A PROPRIEDADE: UM DIREITO FUNDAMENTAL, MAS TAMBÉM UM ROUBO!
Por Antônio Márcio Melo | 27/05/2010 | DireitoA PROPRIEDADE: UM DIREITO FUNDAMENTAL, MAS TAMBÉM UM ROUBO!
"A terra, o planeta Terra, é de todos. E terra de morada não pode ser terra demorada!"
(Lenio Luiz Streck)
"A propriedade é um roubo".
(Proudhon, filósofo anarquista russo)
A Propriedade é um dos direitos fundamentais, como o direito à Vida, à Liberdade (que segundo o constitucionalista José Afonso da Silva, pode ser distinguida em cinco grandes grupos: Liberdade da pessoa física; Liberdade de pensamento; Liberdade de ação profissional; Liberdade de expressão coletiva e Liberdade de conteúdo econômico e social), à Igualdade e à Segurança.
Na verdade, a propriedade foi elevada a direito fundamental pelos revolucionários burgueses franceses, que a colocaram na sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Esse direito também consta no artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: "1.Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade."
Concordamos que a propriedade seja um direito, mas ela também é um roubo, como afirmou o pensador anarquista russo Pierre-Joseph Proudhon, após séria e profunda pesquisa científica. E ainda sobre ela, lembramos do filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau que, em seu livro Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens, diz: "O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ?Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!?" É o que o MST ? Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, um dos maiores da América Latina - vem fazendo a mais de vinte anos nesse país: chamando as pessoas para esse grito, para a luta contra o latifúndio, esse que é um dos grandes entraves para a concretização da reforma agrária, que significa uma distribuição mais correta da riqueza em qualquer país sério. Em documento oficial, publicado em 2001, o MST, referindo-se ao direito de propriedade na Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmou que "se observarmos a realidade brasileira veremos que estamos longe do ideal apregoado pela Declaração. Segundo os indicadores do INCRA ? Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgão governamental encarregado dos assuntos fundiários, no Brasil apenas 1% (um por cento) da população brasileira detém 43% (quarenta e três por cento) das terras agricultáveis." E o Movimento vai além, ao trazer o debate para o âmbito da nossa Constituição Cidadã de 1988: "A Constituição Federal promulgada em outubro de 1988 foi além da Declaração Universal dos Direitos Humanos e determinou que a propriedade da terra esteja subordinada ao cumprimento da função social (arts. 184-186)". No entanto, "a nossa realidade afirma que não bastam apenas belas palavras na Lei. O povo brasileiro espera a reforma agrária há mais de 300 anos. Os trabalhadores rurais sem terra, já cansados, passaram a pressionar e exigir os direitos assegurados na Constituição. Organizados no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra ? MST, decidimos ocupar as propriedades improdutivas como forma de acelerar a reforma agrária e garantir, de fato, que toda pessoa tenha direito à propriedade, já que a terra é fonte de vida e deve ser utilizada em benefício de toda a população."
Outros movimentos sociais urbanos, pelo Brasil afora, estão também nessa luta por moradia digna. Há inúmeros coletivos de sem-teto e ONGs que advogam por essa causa. Mas a tarefa é difícil, dificílima, ainda mais sabendo que vivemos num país onde a distribuição de renda é uma das piores do mundo. E isso se reflete também na condição de moradia dos mais pobres da população, que acabam tendo que viver em periferias e favelas, longe dos centros das cidades. Mas o filósofo alemão Hegel explica isso.
Para Hegel, o futuro é o progresso, o devir. O devir é o ser em movimento, as rodas da engrenagem do pensamento indo e vindo, barulhentas, aquele zumzum das conexões em nossa cabeça. Mas o que vem a ser o progresso hoje? Quais são os verdadeiros valores? Uma das premissas fundamentais para viver em sociedade é a de reprimir certos impulsos e atitudes, estabelecendo limites e fazendo concessões. A vida social é, geralmente, um imenso teatro coletivo. Vivemos um mundo cão, um mundo em que o que realmente importa é o ter, a posse, a propriedade, que são mais importantes que o ser humano. Vejo escrito em adesivos de muitos carros: "Foi presente de Deus", ou algo assim, e aí penso comigo mesmo: "Mas que Deus ruim é esse, que dá um bem tão valioso a tão poucos, enquanto que muitos não têm dinheiro para comprar nem o pneu, muito menos o carro?" Olha, o que estamos querendo dizer, a nossa mensagem é simples: a ganância capitalista nos trouxe a fome e a violência. E ponto.
Uma matéria do Cadeno Dez! do jornal A Tarde do dia 11/7/2006 nos trouxe uma informação da ONU ? Organização das Nações Unidas ? que é de cair o queixo: "235 pessoas têm uma riqueza pessoal equivalente à renda anual da metade mais pobre da população do mundo". Precisamos estudar mais o capitalismo, para conhecê-lo melhor, mesmo que seja para falar mal depois, para mostrar as outras faces dessa moeda.
O que constatamos todos os dias é a vitória do dinheiro sobre os valores humanitários. Não há luz no fim do túnel, e se você achar é do trem que vem! Um escritor/rapper escreveu certa vez na revista Caros Amigos sobre a "matemática sádica", que multiplica os ganhos do pobre desde que ele se prostitua ou se criminalize. Eu fico aqui pensando na "matemágica" que obriga o cidadão honesto a fazer milagre para que o salário seja suficiente no final do mês. Essa desidentidade entre indivíduos e gênero humano se universaliza sobre a produção generalizada de mercadorias, apesar de esta oferecer, pela primeira vez, as possiblidades para a multilateralidade humana. Mas, ao invés do homem voltado para si mesmo, conscientemente como gênero, tem-se o seu contrário. Nas palavras de Agnes Heller, "ao mesmo tempo em que o capitalismo produz necessidades múltiplas e ricas, provoca o empobrecimento dos homens e converte o ser que trabalha em um ser isento de necessidades." Constata-se, pois, um processo de homogeneização e redução das necessidades do ser social que trabalha, "que deve privar-se de todas as suas necessidades para poder satisfazer uma só, manter-se vivo", na conclusão de Heller.
Há também alguns adesivos em alguns carros que têm esse dizer: "Meu maior patrimônio é a minha família". Acreditamos nisso também, e acreditamos ainda numa sociedade que conviva pacífica e espiritualmente com o território que ocupa, onde cada membro terá o mesmo direito como indivíduo ou como família. Aí cada um dará o nome que quiser a esse tipo de sociedade: socialista, democrática, igualitária...
REFERÊNCIAS:
Direitos humanos no cotidiano: manual/. 2.ed.- Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens. ? São Paulo: Editora Escala, 2005.
(Márcio Melo, apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior, maio/2010)