A QUEM INTERESSA O QUE E POR QUE

            O ser humano busca, invariavelmente, o que considera o bem para si em dado momento, lugar e circunstâncias mesmo que esse bem almejado  resulte em prejuízos para si ou para os outros.

          A maioria das pessoas acredita na veracidade parcial desta afirmação que é aquela que diz respeito à busca do próprio bem mesmo que em prejuízo dos outros (estranhos). Mas acha totalmente contraditório e inverossímil afirmar que alguém possa querer o seu próprio bem de forma que resulte em prejuízos para si. Tal crença provém de uma análise superficial de nossas próprias atitudes e também da mentalidade adquirida através da herança cultural. Essa mentalidade estabelece, por exemplo,  que nas situações em que os pais fazem o que se costuma denominar de "sacrifício em prol dos filhos", eles o fazem pensando e  visando o bem destes e não o próprio bem. E se nos perguntarmos porque eles visam o bem destes, a resposta popular esperada é a de que isso se dá por amor.

          Apesar desta resposta ser tida, pela maioria,  como satisfatória, quando se pretende aprofundar esta investigação, torna-se inevitável questionar por que o amor leva os pais a se sacrificarem por seus filhos.

          Não há como discordar de que o amor é um sentimento e sentimentos se desenvolvem em razão dos vínculos hereditários, sexuais e emocionais. No caso exposto temos, primeiramente, uma ligação hereditária e depois uma ligação emocional (estabelecida no ato de se conhecer os filhos) que irá se intensificar através da convivência resultando no sentimento (amor).

         Em resumo, o amor dos pais é um sentimento resultante de uma ligação hereditária e de uma ligação emocional revivida e intensificada constantemente através da convivência.

         Naturalmente, existem pais em que o componente da hereditariedade está ausente (como nos casos de adoção) o que faz com que este tenha um caráter menos relevante. Basta que se desenvolva a ligação emocional e a convivência para que o sentimento se constitua na maioria das vezes.

         Ligar, conforme definição do dicionário, é unir ou juntar uma coisa com outra ou várias coisas entre si. E quando se junta, cria-se uma extensão. Segue-se desta observação que os filhos para os pais, quando se estabelece a ligação afetiva mencionada, tornam-se uma extensão deles mesmos.

        A partir daí, tudo o que exercer efeito negativo sobre os filhos, também exercerá efeito negativo sobre os pais mas de acordo com o amplo espectro das variações do vínculo afetivo estabelecido que difere de pessoa para pessoa sendo que, quanto mais intenso for este vínculo maior será o efeito causado nos pais. Assim, os pais tentam evitar que algo tenha efeito negativo sobre os seus filhos porque isso repercute negativamente sobre eles o que os faz se sentirem mal e eles não querem aquilo que se configura como maléfico para si. Portanto os pais, ligados afetivamente aos filhos, querem que estes se sintam bem com o intuito de alcançarem seu próprio bem. Em outras palavras, os pais buscam o próprio bem ao querer o bem dos seus filhos mesmo tendo prejuízos.

         Por outro lado, também, buscam o seu próprio bem quando a ligação afetiva com seus filhos é menos intensa ou inexistente e daí querem se ver livres destes filhos ou desejam-lhes o mal. Tal princípio é válido para todo ser humano, com cérebro funcional, em qualquer situação em que possa escolher ou decidir.

        O deprimido, por exemplo, que recusou tratamento e posteriormente se suicidou, encontrou alívio no suicídio ou o bem para si, naquele momento, porque na recusa do tratamento fica evidente que ele não o considerou benéfico para si devido ao seu estado mental que de certo modo o agradava já que não se esforçou para alterá-lo.

        Também buscou o próprio bem aquele deprimido que mesmo sem usar medicamentos, conseguiu modificar o seu estado mental através da atividade física. Este, ao contrário daquele, considerou o seu estado mental como sendo nocivo para si e resolveu modificá-lo para atingir um estado mental que lhe fosse benéfico ou seja: buscou o bem para si através da alteração do estado mental que lhe fazia sofrer, porque o sofrimento não lhe era prazeroso ou conveniente como o era para o deprimido do primeiro exemplo.

        O que se depreende  destes exemplos é que num deles o sujeito escolheu e decidiu permanecer naquele estado mental involuntário e no outro escolheu e decidiu modificar o seu estado mental involuntário para um estado mental voluntário.

        Tanto em um caso como no outro, houve escolha e decisão o que significa que estas são as condições imprescindíveis para que se constitua a busca pelo próprio bem. Obviamente toda  escolha e decisão está restrita a um certo número de alternativas. Não posso, por exemplo, decidir voar como um pássaro se para a nossa espécie não existe esta opção. No entanto, se a um condenado à morte lhe fossem oferecidas duas opções de execução, sendo a primeira a cadeira elétrica e a segunda o fuzilamento e se ele optasse pelo fuzilamento, também neste caso, estaria buscando o seu próprio bem uma vez que pôde escolher e decidir.

        Outra coisa que devemos considerar é que o estado mental pode ser momentâneo ou duradouro e mais ou menos intenso. A raiva e a tristeza são estados mentais momentâneos que adquirem maior ou menor intensidade de acordo com a propensão constitutiva individual e com a situação vivida. Já o ódio é um estado mental duradouro e voluntário, resultante da intensificação da raiva dada através da memória das situações vividas e da concentração do pensamento naquilo que foi vivido e que é objeto da raiva. A melancolia também é um estado mental duradouro e voluntário só que provém da intensificação da tristeza, que é dada através da memória das situações vividas e da concentração do pensamento naquilo que foi vivido e que é objeto da tristeza.

        Os nossos constituintes internos ou genéticos, que nada mais são do que variações individuais dos constituintes da nossa espécie e que nos dão um tipo de temperamento particular, somados aos constituintes externos, provenientes do meio ambiente, tanto natural quanto social no qual cada um está inserido e também a memória e o pensamento das situações vividas, é que produzem nossos estados mentais já descritos.

        Apesar de comportamentos como o egoísmo e o altruísmo; a pacificidade e a biliosidade; a bondade e a maldade; a hostilidade e a amabilidade; etc, serem manifestações do estado mental, nem sempre o comportamento apresentado corresponde ao estado mental existente. É o caso do hipócrita que se comporta de um determinado modo, mas o seu estado mental é outro. Entretanto não há estado mental em que não se busque o próprio bem.

        Mas afinal, por que buscamos o nosso próprio bem em qualquer estado mental que estivermos?

        A resposta que me parece mais satisfatória é a de que esta busca ocorre porque estamos restritos ao nosso ser e ao nosso modo de ser, pois não temos como deixar de ser nós mesmos para, literalmente, ser o outro já que só estamos em condições de sentir, pensar, querer e agir sendo nós mesmos.

        O que sentimos trata-se do nosso modo particular de sentir; o que pensamos é nosso modo de pensar; o que queremos é nosso modo de querer e o que fazemos é nosso modo de fazer sendo que tudo que fazemos é pelo que sentimos, pensamos e queremos em dado momento, lugar e circunstâncias.

         Quando sentimos compaixão e tentamos fazer algo pelo objeto de nossa compaixão, fazemos pelo que sentimos e não pelo objeto propriamente, porque se nada sentíssemos, nada faríamos. Então fazemos para o nosso próprio bem.

       É da incompletude do nosso ser que procedem as nossas mais diversas necessidades de natureza física, psicológica e intelectual as quais nos possibilitam sentir e continuar sentindo; querer e continuar querendo; pensar e continuar pensando; agir e continuar agindo.  Daí advém o motivo que nos leva a agir em prol de nós mesmos e pelo qual todos os nossos atos se resumem em autopreservação, autoconstrução, autoperpetuação e autorrealização. A conservação do próprio organismo, por exemplo, tem relação com a autopreservação; a formação física, psicológica e intelectual tem relação com a autoconstrução; a procriação e a constituição de um legado material e/ou intelectual, tem relação com a autoperpetuação e a busca de autonomia e de prazeres e desejos sensoriais, emocionais, sentimentais, intelectuais e sociais - almejados pela pessoa - tem relação com a autorrealização.

       É certo que estas distinções visam apenas facilitar a compreensão uma vez que não é possível distinguir com precisão onde começa ou termina uma coisa ou outra. Se pensarmos, por exemplo, na autopreservação veremos que sob determinado ponto de vista ela também não deixa de ser autoperpetuação, autoconstrução e autorrealização e assim sucessivamente.

        Simplificando o que foi dito, podemos dizer que:

       Somos seres cuja incompletude gera necessidades de natureza física, psicológica e intelectual, as quais possibilitam a continuidade do nosso ser que é sensação, pensamento, querença e ação, que somados às condições do meio produzem nossos estados mentais, os quais nos levam a agir em prol daquilo que consideramos benéfico para nós mesmos em dado momento, lugar e circunstâncias.

       É inescapável a busca pelo próprio bem nas condições já citadas, mesmo sem ter pensado a respeito e mesmo que tenhamos pensado e discordado por dissabor ou por apego obstinado a uma ideia, porque este dissabor e esta obstinação provém de estados mentais que relutamos em alterar quando nos fazem bem.

        Embasados nestes esclarecimentos nos colocamos em condições de verificar a imensa variedade de interesses envolvidos nas interações humanas.

       Na verdade, o interesse deve ser considerado como um tipo e necessidade psicológica e/ou intelectual oriunda de nossa interação com o meio, onde a imaginação e o pensamento são os agentes promotores do aumento ou diminuição de sua relevância.

      Ao buscar o próprio bem, é natural que as pessoas apresentem interesses convergentes e divergentes e que se unam para facilitar a obtenção de seus respectivos interesses. Amizades, grupos, associações e instituições resultam da convergência de interesses. Inimizades, discórdia, desunião e violência resultam da divergência dos mesmos. Onde há maior convergência de interesses, predominam estes interesses. Por isso o tipo de humanidade de cada época representa os tipos de interesses predominantes. Todavia nem sempre a predominância de certos interesses, na humanidade em dada época, converge para o bem da humanidade independente da época.

      A escravidão, por exemplo, foi uma prática exercida por grande parte dos povos em diversos períodos históricos a ponto de poder dizer-se que este interesse predominou na humanidade de determinadas épocas. Contudo, ela certamente, não convergiu para o bem da humanidade. Por outro lado o movimento abolicionista, iniciado durante o iluminismo no século XVIII e que tinha propósitos humanistas, só surtiu efeito devido à predominância de interesses menos nobres pois, com a chegada da revolução industrial, muita mão de obra passou a ser substituída por máquinas. Além disso, o que era produzido precisava ser consumido e para haver consumo seria necessário dinheiro, coisa que só o trabalhador assalariado e não escravo poderia ter.

       Vejamos alguns interesses predominantes no mundo moderno e a quem interessam ou beneficiam:

        1 - A quem interessa ou beneficia o crescimento desenfreado da produção automobilística?

       Só para citar alguns exemplos, já que a cadeia é grande, interessa e/ou beneficia as indústrias siderúrgicas; os produtores de borracha, vidro, tinta, plástico, materiais elétricos e eletrônicos; as indústrias produtoras e revendedoras de combustível; as construtoras de estradas; a polícia rodoviária para aplicar mais multas; o governo por arrecadar mais impostos; os produtores rurais porque as pessoas envolvidas no processo precisam se alimentar;  interessa e/ou beneficia também as redes de supermercados, lojistas, funerárias , construtores de túmulos e fabricantes de caixões já que a interação humana através de automóveis aumenta o número de mortes decorrentes dos acidentes; os cirurgiões porque farão mais cirurgias; também os dentistas, produtores de próteses, oncologistas porque haverá mais câncer de pulmão; advogados e juízes porque terão mais processos; os engenheiros, projetistas, etc. Porém a predominância desses interesses não converge para o bem da humanidade, porque promove um demasiado crescimento econômico, que cria a mentalidade consumista e a falsa ideia de que prosperidade é sinônimo de inteligência e de bem estar; estimula a procriação excessiva e contribui para o decréscimo qualitativo da formação cognitiva, social e cultural do indivíduo. A ascensão do populismo em quase todo o mundo, é uma consequência direta do estado mental desencadeado por estes interesses econômicos.

        Visando o bem maior da humanidade o correto seria criar mais transportes coletivos, quer sejam rodoviários ou ferroviários, porque esses transportes diminuem as possibilidades das interações lesivas entre os seres humanos; geram uma cadeia econômica menor o que diminui a necessidade de constante criação de empregos e, consequentemente, reduz o crescimento demográfico; também proporcionam maior tempo livre às pessoas durante o trajeto, o qual pode ser usado para leitura, estudo, reflexão ou qualquer outra atividade de lazer do gosto pessoal.

         2 - A quem interessa ou beneficia o crescimento da violência?

        Interessa ou beneficia todos cuja profissão depende de alguma relação com ela como é o caso dos policiais e fabricantes de armas; do sistema judiciário; dos proprietários de cemitérios e funerárias; dos coveiros; das emissoras de tv; dos médicos, psicólogos, companhias de seguro, penitenciárias, carcereiros, etc.

       3 - A quem interessa ou beneficia a ignorância?

       Interessa ou beneficia os advogados, juízes, pastores, padres, políticos, psicólogos, estelionatários, formadores de opinião, publicitários, governos autoritários, etc.

        4 - A quem interessa ou beneficia a burocracia?

        Aos governos ditatoriais, principalmente os de ideologia marxista, porque o aumento da burocracia promove o crescimento do Estado, inibe a iniciativa privada, afasta o investimento estrangeiro e em caso de falência, facilita a apropriação pelo Estado dos bens privados sem o uso da força.

        5 - A quem interessa ou beneficia o desarmamento da população civil?

       Também aos governos marxistas, porque o desarmamento desmotiva a insurgência em caso de descontentamento da população com o regime.

        6 - A quem interessa ou beneficia a propagação da religião?

         A todos aqueles que de algum modo tiram o seu sustento da mesma como os padres, bispos, cardeais, pastores, rabinos, monges, imãs, etc.

         7 - A quem interessa ou beneficia a obsolência dos produtos industrializados?

         Àqueles que pretendem vender mais dos seus produtos e expandir os seus negócios.

          8 - A quem interessa ou beneficia o descontrole da natalidade?

         A todos os citados, porque quanto maior for o numero de nascimentos, maior será o número de consumidores, clientes, pacientes, vítimas, adeptos, discípulos, funcionários públicos, etc, que auxiliam no crescimento econômico mas não, necessariamente, na qualidade do mesmo.

         Se as políticas de desenvolvimento econômico fossem voltadas para o bem atemporal da humanidade e não para o bem da capitalismo ou do repugnante, utópico e imbecilizante comunismo, a primeira medida a ser tomada seria o controle de natalidade para se obter um desenvolvimento mais prudente, satisfatório e na sequência o pagamento de salários adequados para que todos pudessem dar cumprimento ao seu dever primário de cidadão de satisfazer suas necessidades e interesses básicos tais como alimentação, saúde, moradia e lazer modesto. Provavelmente, isso produziria um menor desenvolvimento econômico, mas ganharíamos em qualidade e progresso. Afinal, todo progresso tecnológico e científico que tem ocorrido deve-se a um número insignificante de pessoas de qualidade, se comparado com o número de indivíduos do planeta.

         Cabe, portanto, a nós decidirmos hoje ou em qualquer momento futuro, se desejamos um crescimento quantitativo ou qualitativo da humanidade.