Introdução
A prova é um elemento importantíssimo no processo, pois é o elemento a partir do qual o magistrado forma sua convicção acerca dos fatos presentes na causa. Porém é de relevante importância que as provas utilizadas no processo sejam lícitas, ou seja, sejam as previstas em lei, ou as moralmente legítimas (consideradas meios de prova atípico) que é admitida no direito brasileiro e são aquelas provas que não violam a moral e os bons costumes. O magistrado, por outro lado, para a formação de sua convicção não pode se valer das chamadas provas ilícitas que não são admitidas no direito brasileiro por vedação constitucional. A utilização desse tipo de prova no processo acarreta como conseqüência a inexistência jurídica da prova utilizada que se torna ineficaz para a resolução de conflitos. Falaremos sobre a prova ilícita no presente artigo, evidenciando inclusive que a proibição do referido tipo de prova não é absoluta podendo ser aceita diante de determinadas circunstâncias.


1 A prova ilícita no Direito brasileiro
A prova ilícita é vedada pela Constituição Federal no artigo 5º, LVI. Porém, o Código de Processo Civil não faz nenhuma alusão à matéria e apenas faz referência aos meios de prova admitidos em juízo, sejam os meios legais ou moralmente legítimos. O conceito de prova ilícita é vasto, segundo Eduardo Cambi é aquela prova que "contraria o ordenamento jurídico, visto pelo prisma dilatado da Constituição, que abrange tanto a ordem constitucional e a infraconstitucional quanto os bons costumes, a moral e os princípios gerais do direito" .
A prova emprestada é admitida no direito brasileiro, porém é considerada ilícita quando o processo para o qual a prova se destina não comporta o meio de prova produzido no outro processo (é o caso da escuta telefônica lícita no processo penal, contudo ilícita no processo civil, não podendo, portanto ser utilizada como prova emprestada nesse último). Alexandre Freitas Câmara ratifica esse entendimento"... a prova emprestada será inadmissível por estar sendo utilizada com o fim de se obter por via indireta aquilo que a Constituição proibiu fosse obtido de forma direta" .
Também são consideradas ilícitas as chamadas provas por derivação, conhecida também como teoria dos frutos da árvore venenosa e de acordo com tal teoria a prova é por si só lícita, mas é proveniente de outra produzida ilegalmente. Fredie Didier Jr, Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira fazem referência à matéria na seguinte passagem:
Não se pode esquecer, ainda, das chamadas provas ilícitas por derivação ? a teoria dos frutos da árvore venenosa ( fruits of the poisonous tree). A doutrina e a jurisprudência também repelem as chamadas provas ilícitas por derivação, que são aquelas em sí mesmas lícitas, mas produzidas a partir de outra ilegalmente obtida: documento encontrado após invasão de domicílio, interceptação telefônica autorizada pelo juiz com base em documento falso etc. A teoria dos frutos da árvore envenenada prega que o vício da planta se transmite a todos os seus frutos ( tem origem na jurisprudência americana). O STF se posiciona no sentido de inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação ( julgamento do HC 69.912- RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, em 16.12.1993) (2009,p.36)

A prova ilícita por derivação não propaga a ilicitude aos fatos, pois estes podem ser provados por outras provas lícitas e para que a prova derivada seja considerada ilícita é necessário que apresente um nexo natural com a primeira prova (porém este requisito não é determinante para a configuração do ilícito) sendo necessário sobretudo que apresente um nexo jurídico com a prova primitiva. Assim com a ruptura da conexão jurídica entre as duas provas há a exclusão da ilicitude da prova derivada que são exatamente os casos que Marinoni e Arenhart chamam de exceções à teoria dos frutos da árvore envenenada: "o descobrimento inevitável" e o "descobrimento provavelmente independente"

No descobrimento inevitável, se admite que a segunda prova deriva da ilícita, porém se entende que não há razão para reputá-la nula ou ineficaz...Ou seja, embora a segunda prova seja considerada derivada da ilícita, ela produz efeitos no processo. Com isso, estaria quebrando o nexo de antijuridicidade entre a prova ilícita e a prova derivada... Na exceção de descobrimento inevitável, a segunda prova é aceita como derivada, mas admite-se que ela possa produzir efeitos em razão de que a sua descoberta seria naturalmente trazida por uma outra prova. Quebra-se o nexo de antijuridicidade com base na idéia de que o descobrimento seria inevitável. Porém, na exceção de descobrimento provavelmente independente, a segunda prova não é admitida como derivada, mas como uma prova provavelmente independente, e, assim, despida de nexo causal com a prova ilícita.



2 Princípio da proibição da prova ilícita
O princípio da proibição da prova ilícita está expresso na Constituição Federal, artigo 5º, LVI que declara: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos"; Vale ressaltar que quando a Constituição se refere à prova ilícita, este conceito abrange também a prova obtida ilicitamente conforme salienta Gomes Filho:
Há quem distinga entre a prova ilícita e a prova obtida ilicitamente. Aquela seria a prova com conteúdo ilícito; esta a prova cuja colheita ou método de inserção no processo é ilícito. Considera-se, porém, que ambas estão abrangidas na vedação do art. 5º, LVI, da Constituição. .


È também comumente feito na doutrina uma diferenciação sobre o conceito de prova ilícita e prova ilegítima. Prova ilícita é toda aquela que lesa o direito material enquanto a prova ilegítima ofende o direito processual, entretanto parece certo o ensinamento de Fredie Didier Jr, Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira ao pôr um fim à questão quando afirma "... a classificação parece-nos inútil, porque pouco importa qual a natureza jurídica da regra de direito violada: a prova, nesse caso, será inadmissível no processo".
Assim tanto a prova ilícita quanto a ilegítima são vedadas do ordenamento jurídico. A prova é usada no processo para formar o convencimento do magistrado acerca dos fatos da causa e o legislador tentou, desse modo, que esses tipos de provas fossem incapazes de solucionar conflitos, conforme ressalta Marinoni: "para uma maior proteção dos direitos, é preciso negar eficácia a tais provas no processo". Nesse sentido vale também destacar a lição de Fredie Didire Jr, Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira:

Nesse sentido um dos critérios utilizados para aferir a admissibilidade ou inadmissibilidade da prova é saber se o seu conteúdo, a forma como foi obtido o material probatório ou o meio através do qual ele é inserido no processo são lícitos. (2009,p.33)


Todavia, em certos casos, a prova ilícita em si ou obtida por meio ilícito poderá ser admitida no processo em função de alguns critérios que serão debatidos no decorrer dos próximos tópicos.



3 A prova como direito do cidadão
A Constituição Federal de 1988 tem como garantias fundamentais o direito constitucional de ação e o direito á prova, em decorrência de tal direito constitucional de ação, o indivíduo pode exigir judicialmente que lhe seja dado o amparo concernente ao seu direito. Vale ressaltar o conceito de "direito de ação", que, de acordo com Ada Pelellegrini Grinover, Antônio Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, "é o direito ao exercício da atividade jurisdicional. Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo" .
O direito á prova é uma conseqüência do direito de ação. O sujeito, ao exigir que lhe seja dada uma tutela jurisdicional, precisa exibir as provas que existem antes do ajuizamento do processo e pedir a produção de outras provas possíveis. Em vista disso, pode-se tomar conhecimento e convicção da importância da prova no campo do direito processual civil, pois ela é uma forma "para que o juiz possa formar seu convencimento e decidir o objeto do processo [...] é o material com base em que o juiz formará seu juízo de valor acerca dos fatos da causa" . Diante do assunto, cabe ressaltar os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira:
No pensamento praticamente unânime da doutrina atual, não se deve reduzir o conceito de ação, mesmo em perspectiva abstrata, a simples possibilidade de instaurar um processo. Seu conteúdo é mais amplo. Abarca série extensa de faculdades cujo exercício se considera necessário, em princípio, para garantir a correta e eficaz prestação da jurisdição. Dentre tais faculdades sobressai o chamado direito à prova. Sem embargo da forte tendência, no processo contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa ? que, em regra, costuma predominar ? no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial.

O Direito à prova é um direito que está implícito na Constituição Federal, que, por sua vez, garante às partes o uso de todos os meios de provas indispensáveis à comprovação das razões alegadas condizentes aos fatos. Entretanto, é imprescindível ressaltar que tal direito não é absoluto, podendo ser reduzido quando entrar em choque com outros valores e princípios constitucionais, empregando então o princípio da proporcionalidade. Vale salientar que, nem mesmo o bem supremo protegido pela Constituição Federal, a vida, é absoluto, uma vez que há as excludentes de ilicitude, que tornam atípica a violação a tal direito.
Assim, observa-se que a regra de proibição do uso da prova ilícita não deve ser utilizada de maneira absoluta, ou seja, quando sua utilização reproduzir uma transgressão a um direito fundamental que se manifeste mais relevante que a norma em estudo. Dessa forma a prova ilícita deve ser acolhida, visando proteger tais direitos. Destarte, à vista de um conflito entre o valor que o direito à prova tem por fim resguardar e valor protegido pela proibição da prova ilícita, o juiz deverá empregar o princípio da proporcionalidade, a fim de ponderar os interesses e tomar conhecimento de qual deles deverá prevalecer no caso concreto. Nas palavras do jurista Paulo Bonavides:
A vinculação do principio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganhar extrema importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quantos outros princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da igualdade.



4 A prova ilícita e o princípio da proporcionalidade
Desde a publicação da Constituição Federal de 1988, vem se tornando maior e mais relevante a discussão acerca da aplicabilidade da regra contida no artigo 5º, LVI da Lei Maior, que aborda a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos. É em tal contexto que desponta o princípio da proporcionalidade, que pode invalidar qualquer meio probatório ilícito, ou, considerar válida qualquer atividade probatória. O princípio da proporcionalidade, ao contrário da maioria dos outros princípios, encontra-se implícito em nosso ordenamento constitucional, podendo ser analisado no artigo 5º, parágrafo segundo, entre outros dispositivos da Carta Magna.
Importante ressaltar que os princípios constitucionais explícitos e implícitos possuem o mesmo grau de autoridade, ou seja "A vinculação aos princípios implícitos é a mesma que aos explícitos, por isso, desconhecê-los é tão grave quanto desconsiderar quaisquer outros princípios. São fundamentais ao sistema jurídico, daí porque o margeiam inteiramente" .
Como enfatizado anteriormente, não apenas a proibição do uso de prova ilícita é garantia constitucional, mas também o direito à prova compõe tal garantia. Logo, pode surgir um choque ente princípios constitucionais, de um lado o direito à prova, e de outro o princípio da proibição da prova ilícita. Ocorrendo tal conflito, é necessária a utilização de mecanismos para equilibrar os interesses, dando importância àquele que tutela um bem jurídico mais importante, aplicando, então, o princípio da proporcionalidade. Ada Pellegrini argumenta que:
Outra tendência que se coloca em relação às provas ilícitas é aquela que pretende mitigar a regra de inadmissibilidade pelo princípio que se chamou, na Alemanha, da ?proporcionalidade? e, nos Estados Unidos da América, da ?razoabilidade?; ou seja, embora se aceite o princípio geral da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos, propugna-se a idéia de que em casos extremamente graves, em que estivessem em risco valores essenciais, também constitucionalmente garantidos, os tribunais poderiam admitir e valorar a prova ilícita.

O direito à prova, de certa forma, encontra-se limitada validade dos meios utilizados para sua obtenção. Importante também salientar que, além de ser imprescindível proteger os direitos que podem ser infringidos pela prova ilícita, é também necessária a proteção dos direitos que não podem ser apreciados de outra forma que não seja apanhada de modo ilícito. A ponderação deve ser feita à vista dos fatos do caso concreto, ou seja, "para que haja uma eventual admissão de prova ilícita, deve-se ponderar um interesse específico com outro interesse específico contraposto, e não com a sua generalização" . Proveitoso evidenciar que, o uso da prova ilícita deve ser aceito somente quando a prova foi obtida de forma ilícita porque não existia maneira para se demonstrar os fatos, ou seja, só pode ser admitida consentida quando é a única forma hábil de mostrar claramente um fato indispensável para a proteção de um direito no caso concreto. Em relação ao objeto em estudo, vale examinar os dizeres de Marinoni:
Para que o juiz possa concluir se é justificável o uso da prova, ele necessariamente deverá estabelecer uma prevalência axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico e diante das circunstâncias do caso concreto. Não se trata ? perceba-se bem ? de estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes situações concretas. O princípio da proporcionalidade (...) exige uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação.



Atualmente, na maioria dos sistemas jurídicos, os bens por eles tutelados são discriminados de acordo com a importância conferida aos mesmos pela sociedade. Para tornar possível a admissão de valores que se revelam mais importantes no processo, são admitidas provas obtidas através de meios ilícitos em determinado caso específico.
Portanto, a doutrina majoritária tem compreendido o artigo 5º inciso LVI da Constituição Federal com base no princípio da proporcionalidade, com o intuito de diminuir a severidade de tal regra, com efeito, tal princípio deve determinar as prioridades e imprescindibilidades. Cristiano Farias argumenta que é completamente admissível tal mecanismo nos processos penal e civil, e que a ponderação dos interesses no caso específico que deverá fundamentar a decisão do juiz, priorizando o bem jurídico mais importante.



Conclusão
O trabalho em questão objetivou enfatizar o princípio da proporcionalidade como um mecanismo hábil a autorizar o emprego da prova ilícita no processo civil. Pretendeu evidenciar que a proibição da prova alcançada por meios ilícitos não é uma vedação absoluta, devendo o exame de tal prova ser elaborado com base no princípio da proporcionalidade. Este princípio é uma forma idônea de equacionar os embates entre os princípios constitucionais, podendo autorizar, a depender do caso concreto, que um certo princípio, por se sobressair na ponderação de interesses, tome lugar do princípio da proibição da prova ilícita, e então, esta seja empregada no processo. Assim, a prova de início considerada ilícita poderá ser consentida e utilizada tanto pelo réu como pelo autor, entretanto, desde que seja examinada com fundamento no princípio da proporcionalidade, sopesando os bens jurídicos confrontados, com o intuito de se ultrapassar a limitação probatória em favor do bem jurídico mais relevante.



REFERÊNCIAS


BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008.

CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pelegrini. DINMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

DIDIER JR, Fredie. SARNO BRAGA, Paulo. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito processual Civil. Vol 2. Salvador: Podivm, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil: teoria geral. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2004.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A eficácia dos atos processuais à luz da Constituição Federal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 37, 1992.
Disponível em < http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1400 > Acesso em: 29 Abril 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 13, p. 216-226.
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4534 > Acesso em: 25 abril 2009.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1 ed.. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8997 > Acesso em> 25 abril 2009.