Resumo: 

Este artigo se propõe a falar de maneira simples sobre a clínica gestáltica com crianças, sempre tentando elucidar os pontos mais importantes da abordagem trabalhados no aqui e agora no relação do indivíduo com o meio em que vive, no qual formará sua personalidade e consequentemente suas atitudes. Fizemos também um breve histórico acerca da condição da criança ao longo dos anos e como o “brincar” se tornou essencial para a prática clínica, ajudando o terapeuta a descobrir por meio de ressignificações o que as crianças estavam tentando representar. Abordaremos a importância da família e o papel do terapeuta nesse processo de busca de resolução do problema bem como a importância do aprendizado pela criança dessas atitudes novas ou ajustamento criativo.

Palavras chave: infância – Gestalt - Psicoterapia

Abstract

This article proposes to speak in a simple way about the gestalt clinic in children, always trying to elucidate the most important points of the approach is that the individual's relationship with the world in which form your personality and consequently their attitudes. We also do a brief history about the child's condition over the years and how the "play" has become essential for clinical practice, helping the therapist to discover new meanings through what the kids were trying to represent. Also addressed the importance of family and the role of the therapist in this process of seeking of solving the problem and the importance of learning by the child of these new attitudes through their own reflection, for they do not reoffend before the same problems.

Keywords: childhood - Gestalt - Psychotherapy

Introdução

Os estudos que se iniciaram com Anna Freud a respeito do fazer psicológico em crianças se tornaram essenciais para entendermos melhor a infância e sair dessa ideia de que a criança é um ser frágil que precisa de proteção. Obviamente essa etapa requer uma atenção especial e uma série de ensinamentos se mostram necessários para que não haja uma absorção de condutas errôneas, visto que a crença está sempre aprendendo tudo o que vê, julgando atitudes dos adultos como certas ou erradas e trazendo para o seu modo particular de agir.

Anna começou seus estudos a partir dos escritos de seu pai, Sigmund Freud, e conseguiu ir muito além disso no que se refere principalmente a criança, dando o pontapé inicial para posteriores estudos dentro da Psicologia em diversas abordagens para tentar entender diversos porquês de comportamentos apresentados nessa fase do desenvolvimento.

Neste estudo que desenvolvemos aqui, vamos tratar da criança como um ser humano em formação, não como um ser incompleto por se apresentar nessa fase de desenvolvimento, visto que o ser humano por estar dentro de uma sociedade que está sempre se atualizando, é por si só, um ser incompleto, e sempre será. Nossa tentativa aqui será a da tentar contextualizar a criança como indivíduo dentro de uma determinada sociedade que vive sob determinados paradigmas que irão compor uma forma de pensar e de se comportar.

O terapeuta nesse sentido, vai ter que assumir um aspecto de antropólogo, pois o psicólogo que trabalhará com essas crianças não poderá estar alheio aos aspectos que compõe o seu sujeito de trabalho. A escola, os pais, o comportamento com os amiguinhos da rua em que mora, as instituições que frequenta, enfim, tudo o que faz o ser humano se transformar na relação que ele estabelece com o mundo é a grande preocupação do estudo gestáltico na clínica, sem ainda se desvincular dos aspectos biológicos e físicos de cada sujeito, é realmente um olhar transversal e não particular que nos preocupamos em trabalhar.

A criança é um ser humano em uma determinada etapa de vida e que tem uma forma peculiar de ver o mundo, por isso, trabalhar com elas e em prol delas, é assumir uma responsabilidade de tentar ver o mundo resgatando a criança que o terapeuta tem dentro de si para melhor compreender o mundo infantil, sem, contudo, assumir esse lado para que não se confunda com os sentimentos da criança e o objetivo terapêutico acabe se perdendo.

O estudo relacionado a essa etapa do desenvolvimento na clínica, requer uma postura profissional diferente do adulto onde muitas vezes procurará uma forma diferente de entender o problema (seja por meio de uma atividade lúdica ou não) que está causando um determinado comportamento dito como patológico pela família dessa criança. O profissional precisa entender que a forma de se comunicar de uma criança é diferente do adulto que simplesmente fala livremente sobre o que lhe está causando um transtorno.

A criança muitas vezes pode apresentar resistências como medo ou falta de confiança e dificultar o processo terapêutico, por isso, os desafios são grandes, mas que se descobertos, tem resultados incríveis.

A Gestalt terapia e a Teoria do desenvolvimento

É comum estudarmos em Teoria do desenvolvimento humano as etapas da vida dos sujeitos, que são divididas didaticamente para uma melhor compreensão destas em um processo contínuo e permanente, e por nunca parar, é que os Gestalt terapeutas tem como opinião comum, que o processo de desenvolvimento não pode ser reduzido a simples observação comportamental, mas sim, de tentar ver o humano em um modo holístico.

O mundo e os sujeitos mudam continuamente, e não há como excluir um do outro, eles estão em constante processo de maturação e interligados entre si. Uma criança não amadurece apenas fisicamente ou neurologicamente, por exemplo. A medida em que isso vai acontecendo, sua capacidade de pensamento também irá se desenvolvendo, sua linguagem se aperfeiçoa e inclusive a imagem que ela desenvolve de si mesmo vai sofrendo pequenas alterações podendo inclusive formar alguns juízos de valor sobre o meio em que está inserido ou as pessoas que nele convivem.

A criança não cresce sozinha, isolada do meio social, a família é o maior contato com outros indivíduos que um sujeito possui durante os primeiros anos de vida, por isso, essas pessoas são as principais responsáveis por tudo o que a criança “toma para si” durante o desenvolvimento da sua auto-imagem e formação do “Eu”. A criança não é um adulto em miniatura, ela também tem uma subjetividade que é a resultado da sua interação com o todo na qual está inserida.

O contato com o outro torna-se fundamental, por isso, conversar com os pais e/ou professores torna-se fundamental na visualização e posterior diagnóstico do que levou os pais ou responsáveis a buscar ajuda de um profissional.

“As sessões com a família são o momento de processo terapêutico em que podemos exercitar a comunicação autêntica, investigar o nível de confluência, os papéis designados e assumidos (as projeções), procurando articulações com as necessidades insatisfeitas, os introjetos (alguns mitos familiares), as mensagens implícitas e os bloqueios do contato representativos da dinâmica familiar e da criança.” ( ANTOHONY 2010)

 

Essas sessões oferecerão uma visão ampla e rica dos momentos familiares, o que pode acabar sendo desconfortável para alguns dos envolvidos, pois alguns dos indivíduos que estão presente, apesar de ser fundamental para a descoberta do problema e o posterior diagnóstico, podem estar fazendo contra sua vontade, exigindo desse profissional uma postura principalmente dialógica para que tudo o que ocorra no momento seja algo que facilite o processo, e não o contrário.

Deixar as pessoas o mais à vontade possível com as situações é fundamental para a coleta de dados por parte do terapeuta que precisam coletar dados que algumas vezes podem demorar um pouco a aparecer, algumas vezes é necessário inclusive deixar a clínica e ir a escola para conhecer o outro ambiente de convívio da criança que também é um ambiente com pessoas que fora a família são fundamentais para compor parte da personalidade do sujeito, suas crenças, valores, preconceitos e outros aspectos que compõem o todo familiar.

Se existe uma teoria do desenvolvimento onde a infância, que é parte desse processo de desenvolvimento humano também é estudada e muito se sabe teoricamente sobre esta etapa, por que existem queixas dos pais? O que deu errado visto que se existem observações e reflexões feitas anteriormente, bastaria seguir uma espécie de manual para conduzir ou “criar” esses indivíduos?

É esse reducionismo que queremos evitar, pois se já existem fatos esperados para que se aconteça em cada etapa da vida do sujeito, porque os pais levam seus filhos cada vez mais a procurar as clínicas psicológicas? Simples, porque não somos prontos, e por mais que existam fatores biológicos e acontecimentos inevitáveis, não somos sujeitos acabados e estáticos no tempo, sofremos mudanças e nos adaptamos para conviver com elas.

As mudanças no mundo faz com que a criança também necessite ajustar-se criativamente, o que ocasionará sua forma de estar e se relacionar com o mundo. Como nem todos respondem aos acontecimentos de modo igual, as reações e respostas a essas mudanças no mundo podem ser mais ou menos satisfatórias, mas sempre sendo uma busca pelo equilíbrio com o mundo, é aí que muitas vezes surgem os sintomas que levam os pais a buscar ajuda.

Como a criança está exalando aquilo que conseguiu apreender do mundo ao seu redor, conclui-se que um rearranjo do todo poderá ocasionar uma melhora do que levou a ocasionar um determinado sintoma, seja pela aquisição de novos elementos, pelo desenvolvimento de habilidades ou mesmo pela ressignificação de contextos, é que se acredita que a criança possa mudar e “se curar”, afastar algo insatisfatório.

Visto que a criança nem sempre se expressa verbalmente para falar de seus problemas, é preciso explorar outras alternativas que podem apresentar o significado na qual o terapeuta deverá captar e ressignificar. Essa alternativa vem, muitas vezes por meio de brincadeiras e atividades lúdicas, onde até mesmo o diálogo entre duas bonecas, a bronca que a criança dá para seu ursinho de pelúcia, o desenho, a pintura, entre outras possibilidades, está cheio de ensinamentos e lições que ela capta do mundo ao seu redor, e transmite dentro de seu próprio mundo, daquilo que ela consegue ter autonomia e dominar.

Um breve panorama histórico acerca da infância

Nem sempre foi dado essa atenção em especial a infância, antes, esta etapa da vida era vista apenas como uma mera passagem para a vida adulta, foi apenas no início do século XVII que a criança começou a ser vista como criaturas com necessidades específicas, e principalmente com o advento da Revolução industrial e também o desenvolvimento da sociedade capitalista, onde as crianças começaram a passar mais tempo sozinhas, foi que se desenvolveu a expressão “Família nuclear” onde os laços afetivos entre os membros da família se estreitaram bastante, foi que surgiu uma concepção diferente de infância da que se tinha na Idade Média.

Durante o período medieval, o importante era que a criança pudesse crescer rapidamente para que participasse das atividades laborais que muitas vezes se davam a partir dos sete ou oito anos de idade e a concepção de família era totalmente diferente:

“A família não podia portanto, nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. Isso não significa que os pais não amassem seus filhos: eles se ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental. No caso de famílias muito pobres, ela não correspondia a nada além da instalação material do casal no seio de um meio mais amplo, a aldeia, a fazenda, o pátio ou a “casa” dos amos e senhores, onde esses pobres passavam mais tempo do que em sua própria casa (às vezes nem ao menos tinham uma casa, eram vagabundos sem eira nem beira, verdadeiros mendigos). Nos meios mais ricos, a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, a honra do nome. A família quase não existia sentimentalmente entre os pobres, e quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem”. (ARIES 2006)

Com o surgimento do Capitalismo a concepção de família mudou e a criança começou a ser pensada como um indivíduo que precisa ser preparado para o trabalho da indústria, da ciência e do trabalho assalariado. Assim, aos poucos, com os adventos históricos e sociais, chegamos a concepção de criança que temos hoje onde a criança está atrelada a um momento histórico, político e econômico.

Estudar o “universo infantil” e as particularidades que o envolvem possibilitou uma série de conhecimentos desenvolvidos nas mais diversas áreas ao longo dos anos. O modo como as crianças se relacionam com o mundo e os componentes biológicos, sociológicos e psicológicos que o compõem vem auxiliando as mais diversas áreas que trabalham com esse público.

 

A Ludoterapia: O brincar como forma de comunicação e transmissão de mensagens na infância.

Na década de 20, Melanie Klein trouxe a contribuição do brincar para a Psicanálise e mais tarde essa técnica foi também fundamental para a Gestart terapia, mas, primordialmente, foi desenvolvida pela dificuldade que se tinha das crianças fazerem associações livres. A autora percebeu que por meio das atividades lúdicas, as crianças poderiam representar simbolicamente situações imaginadas por elas e assim extrair o significado dessas brincadeiras.

As atividades lúdicas, por constituírem o modo particular das crianças se expressarem pode e deve ser usada pelo terapeuta para estabelecer vínculos com a criança, pois nunca se sabe a reação que ela pode apresentar em um primeiro contato, e ao se reportar ao mundo dela em particular, o profissional vai ganhando confiança e passando para ela a confiança e o acolhimento necessários para que aos poucos ela vá “se abrindo” sem que situação alguma seja forçada, assim, complemento com as palavras de Aguiar:

“… é importante destacar que o psicoterapeuta não tente seduzir a criança, se ela se negar a entrar na sala de atendimento. Não deverá fazer promessas, nem tampouco agir como “animador de festa”, pois a decisão de entrar para a sala de atendimento deverá ser da criança. (AGUIAR, 2005)

Com isso, é normal que algumas crianças em alguns momentos apresentem resistências e se recusem a falar dos conflitos vivenciados por elas. Gostar de criança é fundamental para que esse processo ocorra de modo tranquilo e empático, facilitando as relações estabelecidas entre terapeuta e criança, sem com isso esquecer o papel da família para que não se desvincule do contexto geral, que é a grande proposta da Gestal terapia, a harmonia com o todo que compõe o sujeito, ou melhor, a criança.

O brincar está vinculado diretamente aos fatores sociais que compõem o meio que a criança está inserida, por isso, mesmo que a brincadeira possa parecer inocente, por trás dela pode esconder algum significado que está conectado ao sintoma e que ela coloca na prática lúdica de modo criativo, suas regras e seus padrões apreendidos social e historicamente.

Sendo assim, a abordagem existencial e fenomenológica que tem como pressupostos teóricos básicos a teoria de campo e a teoria organísmica, devem enfatizar os processos de percepção e interação com o meio para saber como esse sujeito se autorregula e se organiza com o todo social e consequentemente estabelecendo relações com os indivíduos e como meio. Fica claro então que esta é uma abordagem do contato, e que por isso, quanto maior a relação do terapeuta com a criança, melhor será aproveitado e espaço terapêutico como um “catalisador” de potencialidades.

A terapia gestáltica, como expressam Rodrigues e Nunes (2010), tem como“objetivo principal auxiliar a criança a tomar consciência de si mesma e da sua existência em seu mundo.” Um dos grandes desafios de hoje talvez seja no que utilizar para as brincadeiras, visto que nossa sociedade usa de meios como o videogame, a televisão e outros meios de entretenimento que inviabilizam o brincar como atividade criativa que trabalhe suas potencialidades e criticidades, e como chegar ao seu mundo mostrar outros meios para as crianças na clínica ajuda a chegar a um determinado diagnóstico, mas sem que essa forma se distancie muito do que a criança gosta de fazer para que ela possa ficar bem à vontade.

Após a identificação da atitude não saudável apresentada pela criança, que poderá ser demonstrada das mais diversas maneiras, esse comportamento deve ser explicado aos pais e a escola   para que se haja uma observância em relação ao caso e ao que ocasionou o problema e assim uma proposta de tratamento eficaz para a criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto tempo será levado até que se descubra a causa de um problema apresentado pela criança? Quanto a isso não se pode afirmar nada, cada organismo tem uma maneira de reagir a mudanças e a acontecimentos no seu dia-a-dia, é por isso que o terapeuta só pode dizer com mais tranquilidade e usando de determinados artifícios, aos pais, a partir do momento em que ele apresenta a quantidade de informações possíveis sobre tudo o que permeia o quotidiano dessa criança, ele não pode fazer especulações ou achismos, é preciso adentrar e conhecer afundo o terreno sobre o qual ele está caminhando.

É papel do terapeuta expressar-se devidamente com os pais ou responsáveis para que haja uma sensibilização destes na caminhada psicoterapêutica, sendo importante ressaltar como a criança está se sentindo e como os pais podem contribuir no processo de crescimento e mudanças de atitudes, podendo inclusive, a criança estar presente durante esse feedback, vai depender se ela se sente ou não a vontade de participar deste momento.

Podemos dizer que a partir do momento em que a criança leva para si e começa a praticar por vontade própria, tudo o que aprendeu no processo psicoterapêutico, pode-se dizer que o trabalho do profissional encontra-se encerrado, sem contudo, esquecer que o aprendizado é um processo constante, e que a criança nunca está livre de novos incidentes que porventura venham acometê-la, pois ela é e sempre será fruto de seu espaço e seu tempo.

Bibliografia

ANTONY, Sheila. A criança em desenvolvimento no mundo: Um Olhar Gestásltico. Rio de Janeiro. 2011.

OLIVEIRA, Evelyn Denisse Felix de. Um panorama do processo psicoterapêutico infantil em Gestalt-Terapia. In: Revista IGT na Rede,v.11,nº 20,2014.p.105-119.

RODRIGUES, Luzia Maria. A crinaça e o brincar. Rio de Janeiro. 2009.

RODRIGUES, Priscila e NUNES, Arlene Leite. Brincar: um olhar gestáltico. Joinville, Santa Goiânia. 2010.