SINOPSE DO CASE: A DEVOLUÇÃO DE SUZY[1]

Bruna Barbieri Waquim[2]

Camila Dias de Sousa[3]

1 DESCRIÇÃO DO CASO 

O casal Barbie e Ken, depois de 7 anos tentando gerar um filho, decide adotar uma criança. Após visitas à Casa da Criança Feliz, decidem adotar a menina Suzy, de 6 anos, que já estava abrigada há 4 anos na instituição. A guarda provisória foi deferida liminarmente ao casal, e em razão do grande número de processos aguardando a realização de estudo social, somente após 04 meses do deferimento liminar da guarda provisória é que a equipe multidisciplinar da Vara de Infância e Juventude compareceu à primeira vez na residência dos adotantes para realizar o estudo. Sentindo-se convencido com a demonstração dos adotantes de idoneidade, capacidade financeira e o desejo de estabelecer uma família com a criança, o juiz determinou que os autos retornassem conclusos para julgamento. Um ano e quatro meses depois do ajuizamento da ação, antes da prolação da sentença, Barbie e Ken devolvem Suzy à entidade de acolhimento, alegando a desistência da ação de adoção. O juiz resolve enviar os autos em vista a você, membro do Ministério Público, para parecer e providências cabíveis.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 

2.1 Descrição das decisões possíveis 

2.1.1 Quais as medidas (processuais, extraprocessuais e/ ou administrativas) deve adotar o Ministério Público sobre a devolução realizada, e sob quais fundamentos? 

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.1.1 Primeiramente, é importante destacar que a atitude praticada pela família que decidiu adotar Suzy fora incoerente, visto que, o caso trata de uma criança advinda de uma possível situação que influencie sua formação moral e psicológica, devendo, desta forma, ser observada com cuidado, equilíbrio, e primordialmente, paciência. Segundo estudo realizado pelo Ministério Público Federal de Brasília[4], quando há um número elevado de crianças e adolescentes vivendo em um abrigo, condição que como se sabe, é bastante recorrente nestas instituições brasileiras, é difícil dar a eles um atendimento individualizado.

Explicita-se através desse estudo a opinião de psicólogos que afirmam que se uma situação de reduzida atenção se prolonga por muito tempo, pode provocar grande carência afetiva, dificuldade para estabelecer vínculos, baixa autoestima, atrasos no desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas familiares. Diante disso, crianças e adolescentes também têm dificuldade para adquirir sentimento de pertencimento e adaptar-se ao convívio em família e na comunidade.

Partindo para o instrumento a ser utilizado pelo Ministério Público a respeito da devolução de Suzy, cita-se como viável a ação civil pública. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) em seu artigo 201, compete ao Ministério Público: “[...] V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal; VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”.

Diante disso, o Ministério Público, através do instrumento judicial da ação civil pública pode requerer a responsabilidade dos adotantes em garantir à criança direitos como alimentação e saúde. Justifica-se tal decisão uma vez que a adoção tem de ser vista com mais seriedade pelas pessoas que se dispõe a tal ato, devendo estas ter consciência e atitude de verdadeiros pais, que pressupõe a vontade de enfrentar as dificuldades e condições adversas que aparecerem em prol da criança adotada, assumindo-a de forma incondicional como filho, a fim de seja construído e fortalecido o vínculo filial.

Complementa-se, para fins de instrumentos passíveis à garantia do direito da criança e do adolescente, o que dispõe o artigo 212, que faculta para defesa dos direitos e interesses protegidos pelo estatuto, todas as espécies de ações pertinentes. Sendo assim, pode ser realizado pelo Ministério Público processo investigatório ao verificar que há violação a algum direito que resguarda a criança/adolescente, juntamente aos demais órgãos responsáveis, o que diante do sujeito desse processo seria o Conselho Tutelar.

Fora do processo, também são relevantes as atribuições entregues ao Ministério Público.  O Conselho Tutelar deve comunicar-lhe fatos que constituam infração administrativa contra os direitos das crianças e adolescentes conforme diz o artigo 136, IV, do ECA. Para bem desempenhar a sua missão extraprocessual e comunitária, o órgão do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se encontrem crianças ou adolescentes de acordo com o artigo 201, parágrafo 3°, podendo ele, além das medidas expressamente previstas em lei, utilizar-se da cláusula do artigo 201, parágrafo 2º, que o autoriza a adotar qualquer providência compatível com a finalidade da sua atuação. 

O devido processo legal não é respeitado perante este caso, uma vez que deve ser dado vista dos autos ao Ministério Público após apresentação de relatório feito pela equipe técnica designada pelo juiz. Após isso, o Ministério Público se manifesta caso certifique situação lesiva ao menor. Pode o mesmo atuar como tão somente custos legis, a fim de assegurar que Suzy tenha seus direitos garantidos.

Entende-se que o estudo da equipe multidisciplinar não fora realizado de maneira correta. Define Maria Regina de Azambuja que a doutrina da proteção integral conforme o artigo 227 da Constituição Federal, “[...] está alicerçada em três pilares: a) a criança adquire a condição de sujeito de direitos; b) a infância é reconhecida como fase especial do processo de desenvolvimento; c) a prioridade absoluta a esta parcela da população passa a ser princípio constitucional.” (AZAMBUJA, 2009, p.[?]). Diante disso, não é visto pela atitude da equipe multidisciplinar da Vara da Infância e Juventude uma real preocupação com o melhor para a infante. Estes receberam a informação dos vizinhos que a criança frequentava uma escola em tempo integral e verificaram que a criança ainda não se mostrava completamente à vontade com os adotantes, possuindo episódios de “terrores noturnos” que incluíam “pesadelos” e “xixi na cama”. No primeiro caso, é dever a partir da composição de tal equipe que estejam presentes fisicamente no dia a dia dessa criança, realizando essas visitas pessoalmente e não por somente informações recebidas pelos vizinhos. No segundo caso, as atitudes expostas pela infante são alertas que devem ser observados atentamente antes da concessão de adoção. Observa-se, então, a falta de compromisso em garantir a proteção de Suzy.

As alegações apresentadas não são consideradas viáveis. De acordo com o artigo 355 do Estatuto da Criança e do Adolescente a "guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público". Porém, o referido Estatuto busca a proteção integral da criança e do adolescente, de modo que a previsão de revogação da guarda a qualquer tempo é medida que visa proteger e resguardar os interesses da criança, com a finalidade de livrá-la de eventuais maus tratos ou falta de adaptação com a família. Logo, tal dispositivo não se presta à proteção de pessoas, maiores e capazes, que se propuseram à guarda, por livre e espontânea vontade, e depois, simplesmente, se arrependem e resolvem devolver à criança. Após o transcurso de mais de um ano de guarda provisória em que desde o primeiro momento os adotantes já tinham o desejo de realizar tal processo de adoção, não se verifica uma devida preocupação dos mesmos diante do melhor interesse da criança em um posterior momento (que simplesmente não convém para a comodidade do casal), tendo por argumentos “uma a criança, que se mostrava teimosa, desobediente e com grande grau de rebeldia”.

A reparação civil torna-se viável através do que afirma o artigo 186 do Código Civil, ao determinar que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Percebe-se que o ato ilícito que gera o direito a reparação decorre do fato de que os requeridos buscaram voluntariamente o processo de adoção do menor, manifestando, expressamente, a vontade de adotá-lo, obtendo sua guarda durante um lapso de tempo razoável, e, simplesmente, resolveram devolver imotivadamente a criança, de forma imprudente, rompendo de forma brusca o vínculo familiar que expuseram o menor, o que implica no abandono de um ser humano.

A responsabilidade civil, que também se aplica ao determinado caso, é caracterizada pelo dever de indenizar o dano sofrido por outrem, advém do ato ilícito, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, como estipula o artigo 927 do Código Civil. Embora a adoção não tenha se concretizado através de sentença, cabe considerar que o instituto da guarda não se trata de mera detenção de algo, tendo em vista que implica em obrigações aos pretensos pais adotivos e tem ampla repercussão na vida da criança, principalmente, no âmbito emocional. Diante do artigo 33 do ECA, a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais, conferindo a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.

2.3 Descrição dos critérios e valores 

Conforme exposto no determinado trabalho, utilizou-se como base primordial os princípios norteadores do Direito da Criança e Adolescente, bem como a Constituição Federal de 1988 e demais legislações, tais como Código Civil e em específico, o Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo por referência a atuação devida dos operadores de direito com expressiva presença do Ministério Público no caso em tela. 

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