A Responsabilidade Penal Da Pessoa Jurídica E Sua Aplicabilidade No Direito Ambiental Brasileiro

Por Mauro Roberto Alves de Oliveira | 13/11/2006 | Direito

3.1 Critérios para Responsabilização da Pessoa Jurídica

Antes de iniciarmos uma análise mais profunda sobre a lei de crimes ambientais, vamos extrair da mesma os requisitos necessários para que o ente coletivo seja responsabilizado pela prática de crime ambiental. Isto fica bem claro no artigo 3º da referida lei, que expressa:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Em primeiro plano, observamos a necessidade de que o crime seja cometido por quem efetivamente representa a empresa, ou seja, por que está legitimado à representa-la. Tal representação, conforme o dispositivo, pode ser advinda de um mandamento legal, ou contratual, quando o representante ou órgão colegiado é escolhido por deliberação de seus sócios. Nas atribuições que lhe forem concedidas, tal representante é quem comanda as ações daquela empresa, com os poderes que lhes foram atribuídos.

Nota-se que no artigo o legislador não condicionou a espécie de crime, se culposo ou doloso, cometido. Portanto a Lei de Crimes Ambientais responsabiliza tanto o ente que age movido pela vontade e consciência de cometer o ilícito, como o que age culposamente, assim entendido por imprudência, imperícia ou negligência.

A lei 9.605/98 também em seu art.3º exige que o ente coletivo, ao cometer o crime ambiental, tenha agido no interesse ou benefício ao mesmo.

Portanto faz-se necessário a existência de um vínculo entre a ação e o objetivo a ser atingido. Uma vez alcançado, obtém a empresa o benefício, que seria a realização material do interesse.

 

 
3.2  Análise da  Lei 9.605/98

3.2.1 Das disposições gerais :

É inquestionável que a Lei de Crimes Ambientais trouxe um grande reforço no combate a algumas situações graves provocadas pelo desenvolvimento insustentável, como a desertificação de grandes regiões desmatadas para a expansão de empresas agrícolas; a transformação de rios importantes em esgoto industriais a céu aberto; as chuvas ácidas, resultantes da poluição do ar, causada pela emissão de gases das chaminés de grandes companhias. Estes constituem apenas alguns dos muitos casos que servem para dar uma noção do tamanho do problema, que enfrentávamos com uma legislação ambiental pretérita desconexa, imperfeita , formada por um imenso amontoado de leis esparsas contraditórias, desproporcionais, violadoras dos princípios constitucionais, constituindo fonte de insegurança jurídica. Para se ter uma idéia da concepção da lei ambiental brasileira anterior , transcrevemos o texto de Luiz Regis Prado:

As Leis Penais Ambientais, mormente no Brasil, são, em sua maioria, excessivamente prolixas, casuísticas, tecnicamente imperfeitas, quase sempre inspiradas por especialistas do setor afetado, leigos em Direito, ou quando muito de formação jurídica não específica, o que as torna de difícil aplicação, tortuosas e complexas, em total descompasso com os vetores ? técnico-científicos ? que regem o Direito Penal Moderno [34].

Mesmo assim, a atual legislação ambiental comporta várias controvérsias , principalmente no que diz respeito á responsabilização da pessoa jurídica, além de ser de uma lei "híbrida", que mistura conteúdos diferentes, abordando aspectos das áreas de direito penal, administrativo e direito internacional, não sendo suficientemente completa em nenhuma das áreas.

 O fato é que de um jeito ou de outro urgia a necessidade de uma nova lei que reforçasse o combate a novos tipos de delitos ambientais e a Lei 9.05/98 realmente conseguiu este feito pois além do mais uniformizou grande parte da legislação vigente a respeito da matéria.

3.2.2 Da responsabilidade objetiva

Ainda no capítulo I , das disposições gerais , a Lei 9.605/98 torna-se claro o instituto da co-autoria necessária , quando versa em ser art.2º

Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstas nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Como vimos anteriormente, o art.3º da lei 9.605/98 fixa a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica pelos danos que venha a causar ao meio ambiente, seja administrativa, civil ou penalmente.

Algumas críticas existem, no sentido de que esta responsabilidade ficasse apenas no âmbito criminal, pela própria natureza da lei. Mas o que realmente já é um grande avanço e que vem a ser o nosso objeto de estudo é a possibilidade que esta lei traz de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica.

3.2.3  Da desconsideração da personalidade jurídica

A lei ambiental traz em seu bojo a "disregard doctrine", ou a desconsideração da personalidade jurídica, utilizada para superar a personalidade jurídica das sociedades empresárias, preceituando em artigo 4º: Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Não comporta nenhuma dúvida este artigo na questão referente a sua interpretação, pois havendo dano ao meio ambiente, com conseqüente prejuízo, poderá o juiz desconsiderar a pessoa jurídica para atingir os culpados, fazendo-os ressarcir o prejuízo, quando a personalidade jurídica da sociedade for obstáculo para a recomposição do dano ou prejuízos.

O art. 4.º da LCA expressamente admite a desconsideração da personalidade jurídica sempre que ela for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do Meio Ambiente, conforme valor fixado na execução civil da sentença (art. 20 parágrafo único da LCA). Deve ser comprovada a fraude contra o credor e que a personalidade jurídica esteja sendo usada para salvaguardar os bens dos sócios. Provada a simulação, a disregard theory pode ser aplicada no caso de insuficiência do patrimônio da empresa, pois a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a da pessoa física, que da atividade da primeira tira proveito [35].

Ainda nesta esteira não se pode, também, interpretar a norma em tela em descompasso com os fundamentos da teoria maior. Quer dizer, na composição dos danos à qualidade do meio ambiente, a manipulação fraudulenta da autonomia patrimonial não poderá impedir a responsabilização de seus agentes. Se determinada sociedade empresária provocar sério dano ambiental, mas, para tentar escapar à responsabilidade, os seus controladores constituírem nova sociedade, com sede, recursos e pessoal diversos, na qual passem a concentrar seus esforços e investimentos, deixando a primeira minguar paulatinamente [...], será possível, por meio da desconsideração das autonomias patrimoniais, a execução do crédito ressarcitório no patrimônio das duas sociedades [36].

3.2.4 Das sanções aplicáveis

Uma vez cometida a infração, em tese deve ser aplicada a sanção correspondente ao crime tipificado e o agente se pessoa física ou jurídica . Conforme o artigo 21 da Lei de Crimes Ambientais, ás pessoas jurídicas pode-se aplicar as seguintes penas: multa (art. 18); restritiva de direitos (art. 22),e a Prestação de serviços à comunidade (art. 23).

Quanto à pena de multa, o legislador não fixou critérios claros para sua fixação contra as pessoas jurídicas, perdendo a oportunidade de equacionar uma regra própria, com base em dia do faturamento da empresa. Assim, a pessoa física e a pessoa jurídica pagarão a pena de multa da mesma maneira, ou seja, calculada com base no sistema de dias-multa, da forma estabelecida no Código Penal.

No que diz respeito ás restritivas de direito, estas são compatíveis com os entes coletivos uma vez que não se pode aplicar as restritivas de liberdade. A lei ambiental traz expressamente em seu artigo 22 :

As penas restritivas de direitos da pessoas jurídica são:

 I-suspensão parcial ou total de atividades;

II. interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III.proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

Quanto á prestação de serviços à comunidade, o legislador nesta parte, não agiu com rigor técnico, uma vez que, de acordo com o Código Penal, a prestação de serviços à comunidade é uma espécie da pena restritiva de direitos e não difere da aplicada ás pessoas físicas, conforme se observa no art.23 da referida lei: A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

O referido custeio de programas e projetos ambientais significa que o ente coletivo, caso condenado á esta pena, deverá pagar as despesas de algum projeto de proteção ao meio ambiente ou custos de programa da mesma espécie , devendo ainda o juiz indicar na sentença  , se possível ,qual o programa ou projeto a ser custeado.

No que diz respeito á execução de obras de recuperação de áreas degradadas , faz-se importante entender que a implantação de um programa de recuperação de uma área tem como objetivo minimizar ou eliminar os efeitos adversos decorrentes das intervenções e alterações ambientais inerentes ao processo construtivo e à operação do empreendimento, as quais são potencialmente geradoras de fenômenos indutores de impactos ambientais que manifestar-se-ão nas áreas de influência do empreendimento.

Ressalte-se que quando um determinado ente coletivo comete um crime ambiental, é condenado á uma pena, independente da obrigação de reparar aquele dano,. È que o Código Penal em seu artigo 91, inciso I, prevê a reparação dos danos causados pelo crime como efeito decorrente da própria condenação.

Nesta condenação também deverá ser determinado o local que será objeto de recuperação, ligado a um projeto executivo de recuperação ambiental.Uma vez concluída a obra e não restando mais nenhuma outra condenação, é extinta a punibilidade pelo cumprimento da pena.

Assim como nas demais, a sentença que condena á pena de manutenção e conservação de espaços públicos deve especificar qual o espaço, o tempo e os serviços a serem realizados pelos entes coletivos nos bens da administração, de uso comum do povo.

A pena de contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas é uma pena de caráter pecuniário, cabendo ainda a entrega ou permissão de uso de bens em benefício de entidades ambientais ou culturais. A exemplo das anteriores, a sentença que condena á esta pena, deverá especificar a entidade a ser beneficiada e a contribuição a ser prestada. No caso do valor a ser pago pelo ente coletivo, este também deverá ser informado do quantum e, sendo entrega de bens, deverá ser determinado, se possível, o bem, as condições de uso e o prazo de duração das obrigações.

Há ainda, como pena imposta para as pessoas jurídicas, a possibilidade de se impor uma verdadeira pena de morte ao ente coletivo, que é a liquidação forçada, conforme se extrai do artigo 24:

A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretado sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

3.2.5  Da ação e do processo penal

No Capítulo VI, que trata do meio ambiente, em seu artigo 225, § 1º, VII a Constituição Federal brasileira expressa que "incumbe ao Poder Público proteger a flora e a fauna, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade". Nas infrações penais previstas nesta Lei, a ação penal é pública incondicionada.

A Lei n.º 9.605/98 não determinou a competência para julgamento de seus crimes. Assim, torna-se necessário um estudo detalhado da matéria, levando-se em conta a particularidade do caso concreto, para que se possa definir a competência da Justiça Federal ou da Justiça Estadual nos delitos praticados contra o meio ambiente. Por outro lado, conforme o art.109 da Constituição Federal, a competência para processar e julgar os crimes contra o meio ambiente é originária da Justiça Federal: "compete aos juízes federais processar e julgar as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União". Ocorre que, como sabemos, muitas comarcas no Brasil não dispõem de varas federais, neste caso tem-se entendido que a competência será da justiça estadual.

O artigo 28 da lei de crimes ambientais faz referência aos delitos de menor potencial ofensivo, tendo como base a lei 9.099/95 (lei dos juizados especiais Criminais) que trata das contravenções penais e crimes com penas máximas de até um ano. No caso da lei 9.605/98, permite-se a suspensão do processo, nos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas infrações punidas com a pena máxima de até um ano. Condicionando a extinção da punibilidade à completa reparação do dano, comprovada através de laudo de constatação.

Assim como no artigo 28, o art. 27 da lei 9.605/98, traz a possibilidade de aplicação análoga da lei dos Juizados Especiais ao utilizar-se dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, exigindo uma prévia composição do dano ambiental, diferentemente do artigo 28 que se refere á reparação do dano. Para auxiliar a entender esta questão, Édis Milaré em seu brilhante ensinamento comenta:

Foi sábio o legislador ao prever a simples composição do dano, posto que a exigência da efetiva reparação inviabilizaria a transação e a própria audiência preliminar e iria de encontro aos princípios da celeridade e economia processuais, orientadores da política criminal consensual. E não é outro o sentido que se pode dar à previsão do art. 27 da Lei 9.605/98, ao condicionar a transação à prévia composição do dano ambiental. Em outros termos, primeiro se formaliza a composição do dano ambiental, depois, a seguir, se oportuniza a transação penal. Enfim, se as partes não compuserem meios e condições de reparar o dano, não se poderá transigir quanto à sanção criminal. A forma de executar a composição poderá, inclusive, ser objeto da própria composição, através de cláusulas a serem cumpridas. Ou alguém ousaria afirmar, por exemplo, que a transação somente poderá acontecer depois que o infrator houver reflorestado determinada área e que as novas árvores tenham atingido o mesmo porte das anteriores?[37]

Uma vez terminado o processo com a sentença penal condenatória, esta, se possível ,deve fixar o valor mínimo para a reparação do dano ambiental. Após transitar em julgado, valerá como título executivo podendo ser executada judicialmente para fins de reparação do dano ambiental, dispensando a ação civil pública .



[34] PRADO ,Luiz Regis ,Direito Penal Ambiental Problemas Fundamentais, São Paulo: Revista dos Tribunais ,1992, p.40.

[35] SÉGUIN, Elida. Direito ambiental: nossa casa planetária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002

[36] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 2.

[37] MILARÉ,Edis.Transação penal e suspensão do processo à luz da Lei 9.605/98, in Boletim IBCCrim, São Paulo, 1998, n. 73,