A PROTEÇÃO DAS MINORIAS PERANTE O MERCADO ACIONÁRIO: TUTELA JURISDICIONAL DO ACIONISTA MINORITÁRIO NA SOCIEDADE ANÔNIMA.[1]

 

Clara Oliveira Almeida Castro e Maria Eduarda Costa Carneiro[2]

Humberto Oliveira[3]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de sociedade por ações e a tutela dos acionistas; 2 Proteção ao acionista minoritário no Direito comparado; 3 Evolução da proteção ao acionista minoritário no Brasil; 3.1 Alterações da Lei nº10303/20014; Regime jurídico do sócio minoritário na sociedade anônima; 4.1 Efetividade dos mecanismos de proteção; Conclusão; Referências

RESUMO

O presente paper tem por objetivo apresentar um estudo analítico acerca das sociedades anônimas com enfoque ao direito do acionista minoritário neste tipo societário. Sendo assim, busca-se em primeiro momento explicitar em que consistem as sociedades anônimas por ações, bem como a evolução deste direito aos minoritários no Brasil por meio de um breve histórico e a análise deste benefício no direito comparado, para posteriormente explicar o funcionamento deste regime de proteção na legislação atual, com destaque às alterações trazidas pela lei nº 10303/2001. Para melhor compreensão da questão, será necessária uma leitura mais aprofundada do tema proposto.

PALARAVRAS-CHAVES: sociedade, acionistas, minoritário, legislação

INTRODUÇÃO

Tutelar de forma efetiva o direito dos hipossuficientes e das minorias têm se tornado uma exigência do Estado Democrático de Direito. Tal exigência encontra fundamento na Constituição Federal Brasileira, conforme o artigo 3º, inciso I que estabelece, como um dos objetivos da União, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Para se alcançar a realização desse preceito fundamental é imprescindível assegurar uma maior proteção aos que possuem status de grupo de hipossuficiente, como é o caso da minoria acionária.

A problemática a respeito da proteção às minorias surgiu no momento em que as sociedades começaram a expandir sua captação de capitais entre um grande número de investidores. Assim obteve um aumento na participação de grandes camadas da população, o que hoje é conhecido como democratização do capital.

É necessário explicar que a expressão “minoria” não se refere à noção meramente quantitativa, mas a uma relação de poder. Assim, a minoria esta afastada do poder dentro de uma sociedade. Por outro lado, maioria é o que de fato controla e dirige a sociedade.

Através da globalização a sociedade por ações transformou-se um instrumento típico da grande empresa capitalista e, em consequência das crises que sofreu, foi elaborado uma série de normas disciplinares, diminuindo cada vez mais os direitos de acionistas minoritários. A partir daí, o legislador brasileiro viu a necessidade de alteração de leis antigas e criou a lei n. 10.303/2001 a fim de fortalecer as minorias acionistas e incentivar o investimento no mercado de capitais.

1 CONCEITO DE SOCIEDADE POR AÇÕES E A TUTELA DOS ACIONISTAS

As sociedades por ações apesar de nos remeter a instrumentos de uma sociedade contemporânea símbolo do mundo capitalista, surgiram na época das companhias coloniais, mais precisamente na época de colonização do Oriente, iniciando-se pela companhia Holandesa das Índias Orientais no ano de 1602 (ASCARELLI, p. 452).

Com o desenvolvimento da economia moderna, a sociedade por ações também precisou desenvolver sua disciplina, foi nesse contexto em que se determinou a diferença existente entre acionistas minoritários e majoritários, os órgãos sociais que compunham essa instituição e as atribuições de cada um, bem como o funcionamento na divisão dos lucros.

A sociedade anônima por ações é regida por dois princípios norteadores, quais sejam: a responsabilidade limitada e a divisão do capital social, pois deles decorrem as normas que regem esta espécie societária. O primeiro princípio marca a distinção existente entre sociedade e acionista, visto que este último, embora responda ilimitadamente perante a sociedade, responderá limitadamente pelas dívidas sociais contraídas pela sociedade, portando está voltado para a organização interna da sociedade, é um princípio que norteia a relação entre os acionistas. Nesse sentido, Ascarelli detalha:

Sociedade e acionistas constituem distintos sujeitos jurídicos; nem o acionista pode obrigar a sociedade, nem a sociedade pode obrigar o acionista. Nome e sede da sociedade diferem do nome e domicílio do acionista; separados são os patrimônios respectivos; os créditos do acionista não são os da sociedade; as dívidas da sociedade não são as do acionista; os bens da sociedade não estão no condomínio dos acionistas. A responsabilidade limitada coaduna-se, pois, com a personalidade jurídica da sociedade e com a rigorosa distinção entre o patrimônio do acionista e o da sociedade. (ASCARELLI, p. 461).

Já o segundo princípio que trata da divisão do capital social, explicita a insignificância da pessoa do acionista dentro da sociedade, isto porque a participação do acionista neste tipo de sociedade decorre de um titulo de crédito, ou título ao portador, que circulam regulados pelas disciplinas que regem este tipo de título, mas que no geral não implicam em uma mudança de contrato social, visto que a personalidade dos acionistas neste tipo de sociedade é irrelevante. 

No que tange a sua organização, a sociedade anônima é formada necessariamente por duas ou mais pessoas, e possui seu capital social dividido em ações, que são de valores diferentes e daí decorre a classificação de acionistas majoritários ou minoritários. É esta junção de ações que irá compor o capital social da sociedade.

Outra característica inerente às sociedades anônimas que decorrem do princípio da divisão do capital é a responsabilidade limitada do sócio conforme já citado anteriormente, pois cada acionista responderá limitadamente pelas suas ações subscritas no capital social, portanto será sempre proporcional à sua participação. É o que delineia o Art. 1º da Lei nº 6.404/76:

Art. 1º A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas."

É intrínseco a sociedade anônima que esta tenha fim lucrativo, independente do ramo comercial, desde que este seja lícito pelo direito, e que portanto não se contraponha à lei, aos costumes e ao bom funcionamento da ordem pública. Portanto, o acionista que ingressar na sociedade anônima deve perquirir o lucro, que será investido através de ações integralizadas no capital da sociedade. É que diz o art. 2° da lei n°6404/76: “Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

Além disso, o nome da sociedade anônima deverá ser de denominação social, e poderá conter o nome de algum acionista fundador ou pessoa de importância à criação daquela sociedade, desde que acompanhada das expressões “companhia” ou “sociedade anônima”. É o que menciona o art. 3° da lei supracitada:

Art. 3º A sociedade será designada por denominação acompanhada das expressões "companhia" ou "sociedade anônima", expressas por extenso ou abreviadamente mas vedada a utilização da primeira ao final. § 1º O nome do fundador, acionista, ou pessoa que por qualquer outro modo tenha concorrido para o êxito da empresa, poderá figurar na denominação.

Quanto à sua estrutura interna, a sociedade anônima é composta por quatro órgãos principais: a assembleia geral, o conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal. A assembleia é o polo central em que se convocam os acionistas com ou sem direito à voto para discutir os interesses da sociedade e tomar decisões, é por meio desta via burocrática que traduzida pelo sistema de eleição e voto dos acionistas que é possível até mesmo destituir ou instituir membros do conselho da administração e conselho fiscal. Estas assembleias podem ser de duas ordens: ordinária e extraordinária, a primeira é anual e possui pauta de assuntos já determinados pelo art. 132 da Lei das S/A, tais como: eleger administradores e fiscais, deliberar acerca da destinação do lucro líquido e distribuição de dividendos, entre outros, já a segunda é convocada em caráter de urgência para deliberar sobre qualquer assunto que não esteja na pauta da ordinária (ULHOA, 2007, p. 200/201).

O conselho de administração não é um órgão obrigatório, e deve ser observado o número mínimo de três conselheiros com mandato de até três anos, possui caráter facultativo, pois sua função é reiterar a fiscalização sobre a diretoria, sendo composto por acionistas, este só se faz obrigatório nas sociedades anônimas de capital autorizado, de economia mista, e de capital aberto, segundo o art. 138, §2 e 239 da Lei das S/A (ULHOA, 2007, p. 202).

 Já a diretoria, é composta pelo número mínimo de duas pessoas, que não obrigatoriamente deverão ser acionistas da sociedade anônima, mas que deverão ser eleitos pela assembleia ou subsidiariamente pelo conselho de administração, estes deverão está à frente da sociedade anônima e representar os interesses destas frente ao mercado acionário, quanto às suas demais atribuições deverão ser estabelecidas pelo estatuto social da sociedade. (ULHOA, 2007, p. 203).

Por fim, o conselho fiscal é órgão de existência obrigatória neste tipo societário, mas seu funcionamento é dispensável, hipótese em que deverá ser discutida na assembleia geral. No caso de funcionar, sua duração poderá ser de caráter permanente ou temporário a depender do estatuto social da sociedade anônima a ser estabelecido pelos acionistas. Este conselho deverá ser composto pelo número mínimo de três e máximo de cinco pessoas que podem ou não estar dentre os acionistas, e tem por função acompanhar e auxiliar no bom desempenho da gestão da sociedade, sua competência vem delineada no art. 163 da Lei das S/A. (ULHOA, 2007, p. 204).

No que diz respeito aos acionistas minoritários, Danilo Barbosa de Aguiar (2003, p. 106) entende que estes, em sua maioria, são compostos por investidores. Esta categoria de sócio almeja que a companhia proporcione a maior margem de lucro compatível com determinado grau de risco; ou ainda, que os créditos sejam distribuídos na maior quantidade permitida, de acordo com os interesses da empresa, não devendo haver nada que prejudique o recebimento de tais dividendos.

Existem dois tipos de minorias em uma sociedade anônima: a minoria ativa e a minoria ausente. A proteção da minoria se diferencia diante destes dois tipos, segundo José Edwaldo Tavares Borda (2001, p. 318). Para o autor, a minoria ativa constitui uma espécie de oposição. Os seus integrantes comparecem às assembleias, fiscalizam a atuação dos administradores e acabam influindo nas decisões da companhia. Por outro lado, a minoria passiva é distante, desinteressada em exercer qualquer forma de participação. Diante disso, acredita-se que as normas de proteção à minoria societária, de certa forma, visa proteger a maioria ausente contra o controle minoritário.

2 PROTEÇÃO AO ACIONISTA MINORITÁRIO NO DIREITO COMPARADO

Na frança, a proteção ao acionista minoritário não é feita de maneira expressa na forma da lei, mas transfere-se à jurisprudência a tarefa de tratar esta matéria, e esta posiciona-se no sentindo de tornar nula decisões tomadas pelos sócios majoritários no sentido de prejudicar os demais, ou que vão de encontro aos interesses coletivos da sociedade anônima, portanto a legislação francesa, na forma de jurisprudência, veda qualquer abuso de poder por parte dos acionistas (NOIREL, p. 246).

No direito alemão a jurisprudência segue esta mesma linha de raciocínio e também é terminantemente a favor de considerar nula de direito qualquer deliberação de assembléia que prejudique o interesse social e dos acionistas.

A imposição do art. 197 à legislação alemã reiterou este posicionamento ao afirmar que é passível de anulação a conduta particular de um acionista que vise obter em favor de si ou terceiro, vantagem privada em face dos interesses da sociedade e dos sócios que integralizam seu capital social (LAMY, PEDREIRA. p. 231/232).

Já na legislação italiana, desde o código de 1882 havia regulação sobre a matéria ao estabelecer expressamente que medidas tomadas de modo contrário à lei ou ao estatuto social da sociedade anônima poderiam ser vedadas pelo presidente do tribunal. Mas a legislação recente do Código Civil de 1940, repassou a função de impugnar tais atos do presidente do tribunal ao magistrado, desde que seja requerido pelos legitimados, tais como: sócios e administradores.

Por fim, no direito inglês foi criado um princípio que deve regular a conduta de todo acionista majoritário no sentido de preservar os interesses coletivos da sociedade anônima. Este denomina-se “fraud on the minority”, em que os sócios com maior capital social devem agir com boa-fé, e visar o benefício da companhia, sem interesses particulares envolvidos. (LAMY, PEDREIRA. p. 232)

3 EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO AO ACIONISTA MINORITÁRIO NO BRASIL

A proteção dada ao acionista minoritário dentro da sociedade anônima é objeto de constante discussão pela doutrina e de intensa regulamentação pelo legislador brasileiro. Assim, é importante explanar o modo de evolução dos direitos atribuídos ao acionista minoritário no direito brasileiro, desde a primeira regulamentação sobre a matéria disposta no decreto nº 575 até a Lei nº 10303/2001, destacando suas principais disposições quanto ao acionista minoritário.

Para tanto, é preciso explicitar quem são os acionistas minoritários para compreender a necessidade de um regime jurídico voltado para estes acionistas. Nas palavras de Waldírio Bulgarelli:

Daí a noção, hoje, bem aceita, de que a minoria é o acionista ou conjunto de acionistas que, na Assembléia Geral, detém uma participação em capital inferior àquele de um grupo oposto. (BULGARELLI, 1977).

É possível extrair deste conceito que o sócio minoritário é aquele que não tem poder decisivo sobre a sociedade anônima, pois quem tem o direito a voto é o controlador da sociedade ou sócios majoritários, e o acionista minoritário sozinho, portanto, é incapaz de decidir as escolhas da sociedade, tendo que submeter-se a imposição da maioria ou majoritários. Por esta em posição de subordinação, é preciso legislação que regule seus direitos, a fim de que os mesmo não sejam excedidos e anulados pelos dos acionistas majoritários que dentro deste tipo societário possuem maior poder.

Na tentativa de regular estas condutas, surgiu o primeiro texto normativo acerca das sociedades anônimas, exteriorizado no Decreto n° 575, de 1849, este decreto determinava normas para a constituição de empresas bancárias com as características das sociedades anônimas, que necessitavam da anuência estatal para seu regular funcionamento.

Posteriormente, surgiu a Lei n° 3150 no ano de 1882, que teve como principal marco a desvinculação das sociedades anônimas ao Estado, pois esta não necessitava agora do consentimento estatal para sua criação.

Mas foi com o advento do Decreto de nº 2627 de 1940 que a matéria de proteção aos direitos minoritários foi abordada de forma marcante, pois foram instaurados dispositivos voltados à proteção deste direito, no sentido de conter os abusos que vinham sendo cometidos pelos sócios controladores, traduzindo-se no direito dos acionistas minoritários em poder convocar a Assembléia Geral ainda que os sócios majoritários se omitam e direito de fiscalização sobre a sociedade.

A lei n° 6404 de 1976 que regula a lei das S/A será detalhada em tópico posterior, mas que de modo geral tratam acerca da proteção dos direitos dos acionistas minoritários, a responsabilização civil do acionista majoritário, apresentada a listagem de órgãos que podem ser adotados pelo estatuto social das sociedades a fim de equilibrar os direitos entre os sócios e um bom funcionamento interno, além de delinear os interesses sociais principais e de relevância representados pela sociedade anônima.

Mas essa lei nº 6404 sofreu modificações pela lei nº 10303 de 2001, que dentre várias modificações introduzidas por essa nova e mais recente legislação acerca da matéria alterou o § 2º do artigo 15 em que a proporção entre ações ordinárias e preferenciais passa a ser de 50% para as companhias constituídas a partir desta nova lei, e o artigo 4º, que trás a definição e diferenciação de companhias abertas e fechadas, teve seu caput e seu primeiro parágrafo alterados, e, além disso, foram incluídos cinco parágrafos e um anexo com quatro parágrafos.

3.1 ALTERAÇÕES DA LEI Nº 10.303/2001

Com a finalidade de analisar as alterações da Lei nº 10.303/01, é importante, primeiro, tratar das leis anteriores: Lei nº 6404/76 e 9457/97. A Lei nº 6404/76 foi a primeira lei a regular as sociedades por ações. O principal objetivo de tal lei foi a proteção aos acionistas minoritários e o fortalecimento do mercado de capitais. Segundo Viviane Prado e Bruno Salama:

A lei garantia aos minoritários uma série de direitos individuais e previa deveres e responsabilidades específicas para administradores e acionistas controladores da companhia. Além disso, também em 1976, criou-se a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que era, e ainda é, a responsável por regular, supervisionar e punir os agentes do mercados de valores mobiliários (2011, p.3)

As alterações da Lei nº 9457/97 ocasionaram uma diminuição dos direitos dos acionistas minoritários, objetivando facilitar o processo de privatização de S/A que estavam em poder do Estado. De acordo com Viviane Prado e Bruno Salama (2011, p. 4) a mudança mais relevante foi a eliminação do direito de venda conjunta para os acionistas minoritários com direito a voto na hipótese de transferência do controle acionário da companhia.

Logo após as modificações feitas pela Lei de 1997, o Congresso Nacional voltou a debater possíveis reformas à Lei das Sociedades Anônimas. O objetivo era reforçar a proteção aos acionistas minoritários com a finalidade de incentivar o aumento de investimentos.  A princípio, pensou-se em eliminar as ações sem direito a voto e introduzir os direitos de tag along. No entanto, os grupos políticos mais conservadores reivindicaram por reformas com avanços mais modestos.

Pode-se afirmar que a reforma de 2001 melhorou o nível de proteção dos acionistas minoritários. Viviane Prado e Bruno Salama explicam que :

as melhorias incluíram um requisito de oferta pública aos minoritários em caso de fechamento de capital (art. 4, par. 4º), a inclusão de cláusulas proibindo e criminalizando expressamente a prática de insider trading (art. 155) e o aumento da representação de minoritários e preferencialistas no Conselho de Administração (art. 141, par. 4º). Ao mesmo tempo, a preservação das ações sem direito a voto e as limitações ao direito de tag along significaram que a posição do minoritário não foi tão privilegiada como alardeado por diversos políticos à época. (2011, p. 7)

Com a nova Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 10.303/01) ocorreu uma restauração dos direitos dos acionistas minoritários. A finalidade de tais modificações foi para que o mercado de capitais ficasse mais atraente aos investidores. Para compensar a não eliminação das ações preferenciais, a reforma de 2001 tentou garantir, então, vantagens mais concretas para os acionistas detentores de ação sem voto.

4 REGIME JURÍDICO DO SÓCIO MINORITÁRIO NA SOCIEDADE ANÔNIMA

Os mecanismos jurídicos de proteção aos acionistas minoritários estão previstos de maneira esparsa na Lei das Sociedades Anônimas, nos normativos da Comissão de Valores Mobiliários – criado em 1976, que é responsável por regular, supervisionar e punir os agentes do mercado -  para as companhias abertas, e na regulação privada da Bovespa, para aqueles investidores de com de companhias listadas em níveis diferenciados de governança corporativa (Novo Mercado, Nível 2 e Nível 1).

Os direitos essenciais previstos na lei acionária são direitos individuais que não estão na esfera de decisão dos acionistas em Assembleia Geral e não podem ser retirados por previsão estatuária. De acordo com o artigo 109 da Lei das S/A:

Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I - participar dos lucros sociais; II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais; IV - preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;V - retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

Bruno Salama e Viviane Prado propuseram uma classificação conforme a natureza dos direitos minoritários que torna o estudo mais didático. Nesse sentido, divide os direitos minoritários em: Direitos de participação, direitos patrimoniais, direitos de fiscalização e à informação e direitos processuais.

Os direitos de participação, segundo os autores são aqueles que permitem aos acionistas opinar ou indicar representante para os órgãos nos quais são tomadas as decisões da companhia, Assembleia Geral e Conselho de Administração. A forma de participação mais significativa é o exercício do direito ao voto. (Salama e Prado, 2011, p. 12).

No entanto, ser acionista minoritário em uma sociedade por ação, ainda que possua direito ao voto, não significa ter capacidade de interferir nas decisões da companhia, uma vez que, segundo Bruno Salama e Viviane Prado (2011, p. 13), o acionista controlador forma sistematicamente a maioria em Assembleia, capaz de determinar o conteúdo das deliberações e de eleger os administradores da companhia.

 Ainda assim, a participação em Assembleias é de extrema importância para os acionistas minoritários, uma vez que existe a possibilidade de fiscalizar e controlar os poderes da maioria. Vale frisar que as deliberações feitas nas reuniões necessitam de publicidade, caso contrário, existe a possibilidade de serem impugnadas pelo Poder Judiciário ou pela CVM. Um dos grandes diferenciais do Novo Mercado da Bovespa é não permitir a negociação de ações sem direito ao voto. Observa-se assim, que as companhias listadas nos segmentos especiais da Bovespa seguem regras mais rígidas.

Os direitos patrimoniais são aqueles direito aos dividendos, direito de preferência em aumento de capital, de recesso mediante recebimento de reembolso, direito ao tag along e direito a receber parte do patrimônio em caso de liquidação da sociedade. De acordo com Bruno Salama e Viviane Prado (2011, p. 17),

os direitos patrimoniais dos minoritários ganham especificidades em operações societárias, em especial a operação de incorporação de sociedade controlada pela controladora. A Lei das S.A. estabelece que, nesses casos, a troca das ações deve ser feita com base no valor do patrimônio líquido das ações de ambas as sociedades.

Outro ponto relevante para a proteção dos direitos dos acionistas minoritários é em casos de fechamento de capital. A partir da reforma de 2001, só é possível realizar o cancelamento do registro se a empresa que emitiu as ações ficar uma oferta pública para adquirir as demais ações em circulação no mercado. Para as empresas listadas no Novo Mercado ou no Nível 2, o valor da oferta pública não pode ser inferior ao valor econômico da ação. (Salama, Prado, 2011, p. 19).

Sobre os direitos de fiscalização e informação, os acionistas minoritários geralmente exercem tais direitos através do Conselho Fiscal. No Novo Mercado e Nível 2, por existir requisitos mais rigorosos, as empresas devem organizar relatórios de balanço anuais de acordo com os padrões internacionais. Quanto aos direitos processuais, é possível que acionistas minoritários requererem processos contra os administradores da sociedade.

4.1 EFETIVIDADE DOS MECANISMOS DE PROTEÇÃO

Analisar tendências na jurisprudência brasileira não é tarefa fácil, vez que o Brasil não segue os princípios do stare decisis, o que torna costumeira a existência de decisões em sentidos contrários em casos empresariais. Abordaremos, assim, um estudo realizado por Viviane Muller Prado e Vinicius Buranelli, que analisaram 50 processos e 92 recursos tratando da matéria.

Primeiramente faz-se necessário explicar que, segundo Viviane Prado e Vinicius Buranelli,

a complexidade das estruturas societárias e do mercado de capitais, bem como da legislação e da regulamentação dificultam a atuação do Poder Judiciário, uma vez que os magistrados não conseguem acompanhar as especificidades e a dinâmica das questões empresariais. Ademais, as partes interessadas, em especial investidores e acionistas minoritários, a princípio não recorrem ao Poder Judiciário em virtude da demora da prestação jurisdicional e das incertezas sobre a decisão. (2006, p. 4)

A pesquisa realizada por Viviane Muller Prado e Vinicius Buranelli demonstrou que a grande maioria dos processos foi de reivindicação de direitos individuais pecuniários por parte dos acionistas, isto é, direito a dividendo, direito de recesso e reclamação sobre venda indevida das ações. Logo após apareceu o pleito de direitos relacionados à prestação de contas e informações. O menor número observou-se em casos nos quais o objeto da ação era a responsabilidade de administradores e controladores. (Salama e Prado, 2011, p. 29).

Tal pesquisa demonstrou que o número de condenações vem aumentando para alguns grupos, em contrapartida diminuindo para outros. Isso se deve a outro fator observado pela pesquisa: na maioria dos casos a CVM é responsável por iniciar as investigações, intimando um grande número de pessoas que podem estar envolvidas em esquemas.

Segundo uma análise de Viviane Mullher Prado e Bruno Salama, a maioria das razões para absolvição dos réus foi a inaplicabilidade de previsões legais específicas à conduta que deu causa à investigação, a falta de responsabilidade por parte do réu e falta de provas.

Para uma análise mais detalhada, vejamos decisões jurisdicionais por ações propostas por acionistas minoritários:

Direito societário. Ação de dissolução de sociedade anônima, proposta por acionistas minoritários. Quorum mínimo atendido na data da propositura da ação. Desistência da ação por um dos autores, no curso do processo. Homologação pelo juízo. Correspondente diminuição da participação detida pelos autores no capital social da companhia a ser dissolvida, para patamar inferior ao mínimo legal. Irrelevância. - A titularidade de 5% do capital social da companhia, em ações de dissolução proposta com base no art. 206 da Lei das S.A., é condição a ser preenchida na data da propositura da demanda, sendo irrelevantes as alterações nesse percentual ocorridas no curso do processo. - Na hipótese dos autos, a desistência de um dos litigantes não poderia prejudicar os demais. Sendo necessário o litisconsórcio formado por ocasião da propositura da ação, o consentimento dado pelo autor no início do processo não pode ser revogado em seu curso. A desistência só pode ser admitida caso subscrita por todos os autores. Recurso especial conhecido e provido.206Lei das S.A. (408122 PR 2002/0005182-5, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 19/06/2006, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 27.11.2006 p. 272)

PROCESSO CIVIL. ILEGITIMIDADE ATIVA. ACIONISTA MINORITÁRIO NÃO DETÉM PODERES DE REPRESENTAÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. PERSONALIDADE JURÍDICA E PATRIMÔNIO DIFERENTES. - Ação ordinária ajuizada por acionista minoritário visando a anulação de execução proposta pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em face de sociedade empresária. - O autor, acionista minoritário, não possui poderes de representação da empresa, de maneira que não lhe cabe pleitear em nome próprio a anulação de execução direcionada à sociedade empresária. - Embora insista o apelante em dizer que a execução que se busca impugnar poderá trazer-lhe prejuízos econômicos, é bom salientar que a sociedade anônima citada tem personalidade jurídica e patrimônio distintos dos sócios, cabendo, tão somente, a esta, em nome próprio, vir a juízo para impugnar a medida tomada pelo BNDES. - Não há que se confundir interesse econômico na causa com interesse processual, que o legitimaria a pleitear a presente pretensão. - Recurso improvido. (138163 RJ 97.02.14403-5, Relator: Desembargadora Federal REGINA COELI M. C. PEIXOTO, Data de Julgamento: 27/06/2007, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::05/07/2007 - Página::127)

                Diante da explanação de duas jurisprudências brasileiras, observa-se a confirmação da análise realizada no relatório de pesquisa feito por Vinicius Buranelli e Viviane Prado. Existem casos concretos, nos quais os direitos dos acionistas minoritários são preservados pelo magistrado, no entanto, em outras situações a letra da lei se sobressai aos direitos à participação do lucro, direito a informação dos minoritários.

CONCLUSÃO

Atualmente, uma série de considerações são levantadas no Brasil a respeito da influência que da Lei nº 6.404/1976, materializada em 2001, provocou nas relações conflituosas existentes entre administradores e minoritários nas companhias. É bem verdade que a reforma de 2001 realizada na Lei das Sociedades Anônimas possibilitou um aumento na tutela dos direitos de acionistas minoritários em relação à Lei nº 9457/1997, uma vez que esta proteção foi o principal objetivo da Lei nº 10.303/01.

No entanto, embora a participação das minorias tenha crescido, estes encontram-se somente parcialmente protegidos de abusos dos controladores pela legislação atual, principalmente se a compararmos à primeira reforma da Lei das S/A, de 1976, pois, ao longo dos anos, seus direitos foram consideravelmente diminuídos.

Diante disso, observa-se que a flexibilidade da Lei das S/A contrasta com a rigidez das regras estabelecidas pela Bovespa às ações negociadas nos segmentos diferenciados de governança corporativa. De qualquer forma, a efetividade dos mecanismos de proteção das duas estruturas é dificultada devido aos problemas processuais do Poder Judiciário.

Assim, conclui-se que o poder exercido pelos controladores deve estar pautado em princípios legais e éticos, conforme o artigo 116 da Lei nº 6404/76, que entende que o poder deve ser usado para realizar os objetivos da companhia, não podendo atentar contra os demais acionistas da empresa. Através da conduta correta das maiorias, os poderes administrativos e judiciários seriam capazes de tutelar efetivamente dos direitos individuais e coletivos dos acionistas, tanto minoritários, quanto majoritários.

REFERÊNCIAS

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[1] Paper apresentado à disciplina de Títulos de Crédito, Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 5º período do curso de graduação em Direito da UNDB.

[3] Professor, orientador.