1 INTRODUÇÃO

O Direito lida constantemente com questões envolvendo a vida e a morte, que fomentam discussões e controvérsias não apenas no âmbito jurídico, mas também na seara médica e religiosa, conforme discutiremos no decorrer desse trabalho. Com os avanços da medicina, já era de se esperar que houvesse o progresso e o consequente aumento dos procedimentos médicos voltados para prolongar a vida dos pacientes, daí surgem inúmeras questões a respeito da autonomia da pessoa em aceitar ou rejeitar tais intervenções por meio das denominadas Diretivas Antecipadas de Vontade (GODINHO, 2012).

É de se considerar, portanto, pontos acerca da possibilidade dessa manifestação em caráter antecipado, já que, ao contrário do consentimento informado, a declaração de vontade, nas diretivas antecipadas de vontade, é anterior à recomendação da intervenção médica, de modo que inexiste uma explicação pelo médico a respeito dos procedimentos a serem adotados, haja vista que a necessidade de uso das Diretivas se dá exatamente quando e se sobrevier a incapacidade do paciente (SOARES, 2016).

O que ocorre é que para toda ação, seja comissiva ou omissiva, há a responsabilidade do agente pela prática dessa conduta. Assim, se desta resultar dano, material ou moral, nasce o dever de reparação. Na área da saúde, a responsabilidade civil exige a análise de outros elementos, quais sejam a natureza da obrigação, se de meio ou resultado, a existência de responsabilidade subjetiva ou objetiva e, finalmente, a prova da culpa (SILVA, 2009)

O quadro torna-se mais complexo quando aquela escolha fixada pelo paciente põe em risco a sua própria vida. O que ocorre, muitas vezes, nos casos das Testemunhas de Jeová, cuja crença não admite o procedimento da transfusão sanguínea, ainda que vital para a melhora do paciente. É justamente nesse ponto que entra a responsabilidade civil do médico, que, mediante uma situação como a acima delineada, deverá se portar de modo a adequar a vontade do paciente, a saúde deste e a bioética (LIMA, 2013).

Desse modo, conforme o exposto, o presente trabalho propõe-se a analisar e questionar o alcance e os limites da responsabilidade civil do médico no caso das Diretivas Antecipadas de Vontade exaradas pelas Testemunhas de Jeová.

A construção do trabalho em volta do tema selecionado se deu pela possibilidade de maior compreensão do ramo da responsabilidade civil, sobretudo naquilo que envolve o profissional da saúde no exercício da medicina. Para isso, se trouxe à discussão o instituto recente das Diretivas Antecipadas de Vontade no caso das Testemunhas de Jeová, pois trata-se de uma temática controvertida, na medida em que envolve, dentre outros, questões religiosas e da área médica, e não somente do direito, o que permite uma maior análise acerca do direito enquanto forma de regular relações sociais, culturais e políticas.

Em vista disso, é importante destacar a relevância científica do trabalho pois, como se sabe, não é possível restringir a análise das relações sociais ao âmbito jurídico, o foco aqui se encontra também na autonomia do paciente, em suas crenças e escolhas particulares. Especialmente no que diz respeito às Testemunhas de Jeová, pois pouco se conhece cotidianamente dessa crença, o que inevitavelmente proporciona uma perspectiva superficial do que realmente se está em jogo.

Ademais, é um instituto atual, que ainda não foi devidamente destrinchado em suas mais profundas nuances, o que torna um exemplar objeto de estudo, sobretudo para se construir um arcabouço literário a respeito do tema.

Esta obra orientou a classificação do presente trabalho quanto à metodologia. Entende-se por bibliográfica em relação aos procedimentos técnicos, pois, para o desenvolvimento e fundamentação deste trabalho, foram utilizados como fonte precípua livros e artigos científicos, físicos ou virtuais. O que se busca é formular uma problemática e discorrer a seu respeito utilizando como orientação obras já publicadas que tratem de pontos específicos a serem mencionados no decorrer desse tema. Quando ao objetivo, o presente trabalho assumiu o caráter exploratório, na medida em que se busca tornar o assunto mais evidente e esclarecedor ou a fim de construir hipóteses. Sendo assim, tem-se por objetivo alcançar o desenvolvimento e aperfeiçoamento do tema escolhido (GIL, 2002).

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Os aspectos gerais da responsabilidade civil na área da saúde

 

É imperioso iniciar o presente trabalho discutindo acerca da responsabilidade civil. Como bem pontua Carlos Roberto Gonçalves (2012), a ideia de responsabilidade traduz uma contraprestação, ou seja, guarda a noção de reparação de dano. Ora, são numerosas as condutas humanas e, assim sendo, são várias as espécies de responsabilidade, que envolvem cada ramo do direito. O responsável, então, é aquele que, ao descumprir determinada norma, passa a sofrer as consequências decorrentes da sua conduta, sendo uma dessas consequências a possibilidade de ser impelido a reparar aquele dano.

Em suma, a responsabilidade civil pode ser contratual, também chamada de negocial, ou extracontratual. Não obstante a doutrina entender que existe uma tendência de unificação, pois assim trata o Código de Defesa do Consumidor, vale registrar, para efeitos desse trabalho, brevemente a diferença. A responsabilidade civil contratual surge nos casos de descumprimento de uma obrigação materializada em um contrato; a extracontratual, por sua vez, se assenta no ato ilícito e no abuso de direito (TARTUCE, 2016), a serem delineadas no decorrer do trabalho e as quais interessará para esta pesquisa.

Para a caracterização da responsabilidade, é necessário que estejam presentes os pressupostos do dever de indenizar. Há unanimidade na doutrina a respeito da conduta, nexo de causalidade e dano como elementos da responsabilidade, existindo divergência apenas no que tange o elemento da culpa. Boa parte dos doutrinadores, dentre eles Sílvio de Salvo Venosa, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz, entende que, em regra, a culpa lato sensu é pressuposto do dever de indenizar, em contrapartida, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho defendem ser a culpa apenas um elemento incidental (TARTUCE, 2016).

Pois bem. Esse dever de reparação estará presente também no exercício profissional, como na prática da medicina, pois da conduta do médico pode resultar um dano, seja ele material, moral ou estético. Para a análise da responsabilidade no médico, é preciso se ater a natureza da obrigação, se de meio ou resultado, pois classificará o Código de Defesa do Consumidor, segundo esse critério, a responsabilidade objetiva ou subjetiva (SILVA, 2009).

A responsabilidade do médico enquanto responsabilidade contratual é limitada em virtude da própria natureza da obrigação. Não é possível se exigir do médico a efetiva cura do paciente de modo que aquele não se torna inadimplente mediante a não obtenção desse resultado (GONÇALVES, 2012). Daí se falar em obrigação de meio, pois o “objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência” (GONÇALVES, 2012, p. 240).

Importante pontuar que o Código do Consumidor trata da relação entre prestador de serviços e paciente, no âmbito da saúde, como uma relação de consumo, já que este lança mão do serviço como destinatário final e aquele fornece o serviço. Nesse caso, por se entender que existe um desequilíbrio econômico ou técnico, o ponto principal a ser analisado é a vulnerabilidade do paciente (SILVA, 2009).

 

2.2 As características e efeitos das Diretivas Antecipadas de Vontade, em conjunto com a autonomia privada do paciente

 

A possibilidade das pessoas expressarem sua vontade acerca dos procedimentos e tratamentos médicos a que querem ou não ser submetidas é consolidada com a implementação da resolução 1995 do Conselho Federal de Medicina, em 2012.  A partir daí, passou-se a tratar a autonomia do paciente com mais seriedade (CRIPPA; BUONICORE; FEIJÓ, 2013), e é exatamente na proteção dessa autonomia que se sustentam as Diretivas Antecipadas de Vontade (NUNES; ANJOS, 2014).

Importante frisar que, no Brasil, não há uma lei que regule as Diretivas Antecipadas de Vontade, de modo que possuem como único respaldo a mencionada Resolução. Logo, destina-se tão somente a nortear a atuação do profissional médico, não possuindo, então, eficácia de lei, tampouco se estende a outras categorias da área de saúde (SAIORON, 2016).

Pois bem. Conforme a referida resolução, as Diretivas Antecipadas de Vontade consistem no “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade” (CRIPPA; BUONICORE; FEIJÓ, 2013, p. 344).

Ainda segundo a resolução, o registro das Diretivas será realizada pelo médico na ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que com autorização deste, sendo dispensadas assinaturas e testemunhas, já que o médico, no exercício da sua profissão, conta com fé pública, de modo que seus atos tornam-se legais e jurídicos (NUNES; ANJOS, 2014).

Vale registrar que a própria resolução traz em seu conteúdo que, ao médico caberá desconsiderar as orientações contidas nas Diretivas Antecipadas de Vontade, quando, em sua análise, o conteúdo destas contrariar as disposições trazidas no Código de Ética Médica (NUNES; ANJOS, 2014).

Há diversas discussões a respeito da validade dessas Diretivas Antecipadas de Vontade, já que inexiste qualquer norma jurídica específica que trate sobre o tema. Inobstante a isso, é possível, mediante uma interpretação integrativa das normas constitucionais e infraconstitucionais, encontrar sustentação legal (DADALTO, 2013).

É de se argumentar, pois, que essa possibilidade de manifestação de vontade para tratamentos médicos encontra amparo na própria Constituição Federal, em específico nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III), da autonomia (Princípio implícito do artigo 5º) e, finalmente, na vedação de tratamento desumano (art. 5º, III) (DADALTO, 2013).

Deve-se entender que o Direito de Escolha envolve o direito à liberdade e o direito à intimidade, sendo expressões dos Direitos de Personalidade. Ora, quando se fala em autonomia individual, logo se pensa no poder de decidir sobre o seu próprio ser. Sendo assim, essa autonomia nada mais é que o livre desenrolar do princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É possível se levantar ainda, como intrínseco a esse princípio, a responsabilidade de cada um em relação a sua vida, seus valores e objetivos de modo que essas decisões são tão pessoais que não cabem a ninguém, senão a própria pessoa (EPAMINONDAS, 2014).

Ainda assim, não é fácil lidar com o binômio vida-liberdade e estabelecer qual prevalecerá sobre o outro naquele caso. Embora a liberdade esteja ganhando cada vez mais espaço, é tradicional, nos países ocidentais, que se decida em favor da vida quando houver a confrontação entre liberdade e vida (SAIORON, 2016).

Por fim, interessante atentar para a diferença entre consentimento informado e diretivas antecipadas de vontade. Ora, enquanto este trata de instruções prévias a serem seguidas em casos futuros, naquele a aceitação ou rejeição de determinado procedimento se dá no momento atual de explanação do médico para a cura de algum mal (GODINHO, 2012).

 

2.3 O caso das Testemunhas de Jeová e a extensão da responsabilidade civil do médico diante da violação da liberdade do paciente

 

É indispensável tecer breves considerações a respeito das Testemunhas de Jeová, objeto de estudo desse trabalho. Trata-se de uma religião de denominação cristã que conta com seguidores em 240 países e aproximadamente 8 milhões de praticantes. Em suma, a religião segue os livros da Bíblia Cristã e aos seus adeptos é vedada a submissão a procedimentos cirúrgicos e médicos que envolvam a transfusão sanguínea. Para a compreensão da questão que aqui se trabalha, é importante entender que a Testemunha de Jeová, regularmente batizada na religião, quando, sem arrependimento, adquire o costume de desobedecer ao Código mora da Bíblia, é desassociada ou passa a ser evitada pelos membros da religião (ALVIM; TOMAZ, 2016).

Por isso, as Testemunhas de Jeová se valem de um documento, denominado Diretivas Antecipadas e Procuração para Tratamento de Saúde, que traz disposições a respeito da abstenção de transfusões sanguíneas. Insta destacar que esse documento conta com todos os requisitos inerentes ao negócio jurídico de modo que passar a merecer cumprimento. Ademais, como visto anteriormente, o uso das Diretivas se limita a situações em que o paciente se encontra incapacitado de manifestar sua vontade, logo, nos casos em que o mesmo estiver consciente, cabe o consentimento ou dissentimento informado (SOARES, 2016).

Pois bem. O Código do Consumidor aponta em seu artigo 14, §4º, que a responsabilidade pessoal dos médicos enquanto profissionais liberais “será apurada mediante a verificação da culpa”. É, em vista disso, um caso de responsabilidade civil subjetiva, em que será indispensável a prova da existência do dolo ou culpa no exercício profissional.

Ocorre que o dispositivo é claro ao se dirigir a profissionais autônomos, de modo que a própria doutrina entende que, em caso de estabelecimentos hospitalares fornecedores de serviços, a responsabilidade será objetiva. Portanto, a apuração da responsabilidade do médico que desempenha sua função em hospitais ou clínicas não exigirá a demonstração da culpa, bastando apenas a demonstração da conduta, nexo causal e dano para o ressarcimento deste (CAVALIERI FILHO, 2014).

Nesse diapasão, conclui-se que os danos resultantes da transfusão sanguínea se encontram inseridos nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva. Desse modo, uma vez comprovado o dano causado, tanto o médico quando a instituição hospitalar estarão obrigados a indenizar. Ora, como não é apenas a indenização por danos materiais que pode ser pleiteada, é perfeitamente cabível no caso em questão a reparação por dano de ordem moral, já que a transfusão sanguínea realizada em Testemunha de Jeová que negou conscientemente tal procedimento pode causar prejuízos no íntimo desse paciente, pois se está lidando com sua espiritualidade (SOARES, 2016).

Em contrapartida, vale trazer a discussão um caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em que uma jovem deu entrada no hospital inconsciente e sob iminente risco de morte, ocasião em que o médico realizou a transfusão sanguínea, mesmo a paciente portando documento previamente assinado por ela vedando a terapia da transfusão. Sucede que se decidiu pelo não cabimento de danos morais, pois, em que pese a garantia do Direito de Culto pela Constituição Federal, isso não autorizaria a pessoa a dispor da própria vida (GONÇALVES, 2012). Nessa mesma linha, entende o seguinte julgado:

 

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. RECUSA DE TRATAMENTO. INTERESSE EM AGIR. Carece de interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70020868162, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 22/08/2007) (grifo nosso)

 

É esta a orientação da Resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina, segundo a qual:

Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta:

1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis

2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

 

Nesse sentido seguiu a 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um casal adepto a seita Testemunha de Jeová, que proibiu a realização da transfusão sanguínea na filha de 13 anos, o que ocasionou seu óbito. Entendeu-se que os médicos possuíam o dever de realizar o procedimento, mesmo com a oposição da família, pois, por terem a objetivo de salvar vidas, deveriam ser indiferentes perante a invocação religiosa (ESCÓCIA, 2015).

Destarte, o que se percebe é uma intensa discussão a respeito da extensão da responsabilidade civil do médico nos casos delineados, seja no caso de descumprimento ou de cumprimento das Diretivas Antecipadas de Vontade. Sendo assim, importante ter em mente que os debates não se esgotam aí, sobretudo em razão das mudanças na interpretação das normas e nas concepções nas quais se pauta a sociedade.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qualquer pessoa pode estar sujeita à obrigação de reparar o dano quando a ele der causa, bastando, para isso, a comprovação da conduta, nexo de causalidade e ocorrência do dano. Ocorre que há situações em que é mais difícil visualizar com clareza esses requisitos, sendo, a depender da situação, essencial a análise e verificação da culpa, sobretudo quando envolve o exercício de determinada atividade profissional, já que são regidas por normas e princípios próprios inerentes à profissão. É o que se pode observar com os profissionais da área da saúde, cuja atuação envolve a vida das pessoas, em especial no que tange o médico. São recorrentes as situações em que os médicos são obrigados a agir de forma rápida e, consequentemente, decidir conforme seu conhecimento técnico. Não é raro, em virtude disso, que da decisão resulte algum dano ao paciente, seja moral, material ou estético.

Daí se levanta a questão das Diretivas Antecipadas de Vontade, que são documentos pelos quais a pessoa manifesta previamente sua vontade a respeito de algum procedimento médico-hospitalar. Muito se discute a respeito da sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, em que pese o Conselho Federal de Medicina ter elevado a importância da autonomia privada do paciente.

Esse instrumento, então, privilegia a autonomia do paciente em tomar decisões que versem sobre o próprio corpo, mas um dos questionamentos é exatamente até que ponto o indivíduo pode decidir, pois, muitas vezes, a decisão pode envolver diretamente a sua sobrevivência.

É o caso das Testemunhas de Jeová que reprovam profundamente a submissão ao procedimento de transfusão sanguínea, independentemente de ser vital ou não para o paciente. Sendo assim, muitos lançam mão das diretivas para materializar a sua vontade quando não puderem exteriorizá-la.

Ocorre que os médicos devem agir visando a sobrevivência do paciente, o que, nesse caso, colide com a vontade deste. Daí exsurgem os questionamentos a respeito da postura do médico quando confrontado com essas situações, pois a observância ou a inobservância das diretivas pode gerar a responsabilidade civil do médico. Neste ponto, em que pese muitos acreditarem que a violação à autonomia do paciente fere diretamente a autonomia privada da pessoa e, consequentemente, a dignidade desta, há diversos entendimentos jurisprudenciais que caminham no sentido de que o direito à vida se sobrepõe à liberdade de crença e que o paciente não poderia dispor sobre a própria vida, de modo que, diante de uma situação de iminente perigo de vida, deve o médico intervir e realizar o procedimento, ainda que contrário ao consentimento do paciente ou de seus responsáveis, sob pena de ser responsabilizado pelo dano causado.

Por fim, resta compreender que não há unanimidade a respeito do assunto e que as discussões não se esgotam aqui, já que, como foi visto, estão envolvidos direitos fundamentais que, de uma forma ou de outra, vão influenciar na conduta do médico, que deverá agir também de acordo com as normas que balizam a profissão. Para além disso, interessante se ater que a realidade está em constante mudança e que o direito deve acompanhá-la, daí se observa que um entendimento sobre determinado objeto não se consolida no tempo, estando, então, à mercê de novas interpretações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALVIM, Faustus Máximus de Araújo; TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. A recusa de transfusão de sangue por paciente adepto a religião Testemunha de Jeová: colisão de direitos fundamentais. Revista de Direitos Humanos e Efetividade. Curitiba. v.2., n. 2., p. 01-20, Jul/Dez. 2016. Disponível em:<http://indexlaw.org/index.php/revistadhe/article/view/1548/2009>. Acesso em 20 de mar. 2017.

 

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11. ed. São Paulo: atlas, 2014.

 

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EPAMINONDAS, Lívio Leslyer de Souza. Testamento Vital: suicídio assistido ou dignidade da pessoa humana?. 2014. 23f. Monografia – Faculdade de Direito, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2014.

 

ESCÓCIA, Fernanda da. Uso ‘não bíblico’ de sangue em transfusões opõe Testemunhas de Jeová e médicos. 2015.

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FILIPI, Bárbara; NASATO, Graziela. Responsabilidade médica frente a situações de emergência com transfusão de sangue em pacientes testemunhas de jeová. 2015. Disponível em:<http://emporiododireito.com.br/responsabilidade-medica-frente-a-situacoes-de-emergencia-com-transfusao-de-sangue-em-pacientes-testemunhas-de-jeova-por-barbara-filippi-e-graziela-nasato/>. Acesso em: 20 de mar. 2017.

 

GODINHO, Adriano Marteleto. 2012. Diretivas Antecipadas de Vontade: testamento vital, mandato duradouro e sua admissibilidade no ordenamento brasileiro. Revista do Instituto de Direito Brasileiro, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Portugal, ano 1 (2012), nº 2.

 

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SOARES, Vinícius Vieira Ramos. A (i)legalidade da desconsideração do direito de escolha de testemunhas de Jeová quanto a tratamentos de saúde. 2016. 69f. Monografia – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

 

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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6.ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: método, 2016.