A Propósito de um Vulgarismo no Português do Brasil
Publicado em 25 de novembro de 2008 por Eliane Vieira
Mattoso Câmara inicia este artigo relatando que, no Brasil, na espontaneidade da língua falada, emprega-se a forma viemos (presente do verbo vir) na primeira pessoa do plural em lugar do modelo vimos.
Ao longo do artigo, o autor argumenta que o vulgarismo presente nestas formas não é simplesmente uma "confusão de formas temporais", mas simplesmente uma extensão ao verbo vir do padrão geral para primeira pessoa do plural.
Em associação íntima com os verbos ter e pôr, no que se refere ao tema do imperfeito, figura o verbo vir. Os radicais supletivos dos três verbos apresentam travamento nasal /N/, oferecendo, assim, alternância da vogal entre os tempos do presente e do imperfeito do indicativo, a saber: ten/tin; pon/pun; ven,vin; a vogal temática –e , retirada do paradigma do pretérito perfeito, perpetua nas três formas, com exceção da 1ª e 3ª pessoas do singular do perfeito.
No infinitivo, tais verbos são atemáticos: vir (radical vin), ter (radical ten), pôr (radical pon), portanto essas três vogais não são vogais temáticas, mas vogais inerentes ao radical.
Entendemos, então, que os verbos vir, ter e pôr não apresentam conjugações distintas como arrola a gramática tradicional.
Mattoso ainda explica que normalmente há um sincretismo na 1ª pessoa do plural, de terminação entre o presente e o perfeito nas três conjugações. Esse sincretismo é o esclarecedor quanto à natureza do vulgarismo viemos em lugar de vimos, como foi citado no início do texto. A propósito de uma substituição das formas, Câmara afirma: "a substituição não cria, por sua vez, um conflito de "temas" no grupo das formas do imperfeito, pois vimos (como vir, vindes) não tem vogal temática e seu i é uma vogal do radical".
O motivo, segundo o autor, para substituição dos pattern do verbo vir é a homonímia entre vimos de vir e vimos de ver. Para ele, a língua acolhe muito bem a sincretismos morfológicos, todavia a homonímia provoca uma supressão de uma das formas homônimas.
Por fim, Mattoso pontua que vimos (presente do verbo vir) está em desacordo com o pattern dos verbos associados ter e pôr, pois a alternância vocálica da 1ª pessoa do plural inexiste (tenho, tens, tem, temos, tendes, têm; ponho, pões, põe, pomos, pondes, põem).
A oposição entre vemos (presente) e vimos (perfeito) é caso particular de um processo morfológico bastante inerente à língua.
Optar pela forma vemos, para o presente de vir, de acordo com o modelo atemático, seria impossível devido a homonímia com vemos, 1ª pessoa do presente de ver.
A criação do vulgarismo viemos, a fim de desfazer a homonímia, não ocorreu aleatoriamente, segundo Câmara, o que houve foi uma uniformidade sob nova padronização, como bem nos diz Horácio de Freitas: "o que parece uma anomalia em face do padrão geral pode representar tendência a uma uniformidade sob nova padronização".
BIBLIOGRAFIA
CÂMARA, J. Mattoso. Dispersos. Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª. Ed., 2004.
CÂMARA, J. Mattoso. Dicionário de Filologia e Gramática. Rio de Janeiro: J.Ozon Editor, 4ª Ed. refundida e ampl., 1970.
FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 5ª Ed., 2007.
CÂMARA, J. Mattoso. "A propósito de um vulgarismo em português" in Dispersos, Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª Ed., 2004, p.129
FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 5ªed., 2007, p.110.