Mateus Cristian Costa Silva

Tema: responsabilidade penal por danos ambientais

Delimitação: A responsabilidade penal e as sanções para crimes cometidos por pessoa jurídica contra o meio ambiente.

1.INTRODUÇÃO

As gerações que surgiram até os anos 70, vivenciaram um período de grande riqueza ambiental, com experiências que conseguiam expor o que a natureza era capaz de oferecer. Até esse período as crianças costumavam brincar de subir em arvores, além de existir uma maior variedade de frutas e animais que faziam parte da vivência das pessoas, principalmente em locais nos interiores do estado e em áreas rurais.

Nos dias de hoje esse contato maior do homem com a natureza vem se extinguindo cada vez mais, por muitos fatores, alguns ate justificáveis como acesso ao mundo digital. No entanto, alguns motivos são preocupantes e requerem uma maior atenção tanto de sociedade como do ordenamento jurídico brasileiro, é o caso da devastação ambiental, causada pelo homem na maioria das vezes em nome de grandes empresas de variadas áreas. Por isso, com relação ao olhar jurídico sobre a devastação ambiental, surge uma questão instigante: é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica?

Se todos parassem pra pensar um pouco, nos seres humanos somos responsáveis por brutais mudanças na natureza, somos igualmente responsáveis por aqueles que dela dependem e que conosco partilham deste planeta. Existem conosco e não existiremos sem eles. É, portanto, necessário, proteger e tutelar o meio ambiente. Em virtude dessas transformações, torna-se importante o estudo da eficácia dos instrumentos constitucionais de tutela ao meio ambiente, principalmente os relacionados a responsabilidade penal ambiental à pessoa jurídica, e também a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio, o qual será feito com o auxílio da legislação pátria, bem como de dados doutrinários.

O objetivo principal deste trabalho é analisar a responsabilidade penal e as sanções dos crimes cometidos por pessoa jurídica contra o meio ambiente. Além disso, busca-se destacar os principais posicionamentos jurisprudenciais a respeito do tema, bem como identificar como é apresentada a vontade, a conduta e a culpabilidade da pessoa jurídica, e apresentar a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito publico

A preocupação com o meio ambiente vem se tornando cada vez maior à medida que se observa o aumento dos danos ambientais causados pela ação indiscriminada do homem, junto com a participação de alguns entes de personalidade jurídica. Com isso, a sociedade global passou a se conscientizar acerca da necessidade de desenvolvimento econômico e não apenas de crescimento, buscando um desenvolvimento sustentável, aliado a proteção ao meio ambiente, o que propiciou a elevação do meio ambiente à categoria de bem jurídico constitucionalmente tutelado, a criação dos crimes ambientais, e ainda a extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

O direito ao meio ambiente equilibrado, é considerado de terceira dimensão, é um patrimônio público, bem de uso comum do povo, que deve ser protegido para o uso coletivo, englobando além da natureza, outros dois aspectos, que são: o meio ambiente cultural composto pelo patrimônio histórico, arqueológico, paisagístico e turístico, ao qual se agrega especial valor e o meio ambiente artificial que consiste nas  transformações produzidas pelo homem no espaço físico em que vive.

Este artigo partirá de uma análise de obras que tratam sobre o tema, como por exemplo, a Constituição, que tipifica e elenca princípios que devem ser tomados como parâmetro de embasamento, podendo ser caracterizada como uma pesquisa bibliográfica. Também pode ser qualificado como uma pesquisa descritiva, haja vista que possui como objetivo a análise da responsabilidade penal e as sanções para crimes cometidos por pessoa jurídica contra o meio ambiente.

2. A RESPONSABILIDADE PENAL E AS SANÇÕES DOS CRIMES COMETIDOS POR PESSOA JURÍDICA CONTRA O MEIO AMBIENTE.

Com a constituição brasileira de 1988 o legislador agiu de forma inovadora, quando pela primeira vez incluiu a pessoa jurídica como um possível infrator de crime ambiental, como é apontado no artigo 225, parágrafo 3º[1] da mesma. Silvia Capelli expõe com clareza esse marco no ordenamento jurídico brasileiro:

Assim, dado que as Constituições Federais anteriores jamais previram tal hipótese, certo é convir que a Carta Magna vigente teve o intuito de inovar prevendo a possibilidade de que a legislação infraconstitucional venha a contemplar delitos ambientais perpetrados por pessoas jurídicas. Evidentemente que, respeitado o Princípio da Legalidade, não haverá nenhum óbice para que tal possa ocorrer, dada a hierarquia das normas.

 

Mas somente com a lei 9605/98, que trata sobre crimes ambientais foi que tema passou a ser tratado de forma expressa no nosso ordenamento. Com isso, introduziu-se no Direito Brasileiro, a nível infraconstitucional, a responsabilidade criminal da pessoa jurídica por prática de crimes ambientais, abordando-se expressamente esse tipo de responsabilidade penal, inclusive quanto às sanções aplicáveis.

Essa nova lei foi importante, pois tratava de um assunto muito abordado que ainda não tinha o amparo jurídico necessário. “Ela reconheceu a indispensabilidade de uma proteção penal clara e ordenada, coerente com a importância do bem jurídico e com o crescente clamor social de uma maior proteção do meio ambiente do qual fazemos parte” (CAVALCANTI. 2008).

A referida Lei 9.605/98 fixou inclusive o tipo de ação penal decorrente dos crimes ambientais, pública incondicionada, junto com o seu artigo 26 que expõe as sanções aplicáveis tanto para a pessoa física quanto para a pessoa jurídica. Para as pessoas jurídicas, existe maior destaque nas penas restritivas de direito, cuja aplicação, segundo Sidney Bittencourt, foi priorizada na Lei dos Crimes Ambientais (arts. 7º, do referido diploma) por ser mostrarem mais adequadas, posto que claramente têm o condão de substituir as penas privativas de liberdade.

A lei de crimes ambientais, em seu artigo 24, apresenta a possibilidade de extinção da pessoa jurídica, que é considerada uma das sanções mais graves. A possibilidade de encerramento, ocorre quando a empresa foi constituída ou utilizada para permitir, facilitar ou mesmo ocultar a pratica de crime definido na lei ambiental. Essa sanção merece destaque ainda, pelo fato de exigir a transferência de todo o patrimônio para o Fundo Penitenciário Nacional, a fim de impedir ou pelos menos dificultar a criação de nova pessoa jurídica para dar continuidade ao ato lesivo ao meio ambiente.

2.1 A RESPONSABILIDADE PENAL DE ACORDO COM O STF E O STJ

Em alguns países, e no Brasil, onde se adota o modelo de ordenamento jurídico romano-germânico, prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não poderá cometer crimes, pois tal imputação só pode ser considerada para pessoas naturais.

Ocorre que, tal entendimento restou-se superado, como visto, a partir da CF/88 e da lei 9605/98 de crimes ambientais, onde fora excepcionado em termos de crimes ambientais, embora parcela da doutrina não tenha seguido esse entendimento.

Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal, em HC 92.921 de 19/08/08, a fim de confirmar o previsto na Constituição, estabeleceu que “a responsabilidade da pessoa jurídica para ser aplicada, exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal, a exemplo da culpabilidade”. Dessa forma, passou-se a afirmar que o STF admite a responsabilidade da pessoa jurídica pelo cometimento de crimes ambientais.

Outro ponto que gerou discussão doutrinária sobre o assunto, foi quanto a dupla imputação da pessoa física e da pessoa jurídica.

Assim, o STF (RE 548.181, de 06/08/2013) e o STJ (RMS 39.173, de 06/08/2015) firmaram o entendimento de que o sistema da dupla imputação no crimes ambientais é facultativo, pois tanto a pessoa física quanto a jurídica podem ser denunciadas isoladamente, mas, a depender do caso, também poderá ser concomitantemente. Esse posicionamento foi tomado levando em conta, principalmente, o critério da legalidade, uma vez que tanto a CF/88 quanto a lei de crimes ambientais não impõe a dupla imputação.

É necessário registrar que, embora não seja aceito a teoria da dupla imputação em crime ambiental no Brasil, a pessoa jurídica apenas responderá pela pratica deste tipo de delito, no caso de ser determinado pelo representante legal ou contratual da empresa, do mesmo ter sido consumado no interesse ou benefício da entidade, como aponta o art. 3º da lei 9605/98.

3. A VONTADE, A CONDUTA E A CULPABILIDADE DA PESSOA JURIDICA

   Muitos dos argumentos contrários à responsabilização da pessoa jurídica partem desses dois elementos para negar a sua possibilidade sob a alegação de que o ser humano é o único capaz de realizar o núcleo do tipo penal com consciência e vontade, dirigindo-se à realização de certa finalidade. René Ariel Dotti defende a exclusividade humana na realização de uma conduta relevante no âmbito jurídico-penal, apontando uma série de conceituações de conduta, retiradas de obras de ilustres penalistas. Ainda segundo o referido autor, o entendimento de que somente o ser humano é capaz de realizar conduta se justifica pelo fato de que a atuação de modo voluntário lhe é exclusiva. No mesmo sentido, Cezár Roberto Bittencourt aponta que:

Enfim, sem estes dois elementos consciência e vontade exclusivos da pessoa natural, é impossível se falar, tecnicamente, em ação, que é o primeiro elemento estrutural do crime. A menos que se pretenda destruir o Direito Penal e partir, assumidamente, para a responsabilidade objetiva. Mas para isso – adoção da responsabilidade objetiva - não é preciso suprimir essa conquista histórica da civilização contemporânea, o Direito Penal como meio de controle social formalizado, na medida que existem tantos outros ramos do direito, com menores exigências garantistas e que podem ser muito mais eficazes e funcionais que o Direito Penal, dispondo de um arsenal de sanções avassaladoras da pessoa jurídica, algumas até extremistas, como, por exemplo, a decretação da extinção da corporação que, em outros termos, equivaleria à pena de morte da empresa, algo inadmissível no âmbito do Direito Penal da culpabilidade.

A culpabilidade é outro fator polêmico quando se fala na responsabilidade penal do ente coletivo. A definição do que seja culpabilidade sofreu várias alterações no decorrer da história do direito penal, por isso ele é considerado um tema amplo, e por ter passado por diversas teorias explicativas de seu conteúdo, dentre essas as principais são a teoria psicológica, a psicológico-normativa e a normativa pura. “A exposição dessa evolução teórica da culpabilidade demonstra o progressivo esvaziamento da característica psicológica desse elemento do crime acompanhado pelo incremento do aspecto normativo, sob o prisma da reprovabilidade do comportamento” (ALVES, 2009).

4. RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO

Quanto a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público, existem duas posições, a dos que são favoráveis a essa responsabilização e a dos que não são.

Existem autores que afirmam ter o legislador brasileiro adotado o modelo francês de responsabilização penal das pessoas jurídicas, que por consequência exclui a responsabilização do estado. No entanto, apesar da grande influência desse modelo sobre a legislação brasileira, esta não impede a responsabilização do ente coletivo expressamente, formando assim uma estrutura de responsabilização distinta e com maior amplitude comparada àquela.

Contra a possibilidade de responsabilização penal de ente público, existe a ideia de que a distinção de natureza entre as pessoas jurídicas de direito público e privado, é necessária. “Apesar de nem a Constituição Federal de 1988 e tampouco a Lei nº 9.605/98 restringirem essa responsabilização, acredita-se que as peculiaridades inerentes ao ente público não permitem que haja tratamento equânime entre estes e as pessoas de direito privado” (ALVES, 2009).

5. CONCLUSÃO

 Nos dias dia hoje o mundo dos negócios tem apresentado maneiras cada vez mais inovadoras que busquem o domínio do mercado, e o meio ambiente tem se revelado um parceiro importante para o sucesso mercantil, por isso, diversas empresas atuantes em diferentes ramos estão aderindo à onda ecológica. As empresas vêm buscando a contenção de despesas associada à consciência ambiental, com intuito de aproveitar o máximo possível de matéria prima que seria descartada, com isso o auxilia na diminuição de desperdícios, consequentemente, contribuindo com a natureza. Por isso, fica claro que a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica tem se mostrado um eficaz instrumento na proteção desse interesse coletivo.

Embora muito tenha se discutido a respeito da possibilidade da imputação das pessoas jurídicas, os tribunais superiores firmaram o posicionamento a respeito da sua possibilidade, no que tange a crimes ambientais. Mesmo a após essa pacificação jurisprudencial, questionou-se também a respeito da possibilidade de dupla imputação nesse tipo de crime e, mais uma vez, o STF e o STJ precisaram definir que esse sistema não seria necessário por falta de previsão legal.

Assim, percebe-se que assuntos relacionados a responsabilidade criminal da pessoa jurídica dependem, em muitos casos, de entendimento jurisprudencial, pois, embora o sistema legal seja amplo e aborde vários temas, ainda é possível observar lacunas que necessitam de amparo por outras fontes do direito.

 

 

REFERENCIA

ALVES, Rodrigo Ribeiro de Magalhaes. Responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. 2009

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Considerações penais sobre pessoa jurídica.

CAPPELLI, Sílvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em Matéria Ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, publicado na Revista de Direito Ambiental n. 1, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, jan/mar 96, pp.100/106.

CAVALCANTI, Batista Wilker. A responsabilidade penal ambiental e as sanções para a pessoa jurídica na lei n° 9.605/98 - breves considerações. 2008.

ARTIGO 225, §3º. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em HC 92.921 de 19/08/08.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em RE 548.181, de 06/08/2013.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em RMS 39.173, de 06/08/2015

 

 

[1] “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos”.