no parágrafo único ao artigo 1.003 do Código Civil não pode ser literal, mas de forma sistemática, principalmente tendo-se em vista o que dispõe o artigo 1.016 do mesmo Código Civil:

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. [11]

Nossa jurisprudência trabalhista é firme no sentido da interpretação sistemática do prazo prescricional previsto no artigo 1.033 do Código Civil, prestigiando o respeito ao direito dos credores que são prejudicados pela retirada de sócio de sociedade devedora. O critério por eles utilizado é o do período no qual o fato se deu. Se a despedida do empregado se deu ao tempo em que o sócio era administrador da sociedade, este será responsável, ilimitadamente, pela recomposição dos direitos do reclamante.

“O importante é que a relação contratual existente entre o reclamante e a empresa reclamada ocorreu em período no qual o agravante figurou como sócio. A sua responsabilidade patrimonial não deixou de existir em razão do ajuizamento da ação ter ocorrido após dois anos.

Ao contrário do que entendem os agravantes, o art. 1003 do Código Civil não limita a responsabilidade do sócio ao prazo de dois anos após a sua retirada da sociedade, não se tratando de prazo decadencial ou prescricional, até porque tal restrição contraria toda a sistemática estabelecida pelo Título IV do diploma legal citado, que criou diversos mecanismos para prestigiar o direito do credor.”

PROCESSO Nº TST-AIRR-1356-57.2011.5.15.0016

(8ª Turma)

Rel. MARIA LAURA FRANCO LIMA DE FARIA

Desembargadora Convocada Relatora

 

outro:

“Quanto aos sócios JOSÉ EDUARDO MACHADO BUENO e DANIEL JOSÉ DE CARVALHO, considerada a retirada do quadro societário ocorrida em 25.10.2006, não há que se falar em ausência de responsabilidade. Além do mais, durante a vigência do contrato de trabalho da obreira (19.4.2005 até 15.3.2006), os ex-sócios compunham o quadro societário da empresa executada, residindo aí a responsabilidade ilimitada quanto àqueles empregados que para eles laboraram enquanto figuraram no quadro societário.”

TST. 2ª. Turma PROCESSO Nº TST-AIRR-379900-94.2006.5.02.0089

Rel.MARIA DAS GRAÇAS SILVANY DOURADO LARANJEIRA

Desembargadora Convocada Relatora

O que se observa nesses julgados é o cuidado de compatibilizar a regra da responsabilidade dos sócios de sociedades limitadas com a responsabilidade pelos atos ilícitos praticados na sua gerência. Ou, em outras palavras compatibilizar a regra do parágrafo único ao artigo 1.003 com a regra da responsabilização dos sócios gerentes pelos atos ilícitos ou abusivos cometidos no exercício da gerência da pessoa jurídica, como se vê do disposto no artigo 1.016 do mesmo Código Civil.

A NECESSIDADE DE MUDANÇA

Como demonstramos, a questão da responsabilidade pessoal dos sócios pelas dívidas da pessoa jurídica está, no mínimo, mal colocada pelo nosso direito positivo. De fato, como vimos a interpretação literal das normas aplicáveis ao tema concretizam o princípio de irresponsabilidade dos sócios pelos negócios sociais, desde que não tenham agido contra a lei ou contra o contrato ou estatuto social, mas tais disposições permitem e albergam a prática usual de fraude aos credores.

Por isso, pretendemos oferecer subsídios para o melhor enquadramento da matéria, resguardando o fundamento da própria existência da sociedade limitada, mas criando condições para se evitar a fraude a credores, quer pela interpretação literal dos dispositivos, quer pelo decurso do prazo prescricional de dois anos após a retirada.

NOVOS CRITÉRIOS

Há a necessidade de se fazer a revolução copernicana proposta por Kant no estudo dessa matéria. A base para tanto nos foi fornecida por FABIO ULHÔA COELHO, no volume II do seu Curso de Direito Comercial, ao abordar o tema da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais (Ed. Saraiva, São Paulo, 15ª. ed. 2011, pag. 432). Diz ele que: “A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e serviços oferecidos ao mercado.”

Todavia, reconhece ele que os credores da sociedade empresária não são iguais para receberem tratamento único pela legislação vigente. De um lado temos os credores negociais, que podem se defender das vicissitudes do negócio, carregando o preço a ser pago pela sociedade compradora, de um acréscimo conhecido como “taxa de risco”. Se a operação não for paga, “a limitação da responsabilidade dos sócios não representa nenhuma lesão” aos seus interesses, pois o prejuízo já foi compensado indiretamente pelo acréscimo da “taxa de risco” ao preço do contrato.

Diferentemente destes credores, temos os credores não-negociais, que não têm a possibilidade jurídica de se precaverem da inadimplência da sociedade. São os credores tributários (fisco e previdência social), os empregados, os consumidores e os titulares de direitos indenizatórios.

A revolução copernicana no tratamento dessa matéria consiste na consideração de que a questão da responsabilidade dos sócios deve ser vista do ângulo dos credores e não mais apenas da visão positivada da defesa do princípio da irresponsabilidade dos sócios nesse tipo societário. A realidade dos fatos aponta no sentido de que os credores - por serem diferentes - devem receber um tratamento diferenciado na legislação. Isto não afronta o princípio da responsabilidade limitada, como veremos, mas apenas a confirma na medida em que vai reconhecer a existência de situações diferentes que merecem um tratamento jurídico diferenciado. Se o empresário souber, de antemão, que sua responsabilidade pessoal começa na prática de atos ilícitos: não pagar tributos devidos; não pagar direitos trabalhistas previstos em lei; deixar de recompor os danos que causou ao consumidor e responder pela recomposição de prejuízos causados a terceiros, certamente procurará pautar a sua conduta com mais responsabilidade.

Assim, a redação do art. 1.003 do Código Civil deveria ser acrescida da discriminação para os credores não negociais, com a mesma interpretação dada pelo judiciário trabalhista responsabilizando o agente pelos seus atos ilícitos, sem a possibilidade de se esconder na prescrição ali traçada.

CONCLUSÕES

Do exposto podemos tirar as seguintes conclusões:

a) a responsabilidade limitada dos sócios é princípio jurídico que deve ser respeitado, nos exatos termos da legislação de regência, especialmente o disposto no art. 596 do Código de Processo Civil: “Os bens dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos caos previstos em lei.”, e no art. 1024 do Código Civil: ”Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”;

b) a sociedade é uma ficção jurídica necessária ao funcionamento da economia, da vida em sociedade, e do próprio sistema jurídico, mas a imunidade dos sócios quanto à responsabilização do seu patrimônio pessoal, deve levar em consideração que todas as ações da pessoa jurídica são praticadas pelos administradores, no exercício da administração;

c) a prática da administração da sociedade impõe ao agente a prática de atos lícitos, pelos quais só a pessoa jurídica responde nos limites de suas forças (art. 1.052 do Código Civil), mas a prática de atos ilícitos atrai para o agente a responsabilização pessoal pela reparação dos danos causados;

d) o direito precisa tratar desigualmente os desiguais de acordo com as suas desigualdades [12] para concretizar o princípio constitucional da igualdade. Fabio Ulhôa Coelho demonstrou que os credores prejudicados pela responsabilidade limitada dos sócios são completamente diferentes. O credores negociais que têm a possibilidade de se resguardarem da inadimplência do empresário devedor; e os credores não negociais, que ficam sujeitos às falcatruas do empresário;

e) o parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil não pode ser aplicado às relações jurídicas do empresário com os seus credores não negociais, porque, como vimos, se transforma em instrumento de fraude. Qualquer ação judicial de cobrança contra a sociedade e que poderá resultar, à mingua de patrimônio social, na responsabilização pessoal dos sócios, com certeza leva mais de 2 (dois) anos para se resolver em definitivo e nada obsta que os sócios, cientes dessa possibilidade, transfiram, ficticiamente ou não, as suas quotas para “laranjas”, sem patrimônio para responder pelo pagamento ao final da ação;

f) antes da necessária alteração legislativa para discriminar os credores não negociais na redação do citado artigo 1.003 do Código Civil, cumpre incentivar a prática jurisprudencial trabalhista, que pacificou o entendimento de que os sócio não se imuniza de seus atos após dois anos de sua retirada, mas responde integralmente pelos atos que praticou na administração da sociedade.

BIBLIOGRAFIA

 

BARBI FILHO, Celso, Apontamentos sobre a teoria ultra vires no direito societário brasileiro, Revista Forense, São Paulo, v. 305, p. 22-28, 1990.

BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, 5ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1975, p. 321

CARVALHO, Lucila de Oliveira, Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria ultra vires, in www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf

COELHO, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 15a. edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011

MENDONÇA, J. X. Carvalho de: Tratado de direito comercial brasileiro. , 2ª edição,

Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933

MIRANDA, Pontes de: Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX, 3ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1984.

REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, vol. 1, p. 529

 

 

[1] - A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial a

pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta. Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF Enunciado nº 229:

[2] Requião, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, vol. 1, p. 529

[3] Borges, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, 5ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1975, p. 321

[4] Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX, 3ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1984.

[5] Carvalho de Mendonça, J.X., Tratado de direito comercial brasileiro. , 2ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1933

[6] Carvalho. Lucila de Oliveira, Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria ultra vires, in www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf

[7] Barbi Filho, Celso, Apontamentos sobre a teoria ultra vires no direito societário brasileiro, Revista Forense, São Paulo, v. 305, p. 22-28, 1990.

[8] Direito Civil. Pagamento. Teoria da Aparência. Código Civil, art. 935. Não incidência no caso. Recurso não conhecido.

I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessionária, especialmente quando reconhecidamente insolvente.

STJ 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 2584/ES – j. 17/12/1991 - DJ 24/02/1992, p. 1871; RT, n. 686, p. 190.

[9] vide nota 7

[10] Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 15a. edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 41.

 

[11] Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002)

Enunciado nº 59: - Os sócios gestores e os administradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 220: - É obrigatória a aplicação do art. 1016 do Código Civil de 2002, que regula a responsabilidade dos administradores, a todas as sociedades limitadas, mesmo àquelas cujo contrato social preveja a aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas.

[12] “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” Ruy Barbosa para paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco , em São Paulo. Intitulado Oração aos Moços , parodiando Aristóteles.