A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS PRATICADOS...

Por JESSICA EMANUELLE ALVES DE AGUIAR | 09/02/2017 | Direito

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS PRATICADOS POR FILHOS MENORES EMANCIPADOS

Introdução

O presente trabalho versa sobre a responsabilidade civil dos pais pelos atos ilícitos praticados por seus filhos menores emancipados.

Decorrente de várias modificações, a responsabilidade civil se define como a obrigação que uma pessoa tem de reparar um dano causado por si ou por uma pessoa que se encontra sob sua responsabilidade.

A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores é tema de grande importância social, tendo em vista o exercício do pátrio poder constitucionalmente conferido aos pais a quem cabe o dever de vigiar e zelar pelos filhos, enquanto estes não possuem capacidade para responder por seus próprios atos. Responsabilidade que, em alguns casos, não cessa nem mesmo diante da emancipação do filho menor uma vez que este ato não concede ao emancipado a maturidade necessária para assumir certas obrigações.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi analisar a responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados pelo filho menor emancipado.

 

Material e métodos

 

Para o desenvolvimento do estudo foi feita opção pela revisão de literatura que consiste em um método de pesquisa com o objetivo de selecionar, avaliar e reunir resultados de outros estudos já realizados, na busca de uma solução para um pergunta especifica. Embasada em uma construção doutrinária e normativa, teve como base de dados leis, teses, dissertações, doutrinas e artigos publicados na internet.

 

Resultados e discussão

 

Nas sociedades primitivas, a primeira forma de reparação do dano era feita por vingança coletiva, quando todo o grupo reagia contra o agressor que ofendera algum dos seus componentes, sendo a vingança um ato privado, o que culminava com a reação às agressões, de modo individual, com os homens amparados pela Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”. Dessa forma, “o dano provocava reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada [...]” (GONÇALVES, 2011, p. 36).

Sentindo a necessidade de que fossem coibidos abusos, o Poder Público interveio nas vinganças privadas e passou a decidir quando e como a vítima teria o direito de retaliação, devendo o lesante ter o mesmo dano que causou à vítima, surge, então, o período da composição, em que o autor repara o dano ao ofendido pagando-lhe uma quantia em dinheiro chamada de poena. Dessa forma, a retaliação não reparava os danos, mas criava um dano maior, pois, uma vez punido o lesante, este ainda teria seu patrimônio usurpado pelo lesado.

Assim, inicia-se a compreensão de que só deve ter punição se houver culpa, se baseando na Lex Aquilia de damno, tendo esta estabelecido a fundamentação para a responsabilidade extracontratual. A partir de então, o Estado começa a intervir nos conflitos entre particulares, assumindo a função de punir. Os valores dos prejuízos passaram a ser fixados pelo próprio Estado e a vítima era obrigada a aceitar a composição, não havendo, portanto, distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal.

Todavia, a responsabilidade civil evoluiu e passou a ter duas vertentes: uma que se baseia na culpa, que é a teoria subjetiva da responsabilidade civil; e a outra, fundada no risco, tratando-se da teoria objetiva, por meio da qual basta haver a lesão para que exista a responsabilidade civil, inexistindo a necessidade de culpa do lesante. Esta última teoria adveio com a revolução industrial e a introdução de máquinas para produção em larga escala, bem como a circulação de pessoas por meio de veículos automotores, o que elevou os riscos a que se submetem a vida e a saúde humanas. Desse modo, foi necessária a introdução da responsabilidade objetiva, sob a ideia de que todo risco deve ser garantido.

Dando atenção às mudanças sociais e econômicas instaladas no Brasil, os institutos jurídicos atentaram também para as mudanças que deveriam ser necessárias no elemento de segurança das normas, a fim de acomodá-las à sociedade em mutação, não podendo a responsabilidade civil fugir à sua contextualização. Assim, como bem esclarece Pereira (2010), na legislação brasileira a responsabilidade civil foi disposta com ênfase na tríade fundamental da responsabilidade subjetiva, como se vê da redação do artigo 159 do Código Civil de 1916 (CC/1916): “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

A responsabilidade civil trata-se da responsabilização daquele que, por ação ou omissão, tem por resultado um dano, isto é, o agente causador do dano ou o responsável por aquele que causou referido dano, devendo, consequentemente, ressarcir a vítima deste (PEREIRA, 2010). Para que ocorra a responsabilidade civil, é necessária, dessa forma, a

configuração de três elementos: (a) o fato lesivo causado pelo agente por culpa em sentido amplo, a qual abrange o dolo e a culpa em sentido estrito, que engloba a negligência, a imprudência ou a imperícia; (b) a ocorrência de um dano patrimonial ou moral; e (c) o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

A responsabilidade civil por fato de terceiros apareceu pela primeira vez no direito brasileiro no Código Civil de 1916, quando em seu artigo 1521 definiu quem seriam os responsáveis pelo dano causado por outros, estendendo esta responsabilidade aos pais, tutor, patrões e proprietários de hotéis, pousadas e similares. A responsabilização por ato de terceiros, no artigo 1523 do CC/1916 foi preconizado que os sujeitos elencados no artigo 1521 só responderiam pelos atos alheios se colaborassem por culpa ou negligência pela ocorrência do ato danoso.

 

Responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores emancipados

 

A responsabilidade civil dos pais pelos atos cometidos pelos filhos menores corresponde a uma das formas de responsabilidade indireta e guarda forte ligação com o poder familiar concedido aos genitores, que pode ser definido como um “conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens dos filhos menores” ainda não emancipados e que pode e deve ser exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais (GONÇALVES, 2011, p. 122).

Assim, conforme interpretação de Diniz (2015, p. 447-448), o poder familiar “ [...] advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo suas pessoas e seus bens”.

Neste contexto, Gonçalves (2011) destaca que o direito tratou de definir as normas sobre a capacidade civil dos menores, acentuando no CC/2002 que apesar de todos os seres humanos já serem reconhecidos como cidadãos desde que nascem e, portanto sujeitos de direitos e deveres, somente serão considerados aptos a assumir todas as suas obrigações civis após os 18 anos.

Apesar da legislação brasileira delimitar o Estado, a sociedade e a família, e em especial os pais, como responsáveis diretos pela educação de seus filhos, imputando-lhe inclusive a responsabilidade pela conduta social daqueles com idade inferior a 18 anos, vê-se, cada vez mais, adolescentes sendo emancipados (GONÇALVES 2011).

A emancipação pode ser definida como uma antecipação da capacidade civil plena, podendo assim, o menor adquirir capacidade para praticar atos da vida civil, seja mediante autorização de seus representantes legais, de um juiz, ou ainda por ocorrência de fato previsto em lei. Emancipação que, de acordo com observações de Diniz (2015) são motivadas principalmente pelos seguintes fatores: a)casos em que, para evitar a constituição de firma individual, o genitor emancipa o filho, de forma a torná-lo seu sócio em empreendimento comercial; b)casos de casais separados em que, das eventuais divergências entre os genitores, surge como ‘solução’ a emancipação do filho. Situação que leva Cavalieri (2008) destacar que a emancipação não concede ao emancipado a maturidade necessária para assumir certas obrigações.

Sob a ótica constitucional a emancipação é considerada como um ato que cessa a incapacidade do menor de atingir a maioridade, ou seja, os dezoito anos, baseando no objetivo de conferir o gozo e administração de seus bens, como o governo de sua pessoa.

A emancipação poderá se inferir em três diferentes classificações, podendo ser, emancipação voluntária ou consensual, a emancipação judicial e a emancipação legal. O artigo 5ª do Código Civil de 2002, como já descrito anteriormente, além de definir os 18 anos como idade em que cessa a menoridade também leciona três tipos de emancipação: a voluntária, a judicial e a legal.

A emancipação voluntaria ou consensual, ocorrerá quando os pais e o menor com no mínimo 16 anos, manifestarem suas vontades no sentido de conferir ao menor a capacidade plena. A escritura deverá ser lavrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, para que possa adquirir eficácia erga omnes. (COSTA, 2016).

Pondera Costa (2016), que considerada como a segunda modalidade, a emancipação judicial poderá ser cabível em dois casos, o primeiro ocorrerá quando houver a divergência entre os pais diante à emancipação voluntária, ou quando o menor estiver sob-regime de tutela. A tutela será estabelecida judicialmente, ressalvando o interesse da criança, este caso, caberá quando os pais já estiverem mortos ou quando a criança perdeu o poder familiar e em nenhuma hipótese o menor poderá ser emancipado pelo tutor, pois caberá somente a decisão do juiz se o menor gozará dos requisitos para ser capaz plenamente, uma vez que, o tutor poderá está agindo de má fé para se livrar da responsabilidade. Depois de deferida a emancipação judicial, a mesma deverá ser lavrada e registrada no Cartório Civil das Pessoas Naturais.

A emancipação legal, baseia-se na aquisição de capacidade por força da lei, ou seja, não necessitará de decisão judicial, tampouco de registro público, pois surge de forma natural. O artigo 5º, inciso IV do Código Civil de 2002, exemplifica, quando o menor cola grau em curso de ensino superior, ele de imediato estará sendo emancipado. Vale ressaltar, que caso ocorra uma gravidez, o casamento do menor de 16 anos deverá ser realizado depois da decisão judicial, culminando com sua emancipação (LEONARDI, 2005).

Quando se trata da responsabilidade por ato cometido por criança ou adolescente, Pereira (2010) esclarece que o menor é pessoalmente irresponsável, pois é absolutamente incapaz, e a reparação dos atos cometidos pertence exclusivamente aos pais.

Conforme ponderação de Gominho e Ferraz (2016), como a legislação define menor o homem ou mulher com menos de 18 anos completos, sujeito com capacidade jurídica, mas incapaz de exercê-la de fato, este necessitará de um representante até os 16 anos, ou assistente até aos 18 anos, para a prática dos atos da vida civil . Se, por exemplo, os pais outorgam a emancipação ao menor que ainda não tem maturidade suficiente para gerir seus negócios e o fazem apenas com o intuito de se exonerarem de qualquer responsabilidade civil pelos atos do filho, o ato é ilícito e anulável. Pondera Gonçalves (2011), que é obrigação dos pais educarem os filhos, mantendo sempre, sobre eles vigilância, pois quando estão sob a guarda dos pais, qualquer ato ilícito recai sobre os mesmos. Mesmo ocorrendo a emancipação, a vitima lesada deverá ser ressarcida, pois terão que responder sobre as consequências como prevê o CC/2002: “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia” (BRASIL, 2002).

Sendo assim, no que tange à responsabilidade dos pais para com seus filhos, esta não se limita apenas na obrigação de educar, dar o sustento e o lazer, mas caberá sim aos genitores responsabilizar pelos atos dos menores púberes.

 

Considerações finais

 

A emancipação tem por efeito antecipar a capacidade civil do menor, podendo este permanecer com natureza jurídica de um adolescente. A emancipação dos filhos menores pode ser concedida pelos pais, ou por um deles na falta do outro, permitindo assim que os jovens respondam por seus atos civis antes de completar a maioridade que, de acordo com a Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente é alcançada aos 18 anos de idade.

O menor, mesmo emancipado sofre algumas restrições imposta-lhes legalmente, ficando proibido de realizar algumas ações como adquirir armas, munições e explosivos; comprar e consumir bebidas alcoólicas e demais produtos que causem dependência física ou psíquica. É proibido que este se a hospede hotel, motel e pensão, sem estar devidamente acompanhado por seus pais ou responsável legal, assim como de entrar em determinados shows e espetáculos. É vedado ainda ao menor emancipado tirar a Carteira Nacional de Habilitação.

Segundo a legislação brasileira, os pais permanecem responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelo filho menor emancipado, havendo exceção, por exemplo, quando, este conseguir sua emancipação através do casamento, pois entende-se que ao formar uma família será capaz de assumir a responsabilidade por todos os seus atos, não necessitando mais da vigilância e cuidado dos pais.

 

Agradecimentos

Aos professores do curso de Direito das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE pelo apoio, ensinamentos e incentivos, que contribuíram para a realização dessa pesquisa.

 

Referências

BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF, 2002.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. rev e ampl. São Paulo: Atlas, 2008.

COSTA, Suellen Barbosa Vasconcelos. Direito Civil, Emancipação. Disponível em . Postado em: 8 fev. 2012. Acesso em 20 out. 2016.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. v. 6. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz, FERRAZ, Aline. Responsabilidade civil dos pais por atos praticados pelos filhos menores. Disponível em: . Postado em: Abril. 2016. Acesso em: 19 out. 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011

LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos provedores de serviços de internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito Civil. 14ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume III.