RESUMO

O presente trabalho acadêmico tem por escopo apresentar o desenvolvimento, os principais dispositivos jurídicos e os reflexos da soberania estatal no Direito Internacional dos Refugiados. Para tanto, intenta-se uma análise dos antecedentes históricos deste sistema de proteção internacional à pessoa humana, bem como suas principais estruturas, de que são exemplos, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e o princípio do nonrefoulement, fundante e basilar para o Direito Internacional dos Refugiados. Num segundo momento, pretende-se o estudo da soberania estatal em contraponto à proteção aos direitos dos refugiados. Por último, o trabalho almeja a exposição acerca da atual crise de refugiados e as ameaças e violações aos seus direitos.

1. INTRODUÇÃO

A migração forçada é um fenômeno observado em toda a história da humanidade. O fluxo de refugiados, parte desse fenômeno, constitui-se de indivíduos que se vêem forçados a deixar seu país de origem para encontrar abrigo e proteção em outro Estado, quando não podem contar com a proteção do seu. Até o século XX, a questão não recebeu grande atenção da comunidade internacional, que só passou a dar tratamento institucionalizado e normativo ao problema diante da barbárie testemunhada nas duas Grandes Guerras Mundiais, cujo saldo negativo incluiu grandes massas de indivíduos deslocados deixados em condições precárias. Para a adequada compreensão deste tema é necessária uma análise a respeito das fundações sobre as quais se edifica o Direito Internacional dos Refugiados. Objetiva-se a narrativa dos acontecimentos que deram substrato para a estruturação de um arcabouço jurídico de proteção aos refugiados, que só viria a se concretizar com a Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados, documento de excelência do Direito Internacional dos Refugiados, que merece ser aqui investigado, ainda que não se pretenda exaurir a análise deste ramo do Direito Internacional. O Direito Internacional dos Refugiados, portanto, nasceu e se desenvolveu ao longo dos anos, conjuntamente aos Direitos Humanos, duas das vertentes da proteção internacional da pessoa humana, que inclui ainda o Direito Humanitário. O conceito de refugiado é determinado a partir dos tratados internacionais que regulam a matéria, e é importante para a fixação de critérios de reconhecimento do status de refugiado, que define quem pode ser titular dos direitos próprios do instituto, o principal dos quais sendo o non-refoulement, ou a proibição de expulsão a territórios em que a vida ou a liberdade do indivíduo seja ameaçada; e, quem está excluído dos propósitos de sua proteção. Por conseguinte, o trabalho busca estabelecer a relação acerca do retorno à concepção tradicional de soberania estatal, e o impacto no Direito Internacional dos Refugiados hodiernamente, e como esse retorno pode deteriorar as estruturas mais importantes, bem como os esforços desenvolvidos ao longo dos anos, e delimitar as soluções para os desafios enfrentados. Para tanto, parte-se de alguns exemplos, não exaustivos, de práticas que deixam flagrante o desrespeito a este sistema jurídico, como a devolução forçada de refugiados aos seus países de origem, os procedimentos intimidadores e parciais de concessão ou negação de refúgio, a imposição do regresso forçado por falta de documentação, dentre outros. 12 Insta asseverar que o presente trabalho não tem por escopo apontar uma solução para a problemática do Direito Internacional dos Refugiados, limita-se, portanto, a demonstrar a fragilidade que delimita esse ramo do Direito Internacional Público. Pois, mesmo com o desenvolvimento do ramo, em consonância com os fenômenos peculiares, como a humanização do direito internacional e a criação de normas de jus cogens, por exemplo, as questões relacionadas aos refugiados devassam a inclinação dos Estados a um retorno à soberania enquanto um poder absoluto e incontrastável. Os recentes acontecimentos, estampados em todos os jornais do mundo, acerca da crise humanitária dos refugiados, e o grande volume de indivíduos em situação de deslocamento forçado, confirmam a importância deste tema. A problemática dos refugiados é uma das grandes questões enfrentadas pela comunidade Internacional atualmente. Existem hoje mais de 65 milhões de refugiados no mundo, números exorbitantes que confirmam a utilidade de discussões sobre a proteção dos Direitos dos Refugiados e as soluções que podem ser encontradas, tanto para a atuação humanitária quando para o encerramento dos conflitos que são a fonte geradora dos refugiados. Conforme aduz o próprio Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), nos últimos anos, o implemento de políticas cada vez mais hostis aos refugiados e aos demandantes de refúgio, levou à uma deterioração dos institutos de proteção aos refugiados, bem como ao questionamento sobre a eficácia do Direito Internacional dos Refugiados. É precisamente esta questão que o presente trabalho visa a esmiuçar. Percebe-se que, paradoxalmente ao cenário de caos enfrentado pelos refugiados, a iniciativa internacional se traduz na quase completa anomia. Os Estados estão respondendo à crise apenas com o fechamento de suas fronteiras, às vezes jogando a responsabilidade para outros países e assistindo de camarote ao terrível drama enfrentado por esses indivíduos, drama esse que vai desde a violação aos seus Direitos Humanos até o resultado morte. É cediço que os Estados não centralizam a questão da diferenciação entre refugiados e migrantes econômicos, contudo, esta é vital para o estabelecimento diferenciado de respostas a tais situações, pois, enquanto os refugiados abandonam seus países de origem ou de residência habitual, por um instinto de sobrevivência, ao estarem diante de um fundado temor de perseguição, os migrantes econômicos deixam seus países de origem por um ato volitivo, movidos não pelo instinto de sobrevivência, mas antes pelo desejo de verem suas condições econômicas melhoradas. Assim, ao colocar todas as realidades de indivíduos deslocados no mesmo pacote de políticas, deixa clara a flagrante denegação de garantias internacionalmente dispostas. 13 Todavia é necessário perceber que estas categorias de indivíduos acabam impactadas, muitas vezes, por elementos comuns, como o fechamento das fronteiras nacionais, por exemplo. Imperativo observar, ainda, que o Direito Internacional convive, tradicionalmente, com três vertentes jurídicas de proteção à pessoa humana, a saber, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. As três vertentes devem ser consideradas diante da moderna concepção de complementaridade e inter-relação entre elas, suplantando-se a concepção clássica que as considerava como estanques ou flagrantemente dissociadas umas das outras. Portando, o Direito Internacional dos Refugiados é o um conjunto de normas jurídicas internacionais voltadas à proteção de indivíduos que deixam seus países de origem ou de residência habitual, chegando a atravessar uma fronteira nacional, em razão de um fundado temor de perseguição. De todo o modo, é perceptível que as três correntes de proteção à pessoa humana mantêm a mais íntima e profunda relação, visto que, não raras as vezes, os demandantes de refúgio são impelidos a fugir de seus países por uma situação de conflito armado, que implica graves violações aos direitos humanos. Assim, a exemplo da atual crise de refugiados, resultante, principalmente, dos conflitos armados de países da África, e, em especial, do Oriente Médio, como do Afeganistão, Iraque e Síria, é responsável pelo maior fluxo de pessoas fugindo de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial, insta à comunidade Internacional a confirmação da inegável necessidade de proteger estes grupos. Logo, as três vertentes possuem a mesma missão, qual seja, a proteção da pessoa humana. E neste molde a institucionalização das três vertentes de proteção à pessoa humana (Direitos Humanos, Direito Humanitário e Direito Internacional dos Refugiados) configura um importante fator de limitação à soberania estatal, visto que o respeito à dignidade humana deixa de ser afeito somente à esfera jurisdicional do Estado, constituindo interesse de toda a comunidade internacional.

 2. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA

O objetivo deste capítulo é versar sobre duas das três vertentes da proteção internacional dos Direitos Humanos, no que concerne aos conceitos básicos do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário, como parte introdutória ao conteúdo principal do Trabalho, o Direito Internacional dos Refugiados.

2.1. Direito Internacional dos Direitos Humanos

2.1.1 Conceito de Direitos Humanos

Com o menor esforço empreendido no exame das definições constantes de Direitos Humanos é percebida a dificuldade em se conceituar o termo, bem como a controvertida causa acerca do tema. Controvérsia deveras influenciada por questões políticas e ideológicas que influenciam a definição de um conceito prevalente. Da necessidade de se adotar uma definição concisa, recorre-se, principalmente, aos ensinamentos de versados doutrinadores sobre este ramo do Direito.

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