A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA INSCRIÇÃO INDEVIDA DE TÍTULO DE CRÉDITO NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO: Anotação Indevida de Duplicatas feita por Banco de Crédito no SPC e suas consequências Marine Mota de Melo e Laryssa Bianca Monteiro Freire RESUMO O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve analise sobre as possibilidades da inscrição devida de duplicatas, bem como suas consequências quando há a inscrição indevida, por parte dos Bancos de Crédito. Analisando a natureza jurídica desse Título de Crédito estabelecido em Lei Especial que dispõe sobre as duplicatas. E por fim, explanar a responsabilidade civil dos Bancos de Crédito quando por sua irresponsabilidade ocorre a inscrição indevida nos Sistemas de Proteção de Crédito de seus clientes, trazendo algumas resoluções encontras pelo Poder Judiciário. Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Inscrição Devida; Inscrição Indevida; Duplicata; SPC; Banco de Crédito. 1. INTRODUÇÃO Existem diversos Bancos de Dados e cadastros de consumidores, todos destinados a fazer o controle de crédito. Mas no presente trabalho, será feita uma análise de um deles, o Serviço de Proteção ao Crédito – SPC. Trata-se de um banco nacional que é administrado pela Câmara Nacional dos Dirigentes Lojistas, e nos municípios pelas suas Câmaras de Dirigentes Lojistas. A Câmara Nacional dos Dirigentes Lojistas elaborou um regulamento nacional dos SPCs, onde estão presentes todas as normas que regulamentam o funcionamento dos SPCs. Todos os SPCs, como estão dispostos no artigo 5º do Regulamento Nacional serão regidos “por um regimento interno próprio, contendo as normas e critérios para sua administração e funcionamento, com a observância deste regulamento”. Destarte, iremos abordar nesse trabalho acadêmico a inscrição devida no Serviço de Proteção ao Crédito. Bem como seus efeitos no caso de inscrição indevida junto ao SPC de um título de crédito em específico, a duplicata, apresentando a responsabilidade civil dos Bancos de Crédito pelo envio do nome de seu cliente quando este não se encontra inadimplente. 2. DUPLICATA E SEUS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DOS TÍTULOS DE CRÉDITO A duplicata é considerada por Pontes de Miranda (1954 apud ALMEIDA, 2008) como um título brasileiro de criação indígena e difusa que consiste numa ordem de pagamento, que em se tratando de seu sentido etimológico, significa cópia, traslado, duplicado. Foi esboçado primeiramente pelo Código Comercial em 1850, sendo substituído posteriormente pelo Decreto nº 2.044, em 1908. Mas foi somente em 1968, quando o Código Comerciário foi revogado que foi criada a Lei de Duplicata de nº 5.474, até hoje em vigor com alterações decorrentes do Decreto-lei nº 436, de 1969. Título eminentemente causal, tem seu alicerce no contrato de compra e venda mercantil ou na prestação de serviços. Sem estes, como adverte Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, é inexistente. Conquanto mantenha traços comuns com a letra de câmbio, desta distingue-se por ter a sua origem necessariamente presa a um contrato mercantil – disso decorrendo sua natureza causal. (ALMEIDA, 2008, p. 2004). As figuras intervenientes desse título de crédito são vendedor e comprador, ou a prestadora de serviços e o que se utiliza desses serviços. Em se tratando de título formal, deverá conter os seguintes requisitos, como previsto no artigo 2º, § 1º da lei que dispõe sobre o mesmo: a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; o número da fatura; a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; o nome e domicílio do vendedor e do comprador; a importância a pagar, em algarismos e por extenso; a praça de pagamento; a cláusula à ordem; a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial; e por fim, a assinatura do emitente. Como toda obrigação, impõe-se um termo para seu cumprimento, o vencimento da duplicata é dado por disposição das partes, podendo ser à vista ou a dia certo. Quanto a remessa, o artigo 6º da Lei nº 5474/68 dispõe que, “o vendedor terá trinta dias, a contar da emissão, para remeter a duplicata ao comprador, podendo valer-se de representantes, instituições financeiras ou correspondentes”. Se a remessa for feita por intermédio de mandatários, estes deverão apresentar o título ao comprador dentro de dez dias, contados da data do seu recebimento na praça do pagamento. Remetida a duplicata ao comprador, este, aceitando-a ou não, devolvê-la-á em dez dias. Não a aceitando, não basta a simples devolução, havendo necessidade de justificação da recusa por declaração escrita. (ALMEIDA, 2008, p. 209). Por se tratar de um título causal, a duplicada estará vinculada a compra e venda, ou à prestação de serviço, devendo sempre corresponder sua emissão a estes casos, pois “somente após o aceite se reveste da liquidez e certeza, representando obrigação cambial abstrata. Antes do aceite, portanto, não há cogitar-se dos efeitos cambiários” (ALMEIDA, 2008, p. 209). Uma vez aceita, esta se desprende da sua origem. A Lei de Duplicatas em seu artigo 8º enumera três hipóteses lícitas para a recusa do aceite por parte do comprador, são elas: I. avaria ou não- recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco; II. vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados; e III. divergência nos prazos ou nos preços ajustados. No artigo 9º da mesma lei, para a prova do pagamento é utilizado o recibo firmado pelo credor ou seu representante no verso do título ou em documento em separado. Por fim, em relação ao protesto, a duplicata pode ser protestada nos casos previstos no artigo 13, da Lei de Duplicatas por falta de aceite, devolução ou pagamento. 3. A INSCRIÇÃO DEVIDA JUNTO AO SPC Cabe analisar em um primeiro momento o Sistema de Proteção ao Crédito. Consiste em um banco de dados privado em que constam informações de crédito, com caráter público. É organizado geralmente pelas Câmaras de Dirigentes Lojistas, Associações Comerciais ou outras entidades que representam comerciantes e empresários, que trocam informações relativas a todo o território nacional por meio de um sistema chamado RENIC, Rede Nacional de Informações Comerciais. Assim como o SPC existem outros bancos de dados privados que têm fins semelhantes ou análogos. (FANK, 2008). O SPC tem como objetivo acelerar o sistema de crédito, fornecendo maior segurança às empresas, protegendo as transações comerciais. Para isso, armazena dados relativos aos inadimplentes, fornecendo-as a seus associados. Os SPCs são submetidos às normas do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90. A inscrição neste banco de dados normalmente “advém de dívidas de comércio, apesar de cada associação ter relativa liberdade para determinar, através de seus regulamentos ou estatutos, os motivos exatos que podem levar ao cadastramento no SPC” (FANK, 2008). Com o fim de buscar proteção contra devedores inadimplentes, é direito do credor, protestar o título quando o consumidor deixa de pagar dívida, cadastrando o nome do devedor em órgãos de restrição ao crédito. Podendo ainda, é claro, ajuizar ação para cobrar o valor devido. O consumidor com dívida existente e vencida, ao ter seus dados cadastrados em lista de devedores, será comunicado via correio, e em tal correspondência constará o nome da empresa/instituição credora, como previsto na Súmula 359 do STJ: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”. A fim de regularizar sua situação, deve o devedor procurar essa empresa/instituição e fazer o acerto. O Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor - PROCON orienta os consumidores em relação à contagem do tempo para a exclusão automática, feita não a partir do registro do nome no Banco de Dados, mas do momento em que o mesmo se tornou inadimplente, ou seja, um dia após o vencimento da obrigação. Sempre que o devedor quitar ou parcelar a dívida através de acordo, este tem direito à retirada imediata de seu nome do Cadastro dos Serviços de Proteção ao Crédito e a "exigir que a empresa que mantém o banco de dados comunique a mudança, em cinco dias úteis, a todos aqueles que tiveram acesso a este apontamento" (PRONCON-PI), a contar da data da quitação ou da compensação do pagamento da primeira parcela do acordo realizado. A credora, ao receber o pagamento da dívida, deverá restituir o título ao consumidor (cheque, duplicata, etc.). Se esse documento tiver sido extraviado, o consumidor deverá exigir uma declaração do credor, detalhando os fatos (se possível, com dados do título), informando que o débito se encontra devidamente quitado. De posse desse documento, o consumidor pode, ele mesmo, recorrer aos cadastros dos bancos de dados para retirar seu nome do registro. [PROCON-PI]. Cabe ressaltar que com a intenção de prevenir os consumidores, o SPC Brasil, alerta que todos os emails enviados com mensagens que seu nome ou CPF foram incluídos no SPC são falsos, pois cumprindo o que está previsto no artigo 43, §2º do CDC: “a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor”, sendo encaminhada uma notificação via Correios, com antecedência mínima de 10 dias antes da efetiva inscrição. Da mesma forma que não há como saber se seu nome está inscrito por internet, telefone ou email, visto que as consultas a este Banco de Dados são pagas. Para consultar o nome no SPC, ou qualquer outro Banco de Dados, o consumidor deve ir pessoalmente aos cadastros, portando o RG e CPF originais. 4. A RESPONSABILIDADE CIVIL E A INCRIÇÃO INDEVIDA DE DULPICATAS JUNTO AO SPC Da interpretação do art. 43, §2º e 3º, do CDC, pode-se extrair que a prévia notificação ao consumidor, quanto à abertura de registro negativo em seu nome, é obrigatória, sendo que o descumprimento da norma pelo arquivista ou mantenedor do arquivo autoriza ao consumidor a busca pelo cancelamento e reparação pelos danos decorrentes do apontamento feito às avessas da lei. Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. Tendo em vista que a responsabilidade, portanto, da instituição financeira objetiva, é de ressaltar desnecessidade de comprovação de culpa, uma vez que o dano material causado pela anotação indevida em cadastro de inadimplentes proveniente de informações fornecidas por ela a vincula diretamente ao ressarcimento e quiçá ao pagamento de danos morais quando requerida. A responsabilidade civil sem culpa ainda é aplicada de forma geral às instituições financeiras de acordo com o que coloca o CDC. No CC, em seu artigo 927 traz a definição da responsabilidade sem culpa como sendo também aquela que meramente “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem", o que se observa configurada na anotação indevida de nome de cliente nos cadastros de proteção ao crédito, pois a restrição de crédito presume prejuízo segundo entendimento jurisprudencial pelos Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Processo: APL 10873920098260466 SP 0001087-39.2009.8.26.0466. Relator(a): José Reynaldo. Julgamento: 08/02/2012. Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado. TJSP – Comarca de Pontal. Publicação: 09/02/2012: No mérito, insiste que a simples “ocorrência de descontos e/ou saques indevidos, por si só, não gera danos morais” (fls. 125), mas mero aborrecimento conforme entendimento jurisprudencial que colaciona. Discorre, outrossim, sobre a culpa exclusiva da correquerida, sob a denominação “fato de terceiro”, donde a exclusão do nexo de causalidade de sua conduta com o evento, além da ausência de repercussão do fato capaz de macular a honra do autor- apelado. Isto é, gera responsabilidade objetiva ao banco que por conta de duplicata simulada (ou “fria”) envia o nome de cliente ao SPC, e deve pagar os danos materiais corrigidos e ainda pagar danos morais pelo constrangimento das cobranças e contratempos que o desabono venha a lhe causar, seja pela não concessão de crédito, seja pela impossibilidade de realização de negócios que intente realizar. Como previsto no CDC: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena: Detenção de três meses a um ano e multa. Ainda gera responsabilidade para o banco, o protesto indevido de título de crédito com relação à pessoa que não tem vínculo de prestação de serviço com aquele. Se a instituição financeira cobrar pessoa que não é seu cliente, e por conta disso seu nome constar no cadastro nos órgãos de proteção ao crédito, deve a instituição ressarci-la pelos danos morais ainda que materiais não tenham ocorrido. Segundo a súmula 385 do STJ, é certo ressaltar que a anotação devida nos cadastros de proteção ao crédito não cabem dano moral, ainda que ressalvado o direito de retirada do nome. Sendo, portanto, exercício regular do direito das instituições a anotação, que é considerada devida em vista de inadimplemento de fato. CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em conta o direito dos bancos e de qualquer outro tipo de instituição de ressalvar suas operações de crédito ou quaisquer outras, é certo afirmar a legitimidade da anotação de nome em cadastro de inadimplentes, que tem o escopo de proteger o crédito da população em geral. Sendo uma punição aqueles que não pagam, é também forma de proteger a instituição que fornece o credito para que prejuízos não afetem a realização de seus negócios. Sendo que as instituições financeiras são as únicas legitimadas para fornecerem credito no Brasil, elas têm certo domínio na atividade capitalista do país, portanto é grande a responsabilidade que recai sobre elas, uma vez que a anotação INDEVIDA tem a capacidade de gerar grandes contratempos na vida do cidadão de bem que nada fez, e está adimplente. Sendo, portanto configurada a responsabilidade objetiva, quando este fato ocorre, sendo evidenciado o dano moral. E quando proveniente de erro formal ou material a responsabilidade se configura, sendo o caso do último há ainda o ressarcimento de dano material no que couber. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. 27ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Lei 5474, de 18 de julho de 1968. Dispõe sobre as duplicatas e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1968. BRASIL. Lei 8078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. FANK, João Fernando. O artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e suas diversas interpretações quanto à permanência de inscrições negativas. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 3, n. 1, p. 23-33, mar. 2008. PIAUÍ. Ministério Público do Estado do Piauí - Procuradoria Geral da Justiça. PROCON. Teresina, 2012. SÃO PAULO. 12ª Camara de Direito Privado. APL 991070924192 – São Paulo, Relator José Reynaldo, publicado no Diário de Justiça em 25.03.2010. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8428804/apelacao-apl-991070924192-sp-tjsp >. Acesso em: 05 nov. 2012.