A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO DIVÓRCIO
Por Camilla Pires | 09/09/2016 | DireitoResumo
Podemos dizer que com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, mudanças foram introduzidas na norma constitucional, implantando dúvidas na sociedade sobre os motivos e a maneira para se chegar ao divórcio e quais formas de dissolução do vínculo matrimonial. Assim, o presente artigo tem por escopo frisar a relevância social da denominada “PEC do Divórcio”, analisando a dissolução do vínculo conjugal e apossibilidade de responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família perante a legislaçãovigente. Tem como alicerce os dispositivos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
INTRODUÇÃO
A estrutura familiar tradicional baseada no casamento sofreu inúmeras mudanças. O Código Civil de 1916, refletindo sua época, consagrava o casamento como a única entidade legitimadora do conceito de família. No entanto, com a Constituição Federal de 1988 a noção de família experimentou profunda mudança, na medida em que além do casamento, reconheceu a família monoparental e a união estável, atribuindo ao Estado o dever de proteção da entidade familiar.
Dessa forma, percebe-se que, a sociedade está em constante evolução e é sábio afirmar que o Direito nasce dos fatos sociais derivados dos conflitos nas relações humanas, que vão surgindo. Um marco importante nessas transformações é a dissolução do casamento com a nova Emenda do Divórcio.
A entidade familiar baseada no matrimônio decorre de uma relação jurídica, que gera direitos e deveres aos cônjuges, como os de fidelidade, coabitação, assistência material e imaterial e o respeito à integridade física e moral e aos direitos da personalidade do outro cônjuge, entre outros, que se coadunam em normas de conduta.
Com a recente alteração trazida pela Emenda Constitucional 66 que extinguiu a separação judicial possibilitando a dissolução do casamento exclusivamente pelo divórcio,no Congresso, juristas e doutrinadores vêm se manifestando com posicionamentosdiferentes.
A controvérsia a respeito dessa inovação gira em torno da manutenção dapossibilidade de discussão da culpa como causa para a dissolução do casamento,assim como hoje é com a separação judicial (art. 1.572, caput, do CC). Nesse sentido podemos conceituar duas correntes.
A primeira corrente entende de que não é mais necessária a comprovaçãode culpa do outro cônjuge para um requerimento unilateral do divórcio. Issoporque, os artigos que tratavam dos requisitos subjetivos para a separação judicialforam revogados.
De outro lado, temos uma segunda corrente afirmando que a culpa decorrente dos danoscausados em função da dissolução matrimonial, aindapode ser discutida, porém não maiscomo requisito para o divórcio, mas em ação indenizatória, podendo os prejuízos morais emateriais gerar a responsabilização civil. Para os adeptos a esse argumento, o melhor seria a manutenção de um sistema dualista, com esem culpa, mesmo com a aprovação da PEC do Divórcio.
Dessa forma, tendo-se em vista as controvérsias existentes acerca da “PEC do Divórcio” quanto à responsabilização ou não do cônjuge culpado, faz-se necessário um estudo específico dasobrigações e deveres decorrentes docasamento e os danos pelo seu descumprimento.
Este artigo fará uma abordagem das grandes mudanças que ocorreram apósa edição da Emenda Constitucional que mudou significativamente o Direito deFamília, extinguindo o instituto da separação judicial, principalmente na questão da discussão da culpa que determinou a dissoluçãodo casamento, e quais suasconsequências jurídicas.
1. O DIVÓRCIO
1.1.Conceito
Os povos primitivos, salvo poucas exceções, admitiam a dissolubilidade do vínculo matrimonial. O Velho Testamento do povo hebreu e o Código de Hamurábi facultavam o divórcio ao marido e à mulher. O Código de Manu declarava repudiável a mulher que se mostrava estéril, durante oito anos de casada. Na Grécia antiga, a esterilidade foi também justa causa do divórcio. Em Roma, nos primeiros tempos, não se praticava o divórcio. No império, à medida que a opulência romana foi suscitando a dissolução dos costumes, o divórcio generalizou-se e atingiu todas as classes. No início, somente o marido tinha a faculdade de repudiar a mulher. Depois, admitiu-se que o divórcio tivesse lugar pelo mútuo consenso, ou pela vontade de um só dos cônjuges.[1]
A força da Igreja, notadamente a Católica, influenciou sobremaneira a disciplina normativa do casamento na sociedade ocidental e, em especial, a brasileira.Assim, o casamento seria considerado um pacto submetido às regras do Direito Natural, como uma consequência de preceito divino.
Nessa fase, havia apenas o desquite, instituto de influência religiosa, que gerava apenas a dissolução da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo conjugal, e a impossibilidade jurídica de contrair formalmente novas núpcias, o que somente gerava “famílias clandestinas”, destinatárias do preconceito e da rejeição social.[2]
Em 1977, com o advento da Lei n. 6.515, amparada pela Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, foi dada nova redação ao § 1.º do art. 175 da Constituição Federal vigente à época, para admitir que o “casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos”.
Mais tarde, a Constituição Federal de 1988, trouxe uma nova reviravolta no sistema, uma vez que, consolidou-se o divórcio direto, aperfeiçoando a tíbia previsão da Lei n. 6.515/77, sem extinguir, porém, o divórcio indireto (decorrente da conversão da separação judicial).
Nesse momento, contudo, o divórcio direto, começou a ser aceito expressamente no texto constitucional, com eficácia imediata, tendo por único requisito o decurso do lapso temporal de mais de dois anos de separação de fato.[3]
Esse sistema vigorou até a entrada em vigor da nova Emenda do Divórcio, a qual trouxe, para o sistema, modificação de grande impacto, uma vez que,a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição, inclusive na modalidade de requisito voluntário para conversão ao divórcio.
Modificou, também, o lapso temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto por mútuo consentimento dos cônjuges, quanto litigioso.Contudo, tem-se uma mudança inovadora sobre o tema, em que poder estatal busca afastar da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante.
Nesse contexto, hoje, o divórcio é hipótese de extinção voluntária do casamento que importa no rompimento do vínculo matrimonial, em caráter definitivo. Sua ocorrência depende exclusivamente do interesse dos cônjuges (CC, art.1.581).
Assim, diz-se que o divórcio é medida jurídica, obtida pela inciativa das partes, em conjunto ou isoladamente, que dissolve integralmente o casamento, atacando, a um só tempo, a sociedade conjugal (os deveres recíprocos e o regime de bens) e o vínculo nupcial formado (ou seja, extinguindo a relação jurídica estabelecida), desde que atendido o requisito exigido pelo Texto Constitucional.
Trata-se, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, de uma forma voluntária de extinção da relação conjugal, sem causa específica, decorrente de simples manifestação de vontade de um ou ambos os cônjuges, apta a permitir, por consequência, a constituição de novos vínculos matrimoniais.[4]
Importante observar que, embora desconstitua o vínculo jurídico desde o trânsito em julgado da sentença que o pronuncia, o divórcio só produzirá efeitos perante terceiros depois que a sentença for registrada.
O divórcio é direto potestativo extintivo, podendo qualquer um dos cônjuges a qualquer tempo, encarecer o divórcio, submetendo-se, tão somente, à sua própria vontade (voluntas dovorcicandi). É caracterização do princípio constitucional da facilitação da dissolução do casamento, garantindo que casar e não permanecer casado seja o verso e o reverso da mesmíssima moeda.[5]
1.2.Emenda Constitucional 66/10
A Emenda Constitucional n. 66/2010, conhecida como “PEC do Divórcio”, alterou a redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, excluindo de seu texto a exigência, para o divórcio, do requisito temporal e da prévia separação.
A referida alteração resultou de proposta elaborada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM, apresentada em 2005 pelo Deputado Antônio Carlos Biscaia (PEC n. 413/2005) e reapresentada em 2007 pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PEC n. 33/2007). A redação inicialmente era assim estabelecida: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”.[6]
Ocorre que, a Câmara dos Deputados, extinguiu a parte final do §6º do art. 226 da Carta Magna, passando a constar, a seguinte redação:“§ 6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Tratou-se assim, de inovadora mudança a respeito do referido tema, uma vez que,o Estado buscou afastar da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante.
Cabe ressaltar que, essa Emenda passou a ter eficácia imediata e direta, afastando-se a possibilidade de eventuais limitações futuras, que poderiam advir de lei ordinária. Dessa forma, a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição, inclusive na modalidade de requisito voluntário para conversão ao divórcio.
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